terça-feira, 31 de julho de 2012



31 de julho de 2012 | N° 17147
FABRÍCIO CARPINEJAR

Casinha de homem

O homem brinca de casinha. É quando ele vai a um motel.

Todo motel tem ladeira e uma torre. O motel é o castelo do macho. É seu sonho de príncipe encantado.

Todo motel tem letreiros luminosos de cinema. É sua vontade de ser um ator pornô famoso e ser descoberto por Hollywood.

O motel é o conto de fadas masculino. É o pontapé inicial de sua vida imobiliária, o exercício de sua independência de estilo.

Homem não aprecia olhar apartamentos antes de comprar, não tem paciência para analisar plantas residenciais e espiar condomínios: homem visita motéis.

É uma compulsão estranha e irrefreável.

Não acredita em mim? Por que, então, quarto de motel tem churrasqueira? Explica?

Trata-se de um projeto secreto de residência, um modelo perfeito de convívio familiar. Traz a ilusão de lua de mel permanente com sua amada, não tem que aguentar a indiscrição de vizinhos e nunca sofrerá ameaça de despejo do condomínio por gritos e gemidos.

Naquele momento, realiza sua especulação patrimonial, treina seu gosto para decoração, avalia sofás, cortinas, box, azulejos para, posteriormente, adotar em seu cantinho. Passa a conhecer o que é uma poltrona Luis XV. Vivência moteleira é cultura.

Não estou troçando, o homem desejaria que seu dormitório fosse igual ao do lugar. Com cama redonda, espelhos no teto, luz negra, piso elevado, várias atmosferas e frigobar. Pergunte a qualquer marmanjo.

Adoraria dispor de um painel com botões para acender o ar-condicionado, o som, trocar as luzes e vibrar o colchão. Um controle centralizador que simplificasse seus movimentos e mantivesse o ambiente sob o alcance de um simples gesto.

O motel é o ideal de consumo dos marmanjos. Se possível com piscina, banheira de hidromassagem e roupão branco sempre lavado esperando no gancho atrás da porta. Na hora de ligar a TV, que viesse direto os jogos exclusivos do Brasileirão, nada de novelas e seriados românticos.

Diante da pequena portinhola da garagem, logo na entrada do estabelecimento, o homem define o futuro da relação ao escolher o quarto. A tabela de preços é o equivalente à vitrine de uma joalheria para a mulher: cada quarto é uma aliança ou de 12 ou de 16 ou de 18 ou de 24 quilates.

Se ele solicita o apartamento simples, é apenas uma transa rápida, não passará de meia hora. Se ele sugere uma suíte, é proposta de namoro. Se ele requisita a chave de uma supersuíte, comemore o noivado. Se ele quer uma supersuíte luxo, é a consagração erótica, um convite indireto ao casamento.

Mas, se ele pedir uma supersuíte luxo presidencial, é que ele andou frequentando motel com outra e pretende obter o perdão.



31 de julho de 2012 | N° 17147
EDITORIAIS ZH

ANTES QUE O BRASIL PARE

Ainda que a atual greve dos caminhoneiros tenha inspiração e incentivo patronal, volta a fazer sentido a velha e ameaçadora frase pintada nos para-choques de alguns veículos pesados que circulam pelas estradas do país: “Sem caminhão, o Brasil para”. Na verdade, não há falta de caminhões.

Falta, isto sim, uma negociação sensata entre os órgãos governamentais responsáveis pelo transporte de cargas, os empresários e alguns sindicatos de trabalhadores – neste momento concentrados apenas em seus próprios interesses, sem se importar com os danos que a paralisação pode causar a uma sociedade extremamente dependente do transporte rodoviário.

É um locaute, denunciam os dirigentes das principais confederações nacionais de trabalhadores da área de transporte, alegando que os caminhoneiros estão sendo utilizados pelos patrões para derrubar a recente regulamentação profissional que estabelece intervalos rigorosos para o descanso dos motoristas.

E as greves por iniciativa dos empregadores são terminantemente proibidas pela legislação federal. Já os empresários, através de suas representações sindicais, manifestam claro apoio ao movimento, mas se eximem de responsabilidade pela iniciativa.

Argumentam, porém, que as empresas não têm como cumprir a lei sancionada em abril passado, que limita a jornada de trabalho dos motoristas a oito horas, com no máximo duas horas extras, incluindo pausas de 30 minutos a cada quatro horas trabalhadas.

Ainda que o regramento seja bem-intencionado e tenha o propósito de evitar que condutores extenuados se envolvam em acidentes, a verdade é que inexiste infraestrutura adequada para o repouso e a segurança dos trabalhadores, nos termos previstos pela legislação.

Alegam os transportadores, ainda, que o cumprimento rigoroso das normas elevaria o custo do frete, que hoje é considerado insuficiente para cobrir despesas com combustíveis, pedágios e segurança. Os trabalhadores contestam, argumentando que os empresários não querem reduzir seu lucros.

Diante do impasse, que já começa a provocar transtornos à população em vários Estados, torna-se urgente uma intermediação do governo, chamando as partes para a mesa de negociação e abrindo espaço para o reexame das normas impostas pela Agência Nacional de Transportes Terrestres.

Evidentemente, não cabe revogar regras que incidam diretamente sobre a saúde e a segurança dos condutores e, por extensão, dos demais motoristas que circulam pelas mesmas rodovias. Mas a extensão do prazo para aplicação das novas exigências, conjugada com a criação de condições para que as normas possam ser cumpridas, pode ser o sinal verde para os caminhões continuarem transportando cargas, empregos e uma parte essencial da economia brasileira.


31 de julho de 2012 | N° 17147
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Fora de foco

Livro arrepiante, magnífico, imperdível: Ligeiramente Fora de Foco, de Robert Capa (editora Cosac Naify, tradução de José Rubens Siqueira). O nome do autor é que me chamou primeiro, na estante da livraria de onde o resgatei: sabia que era um fotógrafo, vagamente. E era mesmo.

Ele é o autor da polêmica foto de um republicano espanhol recebendo um tiro na cabeça, numa coxilha descampada, ele com trajes civis como ocorria bastante entre os que resistiram a Franco, naquela jornada heroica. Capa começou ali sua intensa trajetória de fotógrafo de guerras.

Nascido Endre Friedmann, em Budapeste, 1913, ele migrou para a Alemanha (até a ascensão de Hitler, em 1933), dali para a França pré-II Guerra, depois para os States. Em Paris, ele e sua namorada inventaram um fotógrafo, Robert Capa, como estratégia para vender fotos do jovem Endre para agências.

Como deu certo, ele resolveu encarnar o personagem inventado, e estava criado o mito. Aos 22 anos, já estava cobrindo a Guerra Civil Espanhola; em 1938, estava na China; esteve em vários cenários da II Guerra, foco deste livro; morreu em 1954, ao pisar numa mina, no sudeste asiático. Mas teve tempo de escrever muito, além de fotografar. Era amigo de Hemingway e de Steinbeck.

Mas o livro: narrado com humor e verve, ilustrado pelas fotos do autor, é de arrepiar, quase do começo ao fim. Ele relata sua participação na II Guerra, no norte da África, depois na Itália e nada menos que no famoso Dia D, no desembarque dos Aliados na Normandia, iniciando a derrota do nazifascismo.

Mas essa história vem enquadrada num longo e mal resolvido enlace amoroso. Sim, ele também foi um emérito “lover”. Grace Kelly, por exemplo. Aliás, foi no affair dele com a loira que Hitchcock se inspirou para o clássico Janela Indiscreta.

Eu não disse nada sobre o choro que me atropelou duas vezes na leitura, mas digo agora: seu relato do famoso desembarque, ele no primeiro barco militar a chegar lá, é qualquer coisa de definitivo, uma experiência de leitura que repõe como talvez nenhuma outra a força do que foi aquele Dia D.


31 de julho de 2012 | N° 17147
PAULO SANT'ANA

Onde está a minha veia

Sou atualmente o maior cliente de clínicas radiológicas e de laboratórios de análises clínicas do Rio Grande.

Em matéria de exames radiológicos, tenho batido todos os recordes: raios-x, ressonância magnética, ecografia etc., já fiz tudo que há no derredor desses exames.

Só tenho tido um problema: para ser submetido à ressonância magnética, exigem-me que se insira em minha veia do braço um tal de contraste.

Amigos, vou lhes contar... As técnicas em enfermagem e até mesmo as enfermeiras vêm com as seringas para localizar a minha veia e a seguir injetar o contraste.

Cravam a agulha e não acham a veia. Cravam novamente a agulha e não acham a veia.

Estabelece-se o caos na sala da clínica. Mandam chamar lá no hospital uma enfermeira que, dizem, já fura veias há 25 anos.

Chega a enfermeira célebre e tenta encontrar a minha veia. Não encontra. Então ela passa a fazer o que todas elas fazem em meu braço: ou cravam novamente a agulha ou, depois de a cravarem, ficam torcendo a agulha dentro do meu braço, escarafunchando meu braço à procura da veia.

A dor que sinto é insuportável, até que, depois de 50 minutos de perfurações acompanhadas de dores lancinantes, eu ou elas desistimos.

E eu vou embora sem contraste, sem ressonância, sem esperança e com meu time sem goleiro ainda por cima, apenas com uma sugestão do radiologista, médico que a toda essa tragédia assiste lá de dentro de outra sala, isto é, alheio ao caos que se desenvolve na sala onde tudo se decide, isto é, se decidia: sugere o médico que então eu substitua a ressonância por uma ecografia, muito mais delicada e humana que o outro método.

Mas o médico não garante que a ecografia tenha a mesma eficiência procurante da ressonância.

E aqui estou jazendo na cama de minha casa com o braço dilacerado de tantas fincadas.

Dizem que a civilização vem tendo progressos extraordinários.

Mas até agora ninguém inventou um método civilizado de tirar sangue para exame clínico.

A única maneira é cravar essas agulhas grossas na veia da gente, quando a encontram, porque em mim não encontram nunca a veia nervosamente procurada.

Outra coisa: quando estive no Japão, cravaram em mim uma agulha na veia, num hospital nipônico: e acharam a minha veia em poucos segundos.

A diferença é que as agulhas perfurantes no Japão são bem finas. Aqui no Brasil, pelo menos em toda a parte onde ando, as agulhas são grossas, parecem canos de esgoto.

Alguém pode me responder por que as agulhas do Japão são finas e as agulhas brasileiras são mais grossas que parafusos de patrola?

segunda-feira, 30 de julho de 2012



30 de julho de 2012 | N° 17146
ARTIGOS - Paulo Brossard*

Sem vergonha

Otávio Mangabeira foi um homem público de largo espectro e apuradas qualidades, que suportou dois exílios; era de família pobre e pobre foi toda a vida, ainda que durante anos tivesse sido parlamentar, deputado e senador, ministro das Relações Exteriores, governador da Bahia, estilista primoroso, foi orador impecável; na conversa apreciava artifícios que apontassem os contrastes humanos com malícia, mas sem maldade; assim, por exemplo, gostava de pilheriar com a própria terra que tanto amava, dizendo:

 “Imagine um absurdo, por maior que seja, tem precedente na Bahia”. Pois estou em dizer que nem na Bahia haverá precedente do fato aqui ocorrido.

Nada menos que um parlamentar, presidente de partido numeroso, de óbvias responsabilidades inerentes a sua situação no mapa partidário, que elegeu a senhora presidente da República, bem como seu antecessor, o atual governador do Rio Grande do Sul como um de seus predecessores, além de outros títulos auferidos no resto do país, cometeu um descoco que nem na Bahia tinha precedente...

Em reunião do seu partido, desnecessário dizer tratava-se do PT, realizada em Sapiranga, referiu-se à Justiça Eleitoral em termos simplesmente inacreditáveis, como o seriam se não tivessem sido gravados e reproduzidos pela radiodifusão, sem qualquer ressalva, e, ao contrário, confirmados pelo próprio protagonista; as palavras são poucas, mas nem precisavam ser mais numerosas para estarrecer a gregos e troianos.

Com estas palavras o presidente do mencionado partido se referiu aos juízes da Corte Eleitoral – “Nós não controlamos esse bando de sem-vergonha que compõe o Tribunal Eleitoral”. Procurado por jornalistas, acusou-os de estar “praticando um jornalismo marrom e vagabundo” e, no dia seguinte, adiantou que “a gravação não tinha sido autorizada”... desse modo confirmou a declaração insultuosa, afinal o “bando de sem vergonha” eram os juízes do TRE do Rio Grande do Sul!

Esta a linguagem do parlamentar e presidente de um partido de inexcedível agressividade frontalmente endereçada a um tribunal, cujas decisões podem ser objeto de recursos legais e de críticas explícitas a sua sabedoria, mas jamais como “um bando de sem-vergonha que compõe o Tribunal Eleitoral”.

Nunca imaginei que seria juiz do TSE e até seu presidente, ao tempo em que advoguei da primeira à derradeira instância da Justiça Eleitoral, mas posso dizer que nunca, jamais, nem quando advogado, nem quando presidente, vi coisa igual nem parecida com essa agressão covarde, que causou tristeza e mal-estar a quantos se esforçaram por ver praticada e respeitada a maior reforma política já realizada no Brasil, com a adoção da Justiça Eleitoral e do voto secreto, que lhe deu sentido.

Aliás, embora desnecessário, mas apenas a título ilustrativo, lembro que ideias estapafúrdias surgem aqui e ali quando se trata de reformas institucionais, mas nunca alguma que extinguisse a Justiça Eleitoral ou alterasse sua estrutura.

Mas, na minha apreciação, vejo alguma relação entre o jato de insânia despejado a céu aberto contra a verdade eleitoral e a onda de violência que se vai espalhando pelo país. Ainda agora a CUT se arvora em juiz do Supremo Tribunal Federal e o ameaça em caso dele parcializar-se no julgamento do triste episódio do mensalão (sic).

A pretensão em causa revela a disseminação de expedientes visando ao desprestígio da Justiça com a desconfiança nela, ainda que de forma semi-infantil e grosseira, mas solerte e calculada.

De mais a mais, a própria linguagem empregada lembra uma linguagem de sarjeta, mostra o seu descompasso da apropriada a uma entidade investida de relevantes encargos e finalidades pela própria Constituição Federal.

*JURISTA, MINISTRO APOSENTADO DO STF


30 de julho de 2012 | N° 17146
PAULO SANT’ANA

Eu não disse, Cacalo?

Hoje me ocupo da humildade, virtude muito necessária para dignificar a atitude humana.

Em primeiro lugar, a humildade em reconhecer o mérito dos outros, principalmente o mérito dos nossos adversários.

Quando se é teimoso, se se perde uma discussão, deve-se reconhecer isso e parabenizar a outra parte.

A humildade no teimoso tem de se caracterizar por, perdendo a disputa, dá-la por encerrada, cumprimentando o vencedor.

Só que uma das coisas mais irritantes é a atitude do falso humilde, a pessoa que finge humildade por fora, porém permanece por dentro munida de firme arrogância.

É triste de ver.

A humildade é própria dos serenos, dos que admitem a inferioridade passageira ancorados na superioridade que fatalmente mostrarão ali adiante.

Muito difícil de ser praticada, mas bela, é a humildade dos injustiçados. Os injustiçados que se calam e se vergam diante do arbítrio, aguardando melhor oportunidade para demonstrarem que tinham razão.

Notem que o humilde é sempre puro, é sempre razoável, é sempre digno, quase sempre calado, pois, como dizia meu pai, que era xingado toda a tarde pela minha madrasta, “o calado sempre vence”, mostra, no entanto, o calado assim uma eloquência silenciosa.

A humildade é própria dos santos, dos estadistas, dos líderes, dos que andam à frente do grupo que caminha em fila indiana pela floresta íngreme, que se ele tem a desvantagem de primeiro topar com as serpentes, no entanto possui exclusivamente o privilégio, ao ir desbastando os galhos com o facão, de ficar extasiado com o primeiro e assustado alçar de voo das borboletas multicores.

Tive na semana passada a minha milésima vitória em discussões nos 41 anos do programa Sala de Redação. O Cacalo, ajudado por outros debatedores, defendeu a tese de que Marcelo Grohe era um grande goleiro, já que tinha feito duas grandes defesas contra o Botafogo.

Quando Cacalo disse isso, falei no programa que pedia 30 dias para provar o contrário, que Marcelo Grohe era um mau goleiro. Não foram necessários os 30 dias que pedi de prazo para provar minha tese. Sábado, contra o Coritiba, nos dois gols da vitória paranaense, Marcelo Grohe teve duas falhas gritantes.

Nos dois gols adversários falhou lamentavelmente o goleiro gremista, deixando passar duas bolas defensáveis. Uma lástima. Porque, se não acontecessem essas duas falhas do nosso goleiro, o Grêmio hoje poderia estar aproximadíssimo da liderança do certame e se teria firmado em definitivo como integrante do G-4.

E não sou cruel nem persigo ninguém que esteja empenhado em sua carreira de jogador. Mas eu também não posso permitir que entreguem a um goleiro inconfiável o destino do Grêmio.

Não foram precisos 30 dias para eu provar que Marcelo Grohe é deficiente. Anteontem, suas duas falhas notáveis nos dois gols do Coritiba o provaram.

Desculpe, Cacalo, mas o velho Pablo mais uma vez tinha razão. Anteontem foi demais, e assim munido por esse goleiro o Grêmio não passará da zona da Sul-Americana. É uma pena, porque todo o trabalho de Luxemburgo e dos outros jogadores, assim como da direção, é desperdiçado quando bolas simples vão até o gol gremista e nosso arqueiro as engole.

Eu não sei futebol assim por ser sábio, sei-o por ser velho.

O Cacalo precisa ter a humildade de reconhecer que perdeu essa para mim.


30 de julho de 2012 | N° 17146
LUIZ ANTONIO DE ASSIS BRASIL

Rostos e corpos

Desde que existem as artes representativas, o corpo humano é o motivo dominante. As pinturas rupestres mostram-nos homens e mulheres em todas as posições e atitudes, na maior parte das vezes, em ações cinegéticas.

Mas também há espaço para a contemplação religiosa. Já os gregos levaram o culto do corpo ao extremo, e suas esculturas, ainda que possam representar deuses e deusas, significam também pessoas em dimensões humanas. Míron foi o grande; Praxíteles, o melhor – mas isso é questão de gosto.

O grande percurso que chega à Idade Média e desemboca no Renascimento mostrou o perigeu e o apogeu do tratamento do corpo – a Capela Sistina é o melhor exemplo desse trânsito artístico que é, ao mesmo tempo, cultural e ideológico.

A fotografia demonstra igual fascínio pelo humano; não tanto quanto na primeira metade do século 20, mas a tendência continua acesa.

Na galeria Arte & Fato, há uma amostra do fotógrafo Roberto Schmitt-Prym, denominada Cenas Vertiginosas, com a curadoria de Ana Zavadil. São 26 fotos a cores com um motivo único: o rosto e o corpo – no caso, feminino.

Contrariamente aos clássicos estudos de nus, em que os modelos param-se de estátuas e servem como motivos para o tratamento do claro-escuro, tonalidades, volumes e texturas, nestas fotos de Schmitt-Prym o corpo humano – o rosto, em especial – assume uma personalidade, isto é, apresenta-se como um ente único e capaz de reações. Isso atenua e transforma qualquer aproximação de natureza erótica, remetendo-nos a uma reflexão sobre o humano em sua crueza psicológica e emocional.

Para isso, colabora o tratamento técnico das fotos, que nunca são apresentadas em sua versão “original”, mas chegam ao espectador com as cores alteradas, com o foco impreciso, revelando as intervenções necessárias para que possam ser consideradas obras de arte.

São fotos perturbadoras, estas. As mulheres ali estão, numa galáxia metafísica difícil de ser percebida, mas que nos tocam como se estivessem a nosso lado, com seus espantos, seus grandes olhos acesos, com suas dores, suas perplexidades, com seus lábios sanguíneos e suas iras mudas e devastadoras, seus olhares de Capitu e, enfim, com sua tensa e sempre enigmática condição.

Se os artistas das cavernas escolheram a figura humana como motivo preferencial, observem, indo à exposição, como esse humano persiste, e em grau superior, nas surpreendentes fotos de Roberto Schmitt-Prym.


30 de julho de 2012 | N° 17146
L. F. VERISSIMO

“Conversation piece”

Esses americanos... Lá existem o que eles chamam de “conversation pieces”, que vêm a ser qualquer coisa que sirva para começar uma conversa. Digamos que você vai receber na sua casa uma pessoa com a qual não tem nenhuma intimidade, afinidade e, principalmente, assunto.

Para que a visita não transcorra em constrangedor silêncio, você coloca em cima da mesa de centro alguma coisa – um livro, uma escultura, uma cabeça mumificada – que despertará a curiosidade do visitante, que indagará a respeito e lhe permitirá dissertar sobre o seu significado e sua história. Com sorte, e com um “conversation piece” bem escolhido, a conversa sobre este tópico único pode durar a visita inteira e dispensar a busca de outros assuntos.

– Esse fuzil...

– Fabricação japonesa. Comprei quando eu estava pensando em me tornar um serial killer. Depois comecei com as aulas de sapateado e fui para outro caminho, mas o arsenal ficou. Tenho o porão cheio de armas, se você quiser vê-las depois...

– Sim, sim. Gostaria. Você parece ter tido uma vida muito interessante.

– Tive. Tudo começou quando mamãe me colocou na máquina de lavar roupas por engano, junto com minhas fraldas, e só me retirou no fim do ciclo.

Não deixa de ser admirável e lamentável ao mesmo tempo uma sociedade tão prática que prevê o embaraço social e inventa maneiras de evitá-lo e precisa de acessórios para começar uma conversa.

Correções

O Sergio Augusto, entre outros, corrigiu minha coluna da quinta passada, quando, comentando o efeito que o massacre da noite de estreia poderia ter na bilheteria do novo filme do “Batman”, escrevi sobre um filme maldito de décadas atrás chamado “Romona”, que supostamente dava azar.

O filme não se chamava “Romona” e sim “Ramona”. Na mesma coluna, chamei o Alexander Cockburn de Alexander Woodcock. Pelo menos deixei o cock do homem intacto. Perdão, leitor. Estou tentando localizar o vazamento de neurônios para estancá-lo.

domingo, 29 de julho de 2012


LÁZARO EVAIR DE SOUZA - COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

Aula em todo lugar e a qualquer hora

Evolução tecnológica do ensino a distância faz com que cada vez mais brasileiros optem por esse modelo

A procura dos brasileiros por ensino a distância tem crescido de forma vigorosa. O país partiu de 5.359 matrículas, em 2001, para 930.179 em 2010, um crescimento médio anual de 1.725%, de acordo com levantamento do MEC (Ministério da Educação).

Tal expansão, segundo especialistas, resulta de dois movimentos simultâneos: a busca por conhecimento e por competências que assegurem melhores condições no mercado de trabalho e a evolução tecnológica na área de comunicação, que propiciou o desenvolvimento das ferramentas digitais necessárias ao estudo fora da escola convencional.

"Os números na área são encorajadores, principalmente quando lembramos que a prática do ensino a distância começou efetivamente no Brasil apenas em 2002", diz Fredric Litto, presidente da Abed (Associação Brasileira de Educação a Distância). "Em termos pedagógicos e tecnológicos, já nos equiparamos a países como a Inglaterra, onde há ensino a distância desde 1858."

Para especialistas, o bom desempenho alcançado nas matrículas é derivado, também, de um maior rigor do MEC, que, desde 2007, passou a exigir um modelo educacional com apoio mais direto e próximo do aluno, por meio da criação de polos que concentram infraestrutura como bibliotecas, material didático e auxílio de tutores. A mudança permitiu a oferta de cursos com mais qualidade e conveniência para os alunos.

Embora os cursos mais procurados sejam os das áreas de educação, finanças, economia e marketing, a oferta é variada e abrange de artes a turismo. A maioria dos alunos têm mais de 35 anos, mas já se nota uma queda na faixa etária.

"Além do aumento da credibilidade dos cursos, hoje são adotados sistemas virtuais mais dinâmicos e atraentes", diz Stavros Xanthopoylos, diretor da FGV Online. Em termos de distribuição, 85% dos alunos são das regiões Sul e Sudeste.

Apesar do avanço do ensino a distância no país, quem atua na área reconhece que ainda há certa desconfiança em relação a esse modelo, e isso decorre, em parte, da existência de instituições de má qualidade e pouca credibilidade. Por isso a escolha da instituição para um curso a distância deve ser criteriosa (leia mais na pág. 4)

Ainda assim, as lideranças do segmento acreditam que o ensino a distância deve se tornar uma saída importante para a crônica questão educacional brasileira.

"Trata-se da mais factível forma de aumentar, a médio prazo, o número de pessoas cursando ensino superior no país", diz Fredric Litto. "Afinal, temos como meta ampliar o quadro de jovens entre 18 e 24 anos,matriculados em universidades. O objetivo é saltar dos atuais 12% para 30% da população, como já acontece no Chile e na Argentina.

E não será apenas construindo universidades convencionais que atingiremos esse objetivo", afirma o presidente da Abed.


JOSÉ SIMÃO

Londres! Ouro em ergométrica!

Tufão que se conforme em ser Cornão. Agora até vampiro tem chifre. Vide Robert Pattinson. Rarará!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! Londres Urgente! Já tô exausto! Três dias de Olimpíada, já tô exausto! Você liga a TV e tem gente pulando, correndo, nadando, lutando. E eu na bicicleta ergométrica. Quero ouro em ergométrica. Quero ouro em cadeira de praia. E aquele monte de gente sarada?! Vou lançar a campanha "Abaixo o Tanquinho! Viva o Chopinho!".

Um amigo disse que acordou com o espírito olímpico: ouro na boca e chumbo no pau! Olimpíada na Record é bom porque você fica sabendo que o Gugu ainda tá no ar e que ainda tem uma novela chamada "Rebelde". E ganhou ouro, 10% pro Bispo! Rarará!

E o Romário comentarista? "O Braxil tá xuperior". "O Exito xaiu". E tem o Marcos Mion que fala "axim". A Record tá com a Equipe da Língua Plesa. Vai ser um Xuxexo!

E a Dilma em Londres? Já chegou gritando: "Conserta esse bagulho do Big Ben que tá atrasado"! E pro Cameron: "Esse Parlamento tá uma bagunça, tudo sujo!". Ela deu um tapão nas costas da Rainha que desmontou a véinha fofinha! E esta: "Chinês diz que teve o pênis roubado". Compra um pinto pirata na 25 de Março! Não é chinês? E a polícia diz que não encontrou os suspeitos. Não são suspeitos, são suspintos!

E um amigo me disse que o 3G lá no Rio tá 1/2G! E em Porto Alegre 0G! E a trilha de Avenida Barraco? Oi Oi Oi. Tem que gritar três vezes pra dar sinal! E o slogan do Leleco: "Ou Vai ou Viagra". E o Tufão que se conforme em ser Cornão. Agora até vampiro tem chifre. Vide Robert Pattinson! É mole? É mole, mas sobe!

A Galera Medonha! A Turma da Tarja Preta! A Micareta dos Picaretas! Em Mococa tem dois vices: Cabecinha e Linguiça. O povo tá ferrado: ou entra Cabecinha ou entra Linguiça! Não tem escapatória! E em Goiânia tem um candidato chamado: Cachoeira. Com o slogan: "Amizade e Segurança". O Demóstenes que o diga! Rarará!

E em Jales tem a Ana Claúdia. Com acento no "u". Claúdia! E o slogan: "Vim pra matar a cobra e mostrar o pau". De quem? Se for o dela, eu dispenso! Rarará!

E esse candidato de Astorga, Paraná: Pa Pum Pei! Como? Isso mesmo: Pa Pum Pei! E Ganhei! Rarará! E direto de Mogi: Loira do Jipe, Alexandra Lata Velha, Sonia Perereca e Binho do Trem Peludo. Eu tenho medo do Binho do Trem Peludo. Tenho medo da Nina, da Carminha e do Binho do Trem Peludo. Rarará!

Nóis sofre, mas nóis goza! Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!

CARLOS HEITOR CONY

Crimes e castigos

RIO DE JANEIRO - Outro dia, em crônica anterior, comentei que, em criança, eu entendia tudo, inclusive -e principalmente- o mundo. Hoje, passados muitos dias e noites, não entendo mais nada, principalmente de mim mesmo. Dou exemplos.

Quando soube que houve um dilúvio universal, as cataratas do céu se abrindo e chovendo 40 dias e 40 noites, achei mais que natural: os pecados dos homens e das mulheres mereciam um castigo, Deus se arrependera de sua criação.

Mesmo assim, encontrou um justo e, antecipando a indústria naval, deu a Noé as medidas para uma arca salvadora de não sei quantos côvados (Em tempo: para mim de nada serviria, não sei quanto é um côvado).

Mais tarde, descendo a detalhes e substituindo a água por fogo, o Senhor destruiu duas cidades com uma eficiência que os homens só aprenderiam séculos depois, em Hiroshima e Nagasaki. Repetindo sua misericórdia, salvou Ló, sua mulher e duas filhas. Mesmo assim, a mulher foi olhar para trás e transformou-se numa estátua de sal.

Em criança, eu entendia todos esses castigos. Não havia imprensa investigativa, promotores de Justiça, Polícia Federal, entre o delito e a pena não havia o Gilmar Mendes, tudo corria bem. Pessoalmente, entendia melhor o dilúvio que foi universal do que a destruição de Sodoma e Gomorra -que foi seletiva, inaugurando a homofobia e sem haver passeata gay em protesto. Mais uma vez, entendi tudo.

Hoje, homens e mulheres continuam fazendo das suas em diversos níveis e modos. E, quando chove, o castigo pega as cidades serranas do Rio e algumas ilhas japonesas, o fogo só destrói alguns cinemas e supermercados. Onde está o Senhor?

Bem, teremos em breve o julgamento do mensalão. Desde já, me dispenso de entender o que acontecerá.

ELIANE CANTANHÊDE

"Atrevido e escandaloso"

BRASÍLIA - O ministro Celso Amorim gosta de recorrer a uma máxima quando se trata de garantir recursos para a sua pasta: "Mulher, mala e verba pública, cada um cuida da sua". A máxima cabe perfeitamente no caso do mensalão.

Às vésperas do julgamento pelo STF, a imprensa se prepara como se fosse uma Olimpíada, e os nervos dos juízes, partidos e advogados estão à flor da pele. Imagine os dos réus...

O ex-presidente do PT José Genoino diz que não tinha nada a ver com aquilo tudo, pois só assinava o que os, digamos, escalões inferiores lhe enviavam. Já o ex-tesoureiro Delúbio Soares (alvo dos maiores atos petistas de solidariedade) diz o oposto: que era quase um bagrinho e só executava o que os, digamos, escalões superiores lhe determinavam. Alguém está se subestimando aí.

José Dirceu, o "chefe da quadrilha", segundo a peça da Procuradoria-Geral da República, encampada pelo relator Joaquim Barbosa, preferiu se preservar do empurra-empurra e correu para o colo da mamãe no interior de Minas, certamente esperando pelo pior.

E Roberto Jefferson, que detonou o esquema em entrevista a Renata Lo Prete, na Folha, atribui o câncer no pâncreas a "pressão, tensão, sofrimento". Acha que é mera somatização, apesar de sua mãe ter tido o mesmo tumor há 11 anos -e estar bem, como se deseja ao ex-deputado.

Falta defesa e sobram táticas, enquanto os 11 ministros do Supremo estão espremidos entre o PT, para "evitar o linchamento moral", e os adversários petistas, para botar todo mundo na cadeia.

Quanto ao efeito nas eleições municipais, o PT teme, os adversários torcem e o professor da USP Lincoln Secco descarta: 75% dos militantes se filiaram nos dois mandatos de Lula. Podem cair canivetes e provas, e eles votarão com o partido.

A questão, portanto, não é como o julgamento afeta o PT. É como -e se- atinge o seu grande eleitor: Lula.

elianec@uol.com.br

sábado, 28 de julho de 2012



29 de julho de 2012 | N° 17145
MARTHA MEDEIROS

Sustento feminino

Participando de um seminário sobre comportamento, foi dito que as mulheres estão de tal forma cansadas de suas múltiplas tarefas e do esforço para manter a independência que começam a ratear: andam sonhando de novo com um provedor, um homem que as sustente financeiramente.

Não acreditei. Outro dia discuti com uma amiga porque duvidei quando ela disse estar percebendo a mesma coisa, que as mulheres estão selecionando seus parceiros pelo poder aquisitivo não só as maduras e pragmáticas, mas também as adolescentes, que ainda deveriam cultivar algum romantismo.

Então é verdade? Pois me parece um retrocesso. A independência nos torna disponíveis para viver a vida da forma que sonhamos, sem ter que “negociar” nossa felicidade com ninguém, e são poucos os casos em que se pode ser independente sem ter a própria fonte de renda (que não precisa obrigatoriamente ser igual ou superior a do marido). Não é nenhum pecado o homem pagar uma viagem, dar presentes, segurar as pontas em despesas maiores, caso ele ganhe mais – é distribuição de renda.

Mas se é ela que ganha mais, a madame também pode assumir o posto de provedora sênior, até que as coisas se equalizem. Parceria é uma relação bilateral. É importante que ambos sejam autossuficientes para que não haja distorções sobre o que significa “amor” com aspas e amor sem aspas.

As mulheres precisam muito dos homens, mas por razões mais profundas. Estamos realmente com sobrecarga de funções – pressão auto-imposta, diga-se –, o que faz com que percamos nossa conexão com a feminilidade: para ser mulher não basta usar saia e pintar as unhas, essa é a parte fácil.

A questão é ancestral: temos, sim, necessidade de um olhar protetor e amoroso, de um parceiro que nos deseje por nossa delicadeza, nossa sensualidade, nosso mistério. O homem nos confirma como mulher, e nós a eles. Essa é a verdadeira troca, que está difícil de acontecer porque viramos generais da banda sem direito a vacilações, e eles, assustados com essa senhora que fala grosso, acabam por se infantilizar ainda mais.

Podemos ser independentes e ternas, independentes e fêmeas – não há contradição. Estamos mais solitárias porque queremos ter a última palavra em tudo, ser nota 10 em tudo, a superpoderosa que não delega, não ouve ninguém e que está ficando biruta sem perceber.

Garotas, não desistam da sua independência. Façam o que estiver ao seu alcance, seja através do trabalho ou do estudo, em busca de realização e amor próprio. Escolher parceiros pelo saldo bancário é triste e antigo, os tempos são outros. É plausível que se procure alguém com o mesmo nível intelectual e social, com um projeto de vida parecido e com potencial de crescimento – mas para crescerem juntos, não para garantir um tutor.

A solidão, como contingência da vida, não é trágica, podemos dar conta de nós mesmas. Mas, ainda que eu pareça obsoleta, ainda acredito que se sentir amada é que nos sustenta de fato.


29 de julho de 2012 | N° 17145
ARTIGOS - Diana Corso*

Coringa, o vampiro de Denver

Os filmes de super-heróis têm padecido da síndrome das origens: heróis e vilões tiveram seu passado investigado, e com Batman não foi diferente. Corretamente, o cinema bate na tecla de que somos fruto da nossa história. O caso do atirador de Denver, que matou 12 pessoas durante a estreia do filme Batman, também nos leva a tentar compreender suas razões, a origem da sua deturpada personalidade.

Teóricos apressados, assim como a ficção, adoram encontrar traumas. De fato, existem traumas, mas não há uma forma unívoca de reagir a eles, tudo depende do que fizemos a partir do que a vida interpôs em nosso caminho. No caso de Holmes, o atirador da vez, não há traumas visíveis. Ele era reservado, mas não sofria bullying. Americano, branco, estudante de medicina e neurociência, bem apessoado até, eis um monstro que foge aos nossos clichês.

Na falta de conjecturas melhores, Batman, o super-herói do filme, foi levianamente acusado de estar na origem da motivação do evento, e o assassino reforçou essa tendência ao comparar-se ao vilão Coringa. Por que não se teve tanta urgência em questionar a paixão norte-americana por armas?

Não há como esquecer que Holmes vive nos EUA, um país onde a população convive com um arsenal de pólvora e testosterona sem aplicações práticas, um campo minado. Dentro de casa, armado até os dentes, qualquer medíocre, obscuro e fracassado pode se imaginar soldado de uma guerra imaginária, um cowboy à espera dos bandidos. Por que somos tão condescendentes com a realidade e severos com a fantasia?

Num baralho, o Coringa é uma carta-camaleão. Convém tê-la, mas só vale no contexto, assumindo a identidade em função das que a acompanham. Com o que Holmes está se mimetizando? Coringa, um bom nome de vilão para esses psicopatas, pois são como vampiros: alimentam-se da morte, migram do anonimato para a fama a partir das vidas que suprimem.

Atiradores malucos, assim como assassinos de celebridades, ganham vida eterna na mídia. Alguns sugam a fama daqueles que matam, como os assassinos de Kennedy e Lennon, outros apostam no atacado das vidas inocentes. São modos vampirescos de angariar reconhecimento na sociedade do espetáculo. A personagem Kevin, de um livro e filme recentes sobre um desses atiradores de escola americanos, agradecia a seus crimes a fama alcançada, pois ninguém iria falar dele se tirasse boas notas em matemática.

Mas de que “traumas” são tecidos? Quase na totalidade homens, esses assassinos que se tornam personagens da mídia talvez reflitam uma fragilidade contemporânea nas identificações viris. Quanto mais rudimentar uma personalidade for, mais ela vai precisar de identidades totalitárias e violentas para se mimetizar. Provavelmente é para alimentar fantasias de virilidade, de reconhecimento social e de controle sobre a morte que tantos homens anônimos e insignificantes querem ter seu arsenal doméstico. Se as cartas são essas, não é difícil saber a cara que o Coringa terá.

*Psicanalista


29 de julho de 2012 | N° 17145
PAULO SANT’ANA

Escravo do vício

Inúmeras são as pessoas que me encontram na rua e, como estou fumando, dizem para mim sempre a mesma coisa: “Ué, eu já vi o senhor dizer na televisão ou escrever na ZH que deixou de fumar e agora o encontro fumando?”.

Ledo engano, eu sempre disse na televisão e escrevi na coluna que “sinto necessidade de parar de fumar”. Mas nunca disse que parei de fumar.

Eu só vou escrever isso que vem adiante porque sei que milhares de pessoas passam pelo mesmo que eu: tentam deixar de fumar, se fosse só eu, não deveria escrever, afinal uma experiência única não valeria a pena nem seria útil descrever.

Já tentei de parar de fumar umas 30 vezes nos últimos anos. Começo cada tentativa não comprando cigarros. Fico filando cigarros dos outros, assim fumo muito menos, tenho esperança de cansar-me de tanto pedir aos outros, de chateá- los e isso me levaria a parar de fumar.

Então eu venho aqui para a Redação e fico filando cigarros dos únicos três ou quatro fumantes que ainda restam no jornal.

Só que, em dois ou três dias, peço cigarros sempre para os mesmos três que me dão sem reclamar.

Mas no quarto dia eu já me envergonho de pedir cigarros para as mesmas três pessoas e vou até o posto de gasolina e compro um maço.

Vou falar-lhes com sinceridade. Quem compra um maço de cigarros nunca mais deixa de comprá-lo. E assim cai por terra outra tentativa minha de parar de fumar.

É um vício terrível. Como todos os vícios, os alcoolistas têm a mesma dificuldade para parar de beber.

Mas o vício do cigarro talvez seja o pior de todos os vícios por um detalhe: quanto mais se fuma, mais ainda se quer fumar.

Não há maneira de fumar menos. Fuma-se cada vez mais. Quem fuma um maço de cigarros por dia, com raras exceções, dali a meses estará fumando dois maços por dia. E depois três maços por dia. E por aí se vai...

Minha filha me jurou certa vez que me surpreendeu na madrugada dormindo e fumando ao mesmo tempo.

Pior que isso só o que já fiz dezenas de vezes: vou para o chuveiro fumando e tomo o banho inteiro sem largar do cigarro, entre os dedos e entre os lábios.

Funciona assim: enquanto me ensaboo com a mão esquerda, empunho o cigarro na mão direita. Tenho extraordinária capacidade para não deixar molhar o cigarro enquanto tomo banho e fumo. É uma verdadeira prestidigitação, tudo em nome de não parar de fumar. Nem no banho.

Quando eu era mais moço, cansei de muitas vezes fazer sexo e não deixar de fumar durante a prática do amor. Nem sei como as parceiras suportavam essa loucura.

Que vício! E só tenho um objetivo ao escrever estas linhas: o de que as pessoas que não fumam possuam pelo que escrevo a certeza, mais do que a certeza, a convicção de que se algum dia fumarem um só cigarro ficarão pelo tabagismo escravizadas para sempre.


29 de julho de 2012 | N° 17145 VERISSIMO
As aventuras da família Brasil

Livro

Concordo, o livro está caro, mas o cinema também está, e a gasolina mais ainda. É cada vez mais econômico não sair de casa. E o livro leva nítida vantagem sobre todas as outras formas de divertimento caseiro. É melhor do que TV. É melhor do que conversar com a família. Você já sabe o que vai encontrar na TV.

Também já sabe o que a família tem para dizer. Mas cada livro novo tem coisas novas para contar. É como um desconhecido que entra em sua casa cheio de novidades e de histórias. E você não precisa lhe oferecer nada. Um uisquezinho, uns salgadinhos... Nada.

Vou exagerar: livro é melhor do que sexo. Você pode tomar o uísque antes, depois e durante a leitura. Livro nunca pede para apagar a luz – pelo contrário, exige que ela fique acesa. Quando você termina a leitura o livro não pergunta: “Foi bom para você?”. Livro nunca está com dor de cabeça.

Ler é melhor do que ouvir música. Ouvir música é uma coisa passiva. Na leitura você participa. Segura o livro. Vira a página. Se preferir, pode molhar a ponta dos dedos para melhorar a aderência. Ao contrário da música, você pode, se quiser, começar a ler de trás para diante. Pode fazer anotações nas margens. Pode acariciar, cheirar, manipular o livro. Pode até mastigá-lo, por que não?

Ler é melhor do que jogar carta. Livro não tem parceria nem adversário. Ler é melhor do que montar estante, trocar lâmpada ou qualquer outro afazer doméstico. Não há possibilidade de acidentes com livro, a não ser cortar o dedo na borda do papel, o que arde mas não mata.

A superioridade do livro sobre a TV é indiscutível. Livro não tem comerciais. Você lê o livro que quer sem precisar impor sua vontade e disputar o controle remoto com o resto da família a tapas. E de madrugada, quando o livro está ficando bom, não entra um filme que você já viu 10 vezes.

E livro é muito melhor do que cinema. Você escolhe a melhor poltrona para sentar com seu livro sabendo que não haverá uma mulher atrás de você pedindo ao marido para explicar o enredo. E que não há a menor possibilidade de saltar um personagem armado do livro na sua frente e começar a disparar na sua direção.

Milionários

Lá pelos anos 50 apareceu na Colômbia um clube de futebol chamado Milionários. Não se sabia bem se os milionários do nome eram os donos do clube ou seus atletas, pois começaram a contratar jogadores com altos salários de toda a America Latina. Se não me engano, até o Heleno andou por lá.

A expressão ainda não existia, mas talvez tenha sido a primeira vez que se pretendeu fazer um dream team no futebol. Os contratados eram todos grandes jogadores, com uma característica em comum: estavam todos em fim de carreira, fazendo o último contrato de suas vidas, num time que se interessava mais pelos seus nomes do que suas idades ou condições físicas. Como costuma acontecer com os dream teams, o Milionários não deu certo.

Se ainda existe, não tem a mesma ambição de antes. Pensei nele porque não sei se a vinda de jogadores como Seedorf, Zé Roberto e Forlán repete o espírito do Milionários, de apostas em nomes e passados e não na realidade, ou significa que o Brasil mudou mesmo e virou importador de grandes jogadores. A torcida é que os contratados mostrem que ainda têm as pernas que os consagraram.


29 de julho de 2012 | N° 17145
VOANDO NO VERMELHO

TURBULÊNCIA SACODE PASSAGEIROS

Para diminuir prejuízos, companhias aéreas brasileiras enxugam despesas, e quem viaja de avião sofre os efeitos das dificuldades

Passageiros sempre devem afivelar o equipamento de segurança da poltrona quando o avião atravessa zonas de turbulência. É indispensável que se cumpra a regra. Pois agora são as empresas aéreas que estão apertando o cinto para enxugar despesas. Alegam que são ajustes necessários para sair do vermelho. Só as maiores companhias do país, TAM e Gol, acumularam R$ 1 bilhão de prejuízos em 2011.

Como o céu não é de brigadeiro para a aviação brasileira, quem vai sentir os efeitos das dificuldades – empresários relutam em admitir a crise – é o passageiro. Terá de se preparar para pagar R$ 12 por uma xícara de café solúvel (torça que esteja quente) e um minissanduíche de pão de forma, se quiser lanche a bordo.

Depois, ao lavar as mãos no banheiro, não estranhe se o jato da torneira vier fraco e curto – é economia até de água. Entidades recomendam vigilância sobre os direitos do consumidor. Antes de comprar o bilhete, o passageiro deve pesquisar preços e serviços, principalmente se a viagem for longa. As empresas não se sentem à vontade para reajustar tarifas, porque há vagas nas aeronaves – logo, mais opções de voos. No entanto, podem reduzir as comodidades aos viajantes.

E nos itens mais impensáveis. O assessor jurídico da Associação Nacional em Defesa dos Direitos dos Passageiros do Transporte Aéreo (Andep) em Porto Alegre, Marcelo Santini, aponta que companhias estão cobrando até por um copo de água pedido a bordo.

– Nota-se uma queda na qualidade dos serviços e falta de informação a respeito. O consumidor deve cuidar para não ser surpreendido – alerta Santini.

Os cortes são pontuais e não estariam afetando a segurança dos voos. Empresários argumentam que estão pressionados por altas no preço do combustível, nas taxas aeroportuárias e no dólar. Justificam que seguem a tendência mundial de low cost, low fare (baixo custo, baixa tarifa), iniciada nos Estados Unidos e disseminada pela Europa.

nilson.mariano@zerohora.com.br


28 de julho de 2012 | N° 17144
VISÕES DO RIO GRANDE - Flávio Loureiro Chaves - professor aposentado da UFRGS

Ao mestre, com admiração

Logo que comecei a lecionar na universidade, lembro-me de que, em uma reunião de professores, uma colega disse-me, não sem ironia e, talvez, com uma pontinha de despeito, que eu devia parar de “imitar as aulas do professor Flávio”.

Refeita do assombro, pensei que ela, afinal, tivesse razão: a compor um modelo de inspiração para minha incipiente trajetória, um dos parâmetros, certamente, seria o da figura do mestre e orientador nos cursos de graduação e pós-graduação em Letras na UFRGS.

Desde a década de 1970, a universidade brasileira passava por um drástico momento de reformulação acadêmica, com crescente exigência de qualificação e dedicação dos docentes. Novos doutores substituíam antigos catedráticos. No campo dos estudos literários, surgia uma nova crítica, vigorosa e especializada, desenvolvendo-se no espaço da produção acadêmica.

Competente e articulado, o professor Flávio Loureiro Chaves era um desses talentos. Suas aulas brilhantes entusiasmavam o espírito de seus alunos, faziam pensar, ao mesmo tempo em que os inseria no panorama intelectual efervescente da época.

Com um pé no mundo e outro firmemente plantado no cenário da cultura brasileira, discorria sobre os autores máximos da literatura nacional – Alencar, Machado, Guimarães Rosa, entre outros – e revelava a excelência da cor local sul-rio-grandense. Sua tese de doutoramento sobre Simões Lopes Neto permanece como estudo ímpar, obrigatório a quem se aventurar na leitura do escritor pelotense.

Por isso, ao reler o livro intitulado Erico Verissimo, o Escritor e Seu Tempo (2001), não pude deixar de realizar uma viagem sentimental. Os ensaios que o constituem recuperam, com didatismo e sem nenhum diletantismo, muitas questões que estimularam aqueles debates de sala de aula. No tom objetivo e pretensamente simples de seu autor, transparece a profundidade de um saber refletido, ao considerar os vários aspectos estruturais e temáticos da obra do reconhecido escritor gaúcho contemporâneo.

No livro estão assinalados, notadamente, a configuração do romance social de 1930 no Rio Grande do Sul e, nesse contexto, o papel de Erico Verissimo enquanto precursor da narrativa urbana moderna; as influências marcantes e reconhecidas, sobretudo as originárias da literatura de língua inglesa, como as de Aldous Huxley, Sinclair Lewis e John dos Passos; a força das personagens femininas – as boas e as más –, entre elas Ana Terra, Bibiana e Luzia;

o engajamento apartidário decorrente da posição ideológica do humanismo liberal do escritor; a presença do alter ego, desde Vasco, passando por Tônio Santiago até Floriano Cambará e a consequente discussão do romance dentro do romance; a caracterização do próprio romance histórico, ainda hoje um filão expressivo da literatura gaúcha; a radicalização do pensamento social de Erico Verissimo, com a publicação da trilogia dos romances “politizados” – O Prisioneiro, O Senhor Embaixador, Incidente em Antares.

Jorge Luis Borges dizia que o grande escritor escreve sempre o mesmo livro. Ao revelar, passo a passo, a intratextualidade presente na obra de Erico Verissimo, Flávio Loureiro Chaves redimensiona o universo ficcional de sua escritura, ao mesmo tempo em que nos torna partícipes desse processo.

PATRÍCIA LESSA FLORES DA CUNHA | DOUTORA EM LITERATURA BRASILEIRA (USP) E PROFESSORA DA UFRGS

A OBRA

Erico Verissimo, o Escritor e seu Tempo (Editora da UFRGS, R$ 25), de Flávio Loureiro Chaves, foi publicado em 2001. O livro é uma coletânea de ensaios sobre a obra de Erico Verissimo (1905 – 1975), de Clarissa (1933) até Incidente em Antares (1971), acrescida de roteiro biográfico e fortuna crítica com mais de mil títulos.

O AUTOR

Flávio Loureiro Chaves nasceu em 4 de fevereiro de 1944, em Porto Alegre. Graduou-se em Literatura pela UFRGS, em 1966, e obteve doutorado em Literatura pela Universidade de São Paulo (USP) em 1980. Professor titular aposentado de Literatura da UFRGS, dirigiu o Programa de Pós-graduação em Letras. Também implantou o Programa de Pós-Graduação em Letras na Universidade de Caxias do Sul (UCS). Foi professor convidado da Université de Rennes (França), da Escola Superior de Jornalismo (Portugal) e da Universidade de Brasília. Vive em Porto Alegre, onde concedeu a entrevista a Zero Hora. Amigo de Erico Verissimo, organizou o segundo volume, póstumo, de Solo de Clarineta, livro de memórias do escritor em dois tomos.