quinta-feira, 28 de março de 2013



28 de março de 2013 | N° 17385
L. F. VERISSIMO

Anna

Emma Bovary e Anna Karenina são as adúlteras mais famosas da literatura, e as duas tiveram o mesmo fim. Foram vítimas da sua época, da hipocrisia das sociedades em que viviam – mas também do moralismo disfarçado dos seus autores, que as criaram para se destruírem.

Flaubert e Tolstoi condenaram a hipocrisia, mas não deixaram de castigar as suas duas transgressoras, ou de permitir que elas se castigassem. Enfim, foram homens, com sua misoginia à mostra, antes de serem artistas defendendo a transgressão.

Ainda não fizeram, que eu saiba, um bom filme de Madame Bovary (o último que tentou sem sucesso foi o falecido Claude Chabrol), mas o filme definitivo de Anna Karenina está nas telas, deslumbrando todo o mundo.

A explicação talvez seja que Flaubert nunca encontrou um colaborador a sua altura para fazer o roteiro, enquanto Tolstoi encontrou o Tom Stoppard. E os dois contaram com um diretor aventureiro como Joe Wright, que conseguiu fazer um filme altamente estilizado, na sua redução dos cenários – até o de uma corrida de cavalos – a um teatro e seus bastidores, sem que isto parecesse preciosismo vazio ou atrapalhasse o drama.

O filme é teatro sem ser teatral, como escreveu o Xexéo. E se tivesse sido filmado de forma convencional não teria a metade do impacto visual que tem. Com pouquíssimas tomadas externas, sem sair dos confins de um teatro, o filme mostra a Rússia imperial em todo o seu esplendor e miséria. O vasto exterior só aparece como contraponto para o claustrofóbico pequeno mundo da corte.

Joe Wright, para quem não se lembra, é o diretor de, entre outros, o filme Atonement (Desejo e Reparação, se não me engano), baseado num romance de Ian McEwan. O filme contém o que é provavelmente o mais longo “travelling” ininterrupto da história do cinema, toda a confusão na praia de Dunquerque onde tropas inglesas, fugindo dos alemães no começo da guerra, esperavam para serem retiradas, captada numa única e interminável tomada de tirar o fôlego. Podia ser exibicionismo técnico gratuito, mas mostrava a audácia de um diretor, que agora se confirma com este entusiasmante Anna Karenina. Olho nele.

Mesmo para quem acha que nunca haverá outra Anna como a Greta Garbo, ou faz restrições a um ou outro incisivo da Keira Knightley, o filme é uma experiência imperdível. Ganhou só um Oscar, o que também o recomenda.

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