quinta-feira, 20 de janeiro de 2022


20 DE JANEIRO DE 2022
NÍLSON SOUZA

Peixes vermelhos

Sou da geração que viu a chegada da televisão. Primeiro, causou deslumbramento: era para poucos ter um pequeno cinema dentro de casa, ainda que as imagens fossem de má qualidade, com fantasmas, chuviscos e até Bombril na ponta da antena (talvez a mais imprevista de suas 1.001 utilidades). Depois, a tevê ganhou cores, novos formatos, controle remoto, telas planas, essas coisas que hoje todos conhecemos. Porém, à medida que se aperfeiçoava tecnicamente e se popularizava, também passava a ser vista com desconfiança por alguns setores da sociedade: babá eletrônica, dementadora, formadora de idiotas, essas coisas que já ouvimos e lemos tantas vezes.

Jamais imaginaríamos que a tecnologia nos ofereceria um aparelho ainda mais atraente, mais viciante e com maior potencial para alterar o comportamento humano. Refiro-me, evidentemente, ao celular e aos seus conteúdos hipnóticos que sequestram a atenção dos usuários. Não apenas a sequestram: reduzem-na, de acordo com a tese defendida pelo franco-boliviano Bruno Patino, no seu livro A Civilização do Peixe Vermelho. Ele garante que o nosso crescente déficit de concentração é provocado pelos gigantes da internet com a difusão interminável de links, imagens, likes, retuítes e outros estímulos dirigidos diretamente ao nosso sistema nervoso.

Os peixes vermelhos contemplados no título do livro são animais com memória limitada a oito segundos. Depois desse tempo, eles perdem a concentração. Já os humanos da geração digital, segundo o autor, conseguem se fixar em algum assunto apenas por nove segundos, um a mais do que o peixinho. Por isso as empresas de tecnologia disparam novos e novos estímulos, a fim de segurar a atenção dos usuários por mais tempo - e, evidentemente, obter maior retorno publicitário.

O livro também compara viciados digitais a fumantes, sugerindo a criação de zonas não conectadas por questão de saúde pública. Outra ideia é a da instituição de momentos de desconexão dos meios digitais, com pausas de dois dias por semana e férias de dois meses. Quem de nós se submeteria a isso?

Se você leu este texto até aqui sem se desconcentrar para uma consultinha ao Face, ao Whats ou a qualquer outro apelo da telinha mágica, talvez ainda possamos ter esperança. Certamente já ultrapassamos os segundos que estabelecem a diferença entre um ser humano e um peixe.

NÍLSON SOUZA

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