segunda-feira, 24 de janeiro de 2022


24 DE JANEIRO DE 2022
CLÁUDIA LAITANO

Meninas do Brasil

Elza, Nara, Elis, em ordem de nascimento. Elis, Nara, Elza, em tempo de vida (somadas, as idades de Elis e Nara, quando morreram, não chegam aos 91 de Elza). Elza, Elis, Nara na escala social - da sobrevivente do planeta fome à "pobre menina rica", com um IAPI no meio.

Três mulheres-canção, três nomes de apenas quatro letras que dispensam contexto ou sobrenome quando entram na conversa. Três vidas que - cruzadas, distantes ou mesmo em rota de colisão (Elis e Nara não se bicavam) - ajudam a contar boa parte da história da música brasileira deste e do outro século.

Três mulheres que foram esposas e amantes, traidoras e traídas - sempre à vista de todos e em meio a uma nada banal virada de mesa na relação de poder entre os sexos. Três cantoras casualmente reunidas no noticiário da semana passada por uma sobreposição de efemérides: os 80 anos de Nara Leão, os 40 da morte de Elis Regina (ambos em 19 de janeiro) e a saída de cena, em plena atividade, de Elza Soares (no último dia 20).

Mais do que pela voz, uma cantora é definida por suas escolhas e circunstâncias. Durante muito tempo, achei que Marisa Monte seria a grande cantora da minha geração. Mudei para o time Mônica Salmaso, alguns anos atrás, não porque uma voz é mais bonita ou afinada do que a outra, mas pelas músicas que escolheram cantar. Passei ao largo pelo enorme sucesso de Marília Mendonça porque seu estilo e suas letras não dialogam com o que eu penso ou sinto. Nunca saberemos como teria conduzido sua carreira se tivesse vivido mais do que seus breves 26 anos.

Circunstâncias permitiram que Nara Leão acompanhasse o nascimento da Bossa Nova sem precisar sair de casa, mas foi dela a escolha de mudar de turma várias vezes ao longo da carreira (como mostra o ótimo documentário O Canto Livre de Nara Leão, disponível no Globoplay). Circunstâncias ajudaram Elis a desenvolver seu talento excepcional desde muito cedo, mas foram as escolhas e a inteligência musical que garantiram a ela o posto de maior cantora do Brasil.

Circunstâncias jogaram contra o talento de Elza Soares desde o nascimento, e ela driblou quase todas sem perder o tom. Nos anos 1990, sem público e com dificuldade para pagar as contas, quase desistiu da música. Mas o jogo só acaba quando termina, como Garrincha sabia muito bem. Com mais de 70 anos, Elza reescreveu o epílogo da própria história e tornou-se reverenciada por fãs que nasceram anos depois da morte de Elis e Nara. As circunstâncias moldaram-se às escolhas. E vice-versa.

CLÁUDIA LAITANO

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