sexta-feira, 28 de janeiro de 2022


28 DE JANEIRO DE 2022
CELSO LOUREIRO CHAVES

A versão colorizada da orquestra tem sido um desastre

Protocolos são apenas protocolos e de repente podem mudar de um lado para outro. Por que instrumentistas sempre vestem roupa preta para tocar numa orquestra, aquele mar monocromático reminiscente de um bom film noir dos anos 1940? Bem, se não houver motivo muito maior, sociológico ou histórico, é para não atrapalhar a música.

Isso tem ficado óbvio, aos olhos e aos ouvidos, em algumas experiências que franqueiam aos instrumentistas o uso de roupas que sejam como o título daquela peça de Shakespeare, Como Gostais, que também tem algo a ver com roupas e disfarces... A versão assim colorizada da orquestra tem sido um desastre: muita cor e muita divergência no olhar fazem desviar a atenção da música tocada. Ao final, nem se sabe bem o que se ouviu.

Alguém dirá então: basta fechar os olhos e deixar bem à vontade instrumentistas e regentes. Estes, aliás, já foram liberados há tempos. Há quem reja a orquestra sentado - por estilo ou por saúde. Há quem não use nem gravata e nem paletó. A casaca, que identifica os maestros de caricatura, já foi abolida como relíquia insuportável de um tempo de antes. Afinal, dizia o compositor Debussy há mais de um século, "a poeira do passado nem sempre merece respeito".

Mas, enfim, fechar os olhos não é solução, pois música ao vivo não é CD de áudio ou vinil recuperado pela moda dos vinis. Nem sempre é agradável se dar conta do esforço muscular envolvido no fazer música, sem falar nas caretas que a pianista argentina Martha Argerich menciona, num documentário bem específico sobre suas performances: "É, eu faço muitas caretas quando toco" - reconhece ela. E já ensaia uma ou duas para a câmera, para bem demonstrar a fala.

Mesmo assim, como no esporte, é necessário ver o esforço físico para bem ouvir a música - ou vibrar com o lance. É aí que entra a intermediação indevida da vestimenta, multiplicando o que há para ver, levando para escanteio a atenção auditiva. Deve ser por isso a insistência na neutralidade da roupa.

É provável que haja um meio termo que ainda não foi encontrado entre o ver e o ouvir. Enquanto isso, segue o embate entre as cores e a soma de todas as cores, sem solução à vista. À vista e aos ouvidos.

CELSO LOUREIRO CHAVES

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