quinta-feira, 19 de maio de 2022


19 DE MAIO DE 2022
ZÉ VICTOR CASTIEL

Filhos temporãos

Tenho um amigo muito querido, do tipo que pode ser considerado quase irmão. A prova dessa amizade está no fato de que, mesmo em tempos de dicotomias, opiniões e pensamentos diametralmente opostos, podemos conversar sobre qualquer assunto, sem nenhum tipo de altercação ou melindre. Concordamos em quase tudo, o que torna nossas frequentes conversas muito agradáveis.

Acontece que esse bom companheiro, depois de dar uma guinada em sua vida, partiu para um segundo casamento. Da primeira união resultaram duas encantadoras filhas. Uma ainda adolescente e a outra uma jovem e brilhante estudante de Psicologia. Este amigo e sua atual e adorável esposa programaram e concretizaram a enorme alegria de trazer mais um bebê ao mundo. Vejo nos olhos de pai e mãe um brilho só identificável nos privilegiados que conseguem programar suas vidas dando prioridade ao companheirismo, à cumplicidade e ao amor.

Acontece que este meu chapa não sabe que a vida está para lhe pregar uma peça. Não imagina ele que, em pouco tempo, mudará totalmente seu pragmatismo de pai e terá de modificar seus hábitos de pátrio poder por um motivo simplérrimo: é pai de uma temporã. Os temporãos podem tudo. Lógico que o casal saberá conduzir a educação da pequena de forma que também se torne uma grande pessoa, como são suas irmãs, mas sobretudo ele acabará metido em situações inusitadas e nunca imaginadas.

Conto isso com a sapiência daquele que, aos 10 anos de idade, viu nascer um irmãozinho. Sim, eu tenho um irmão temporão.

Para ilustrar, conto a verdadeira história de algo acontecido com meu amado e já falecido pai. Engenheiro químico, com um cargo de chefia numa grande empresa pública e professor catedrático da Universidade Federal do Rio Grande do Sul, meu velho sempre saía cedo para trabalhar, trajando terno e gravata impecáveis. Era rigoroso comigo e minha irmã, embora sempre justo e carinhoso.

Quando meu irmão completou 18 anos, a primeira coisa que fez foi o exame de habilitação para dirigir. No dia da avaliação prática, meu pai resolveu acompanhá-lo ao Detran. Meu irmão de bermuda e meu pai de terno. Ao ser avisado de que o exame só poderia ser prestado se o examinando estivesse trajando calças, não houve qualquer titubeio: foram até o banheiro e trocaram de roupa. Sempre imagino a cena daquele homem respeitabilíssimo de bermuda, camiseta e chinelos de dedos sentado em um banco do Detran esperando que seu temporão fizesse o tal exame, o que cumpriu vestido a rigor, de terno e gravata.

São coisas como essas que esperam meu amigo, afinal de contas, temporãos podem tudo. Boa sorte.

ZÉ VICTOR CASTIEL

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