terça-feira, 19 de março de 2013



19 de março de 2013 | N° 17376
CLÁUDIO MORENO

Para louco, loucura e meia

Além da extensa obra com que Jorge Luis Borges felizmente nos brindou, jornalistas, namoradas, amigos e até inimigos vêm publicando um verdadeiro tesouro de reportagens, memórias e entrevistas em que o grande escritor aparece em mangas de camisa, mais à vontade para dizer coisas que jamais escreveria.

No gigantesco diário de seu parceiro literário, Adolfo Bioy Casares, Borges lembra uma página sombria da vida política de nossos vizinhos argentinos: no dia 16 de junho de 1955, por volta do meio-dia, aviões da Marinha sobrevoaram o centro de Buenos Aires e despejaram dez toneladas de bombas na Praça de Maio e imediações, numa tentativa de golpe contra Perón, presidente constitucionalmente eleito.

O bombardeio causou grandes danos nos edifícios públicos e matou mais de quatrocentas pessoas – em sua quase totalidade, civis –, mas não alcançou o presidente. A rebelião terminou sendo abafada pelas forças legalistas, que protagonizaram, inclusive, uma batalha aérea sobre o Rio da Prata.

Ao cair da noite, quando na praça e nas avenidas ainda ardiam os fogos provocados pelas bombas dos rebeldes, dezenas de extremistas, em protesto contra o golpe, incendiaram várias igrejas históricas do centro da cidade, bem como a Cúria Metropolitana, destruindo completamente sua biblioteca e seus arquivos seculares.

Foi então – é Borges quem conta – que um jornalista espanhol que fazia a cobertura do tumulto deixou escapar em voz alta uma pergunta nada prudente: “Mas por que vocês estão queimando as igrejas?”.

Foi uma frase espontânea, ditada por curiosidade profissional, mas certamente devia haver em sua voz alguma coisa de surpresa e censura por aquela selvageria gratuita, pois logo começou a ouvir à sua volta frases cheias de rancor que sugeriam que fosse ele o próximo a ser incendiado. Vendo-se cercado por rostos cheios de fúria, teve uma daquelas inspirações ditadas pelo medo e pelo desespero, e acrescentou, aparentando indignação: “Mas por que as igrejas? Por que não logo os padres?”.

Como por encanto, os incendiários imediatamente trocaram suas ameaças por um rosário de escusas e explicações: “Ah, senhor, é que chegamos tarde e não estavam mais aqui!”. Pronto! Aliviado por pisar em terra firme, o jornalista, em tom compenetrado, ainda deu a seus novos amigos alguns conselhos para aumentar a eficácia dos incêndios e tratou de se pôr em segurança bem longe dali.

Sem querer, havia posto em prática a receita que Bernard Shaw usava para se ver livre dos loucos: diante de uma proposta insana, propunha uma ainda maior, ainda mais absurda, que evidentemente era levada a sério pelo maluco e o reduzia ao silêncio.

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