13 de maio de 2008
N° 15600 - Moacyr Scliar
Israel, 60 anos
Anos atrás, num encontro de escritores realizado em Israel, Judith e eu tomamos o café da manhã com Shimon Peres. Hoje presidente de Israel, naquela ocasião Peres estava no limbo político, não ocupava cargo algum.
Perguntei a que atribuía a recente derrota do Partido Trabalhista, do qual era líder, nas eleições que resultariam na indicação do primeiro-ministro. Peres pousou a xícara de café, pensou um momento e disse: "Perdemos porque nos acomodamos, porque paramos de lutar por nossas idéias".
Que idéias eram essas, e que importância tinham, no momento não interessa. O que me impressionou, e continua me impressionando, foi a notável franqueza daquele homem. Afinal, eu não passava de um desconhecido, e ele podia ter me respondido com uma frase qualquer, tipo "política tem dessas coisas".
Mas não, Peres disse o que julgava ser a verdade, e isto revelava uma dimensão moral, a mesma dimensão moral que agora aparece na sua mensagem presidencial sobre o Dia da Independência de Israel (amanhã, 14 de maio) e que está circulando na Internet. Diz Peres: "Praticamente surgido das cinzas dos horrores inenarráveis do Holocausto, Israel vem lutando pela sua sobrevivência.
Mas conseguimos transformar o sonho de um lar para o povo judeu em realidade: criamos uma democracia-modelo, um sistema judiciário independente e nos colocamos na vanguarda de áreas como ciência e tecnologia, medicina e agricultura.
Alcançamos a paz com o Egito e a Jordânia e esperamos que as negociações de paz com os palestinos tragam frutos. Devemos nos ater aos valores legítimos ditados pelos nossos profetas, um legado que uniu o povo judeu através dos tempos".
É muito interessante que Peres tenha mencionado os profetas bíblicos. Porque essas singulares figuras faziam exatamente o que ele fez naquele café da manhã: diziam a verdade, por dolorosa que fosse.
E a verdade, ao fim e ao cabo, é a grande defesa de seres humanos, de povos e de países. Israel é um triunfo, como diz Peres? Sem dúvida.
É impressionante o que aquele povo conseguiu num país minúsculo, carente de recursos naturais - nem água tem - rodeado de inimigos que a todo instante prometem "varrê-lo do mapa". Se Israel sobreviveu foi exatamente porque corresponde aos valores mais profundos e mais autênticos não do só judaísmo, mas da humanidade.
Cometeram erros, os sucessivos governos de Israel? Cometeram erros, sim. Tardaram a reconhecer a identidade palestina e as legítimas aspirações de um grupo humano que tem muito em comum com os israelenses, além do parentesco étnico.
Por outro lado, criaram colônias entregues a fanáticos religiosos que são uma constante dor de cabeça. Isto resultou de previsões equivocadas. Nem todos são profetas.
Queixas e acusações à parte, Israel tem muito a celebrar no seu 60º aniversário. E o presidente Peres, herdeiro de grandes tradições do judaísmo, soube dizê-lo melhor do que ninguém.
Muitos setores do movimento negro não dão importância à Lei Áurea promulgada há exatos 120 anos. Mas se outra utilidade não tiver serve para lembrar que o Brasil foi o último país a abolir a escravatura. Uma dívida que ainda não foi totalmente paga.
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