terça-feira, 18 de janeiro de 2022


18 DE JANEIRO DE 2022
NÍLSON SOUZA

O pastel do motoqueiro

Hoje, para fugir um pouco das agruras que nos assolam, vou com um flagrante da vida real, como naquela seção da Seleções Reader?s Digest, que ainda se diz a revista mais lida do mundo.

Dia desses, eu e minha esposa perdemos o horário do almoço. Tivemos que ir a Viamão no final da manhã, voltamos pelo congestionado Caminho do Meio e ainda fomos até o bairro Sarandi para fazer uma entrega. Quando me dei conta, o estômago avisava que a tarde calorenta já avançava para a sua segunda metade e ainda não havíamos almoçado.

Toca para a Zona Sul, nosso refúgio de sempre. Na Avenida Assis Brasil, com seu rotineiro trânsito lento, um motociclista passa à frente no semáforo e, na arrancada, deixa cair um pacote na frente do nosso carro. Supus que fossem documentos ou algum material para entrega urgente. Desci, juntei o embrulho e saí atrás, mas não há como alcançar uma moto numa avenida movimentada.

Acabamos ficando com o pacote nas mãos e ele começou a soltar um cheirinho delicioso. Ao abrirmos, vimos que se tratava de um pastel recém-saído da fritura, ainda quentinho, provavelmente o almoço daquele entregador. Um pastelão considerável, desses retangulares, feito no capricho.

- E agora? - nos questionamos.

A fome pegando e aquele cheiro convidativo dentro do carro. Decidi entregá-lo para o primeiro portador de placa de papelão que encontrássemos no caminho. Por incrível que pareça, não encontramos ninguém naquela tarde escaldante. Acabamos levando o pastel para casa, sempre com a sensação de que seria um desperdício jogá-lo fora. Esclareço que não havia qualquer indicação de procedência no invólucro. Depois do almoço, resolvi sair pelo bairro para encontrar uma alma (com o respectivo corpo, é claro) merecedora daquela delícia.

Fiz uma volta inteira por três quarteirões e não encontrei qualquer pessoa cuja aparência ou situação evidente de penúria me encorajasse a perguntar se aceitaria o alimento. Quando já estava retornando para casa, avistei do outro lado da avenida da Serraria três cães de rua, desses que passam os dias revirando lixo em busca do que comer.

- Aleluia! - deixei escapar. Depois de atravessar a cidade e torturar um casal faminto, o pastel do motoqueiro encontrou finalmente o seu destino digno.

NÍLSON SOUZA

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