segunda-feira, 17 de janeiro de 2022


17 DE JANEIRO DE 2022
KELLY MATOS

O segredo de (quase) toda mulher

Eu não sabia que era um segredo. A primeira vez que me aconteceu foi em junho do ano passado. Eu recém havia completado 34 anos e conversava em casa sobre a possibilidade de ser mãe. Fiz o primeiro teste de gravidez assim que percebi o atraso menstrual. Deu negativo. Minha amiga e mãe de gêmeos Andréia Sadi, que monitorava tudo a distância, se solidarizou e riu com a ansiedade de uma tentante - ela havia dado à luz Pedro e João dois meses antes. E me indicou que eu fizesse um teste quando o atraso completasse uma semana pelo menos.

Foi o que eu fiz.

Era um sábado à noite, eu estava sozinha em casa. Lembro exatamente de quando vi a segunda linha aparecer e do sentimento de felicidade que tomou conta do meu peito, do meu corpo e do meu telefone para onde corri pra contar a notícia ao meu companheiro. Pode parecer clichê. E é.

A alegria durou em torno de umas duas semanas. Até que num sábado pela manhã, o sangue se apresentou sem ser convidado. Não havia mais gestação ali.

Lembro que, na emergência obstétrica do Hospital Moinhos de Vento, consolei minha mãe dizendo: é normal. Cerca de 23 milhões de gestações em todo o mundo terminam em aborto espontâneo a cada ano. Isso representa 15% do total. Ou ainda 44 a cada minuto, de acordo com estimativas publicadas na revista médica The Lancet no ano passado.

O que eu não sabia (e aí vem o segredo ALERTA SPOILER) é que quase todas as mulheres já passaram por isso. "Fica tranquila. Eu perdi duas antes de ter a minha filha", "a minha mãe perdeu uma gravidez antes de eu nascer"; "eu também perdi e depois a gente chama de bebê arco-íris", consolaram-me amigas.

Pragmática, parei e pensei comigo: mas se (quase) todo mundo passa, por que é que nunca ninguém conta? Ivete Sangalo, Romana Novais, Renata Capucci para citar algumas famosas. Mas também Kellys, Samantas, Julianas.

E pensei logo na tristeza que a gente sente. Eu lembro que depois de sair do hospital chorei como criança enquanto a água e o sangue escorriam pelo ralo do chuveiro. Fui para a casa da mãe e passamos uma tarde assistindo episódios de Lady Night, da Tatá Werneck. Que grande pessoa é a Tatá! Ela faz a gente rir até quando o fundo do poço tem um alçapão.

Dito isto, comecei uma campanha interna para que naturalizássemos o assunto. Sempre que tenho a oportunidade conto a uma amiga o que aconteceu. Dia desses, estávamos no consultório e encontrei uma conhecida. Ela me falava sobre a maternidade, quando eu disse que minha gravidez não evoluiu. Meses depois nos vimos novamente. E ela comentou sobre como nossa conversa tinha sido importante, já que também passaria por isso duas semanas depois do nosso primeiro encontro.

Naturalizar um assunto, dizem os especialistas, é um passo importante para que não nos sintamos únicas em um processo de sofrimento. Vale para o aborto espontâneo, a depressão pós-parto ou mesmo os desafios de uma mãe atípica. Há poucos dias, a apresentadora Rafa Brites, importante voz de acolhimento às mulheres, escreveu sobre as dores e a vergonha sentidas a partir da cicatriz da cesárea do nascimento do filho Rocco. "Quis compartilhar com vocês porque sei que muitas mulheres passam por isso, e falamos pouco né?", desabafou.

Sim, falamos pouco. Quase nada. E não dá pra continuar assim.

INTERINA

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