sábado, 21 de maio de 2022


21 DE MAIO DE 2022
MARTHA MEDEIROS

Novas escolhas

Decidimos as coisas mais sérias da vida ainda muito jovens, naquela fase que o escritor Milan Kundera chamou de "a idade da ignorância", que é quando escolhemos a profissão, nos casamos e temos filhos. É uma grande sorte quando essas escolhas se confirmam como acertadas e duradouras até o fim dos dias, sem o valoroso apoio da hipocrisia.

Nos idos tempos em que entrávamos na meia-idade aos 30 anos e virávamos idosos aos 50, faltava energia para revoluções pessoais. Dava preguiça começar tudo de novo, já que não demoraria para batermos as botas. Seguia-se adiante com as escolhas feitas na juventude, era sinal de juízo. Ninguém nos chamava de covardes e sim de sensatos. E a gente retribuía a confiança, garantindo que éramos muito felizes, mesmo quando não éramos.

Agora a gente chega aos 45 com o corpo e a mente tinindo, e com a promessa de uma outra vida inteira pela frente. Mesmo tendo sido felizes de um jeito, podemos arriscar ser felizes de outro: a preguiça deixou de ser uma desculpa aceitável. Hoje, a única justificativa para não mudar é, contrariando Kundera, ter sido um gênio na juventude e acertado o alvo de primeira, a ponto de ignorar os atraentes desafios que a maturidade traz, período em que estamos mais íntimos de nós mesmos.

A constância é confortável, mas é também um inimigo silencioso, sequestra o brilho do olhar. É o preço a pagar por nos recusarmos a fazer ajustes no decorrer do caminho, pelo medo que sentimos dos desejos inconvenientes, por nos acomodarmos ao "mais ou menos". Não significa que os caçadores de emoções, que se mantiveram em movimento, tenham alcançado o paraíso. Podem ter se dado mal. Podem ter se arrependido. Mas não se intimidaram diante dos riscos, e isso dá a eles uma medalhinha invisível presa à camiseta, um charme qualquer que não se explica. As pessoas mais interessantes são as que têm história, guinadas e estão preparadas para um final em aberto. Não apostaram no "felizes para sempre" dos contos de fada da Disney, que terminavam justamente quando o melhor iria começar.

Excitação, demissões, desespero, conquistas, delícias, brigas, paixões, problemas superados, novas encrencas, dúvidas, estradas, autoconhecimento, terapia, frustrações, amores minúsculos, amores maiúsculos, solidão, rugas, viagens, o universo em expansão e o ponteiro sem parar de girar, tic-tac. É assim mesmo, vertiginoso.

Quando a gente se permite alçar voos - e eles continuam nos chamando para embarque - nos livramos das fantasias infantis e passamos a ser quem somos: múltiplos e falíveis. O final? Seja qual for, será preferível àquela trilha fechada dentro da floresta, onde o cavalo branco se perdia com dois conformados na garupa.

MARTHA MEDEIROS

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