sábado, 29 de outubro de 2022

Seres humanos?


Para a frente é que se anda, diz o ditado. Pelo que a gente tem visto nos últimos tempos, só não se anda para a frente no que se refere aos humanos. 
Seres humanos, um tipo meio estranho de bicho, animais reprodutores de lixo, cantam Os The Darma Lóvers, banda de inspiração budista do eixo Porto Alegre-Três Coroas.

Nós somos seres estranhos. 

Quando um humano resolve que a cor da pele do outro é motivo para ofensa, foi-se a humanidade - se é que alguma vez ela existiu.

Sobra a vergonha. Que vergonha as cenas do Seu Jorge sendo xingado no clube que fez parte do crescimento de tantas crianças e de tantos atletas. O União era o pátio dos guris sem pátio, lugar em que os pais se sentiam seguros para deixar seus filhos, quando o meu era pequeno. Vergonha ver o clube na TV e nos jornais, as manchetes não deixando dúvida do que aconteceu ali.

Racismo. Podem dar qualquer desculpa, mas nenhum dos presentes imitaria o abjeto som de macacos se o cantor no palco fosse, por exemplo, o Fábio Jr. falando contra a redução da maioridade penal ao apresentar um jovem virtuose loiro de 15 anos. Também duvido que chamassem o Fábio Jr. de vagabundo e preguiçoso se ele fizesse alguma manifestação política - proibida por contrato, o que não justifica o racismo. Será que reparariam na roupa dele, se fosse o Fábio Jr.?

Nós somos seres intolerantes.

Quase ao mesmo tempo, revelou-se que uma aposentada e seu filho perseguiam e ofendiam o humorista negro Eddy Jr., vizinho dos dois em um condomínio de São Paulo. A vítima demorou a denunciar os agressores, convivendo com acusações e xingamentos racistas por muitos meses. No fim de semana, um menino preto de 10 anos, goleiro do seu time, sofria ofensas racistas por parte da torcida cada vez que fazia uma defesa. O caso é de Belo Horizonte, mas com certeza também aconteceu em um campinho perto de você. No estádio do seu time, no Brasil e no mundo inteiro. A repórter negra da televisão abriu a matéria assim: o que esse menino passou é o que eu e as pessoas pretas passamos todos os dias.

Nós somos seres cruéis.

Ninguém esqueceu do racismo sofrido pelo ex-árbitro Márcio Chagas em Bento Gonçalves, um dos episódios mais vergonhosos e criminosos da história do futebol. Em uma entrevista, Márcio falou sobre a preocupação do pai dele cada vez que os filhos saíam de casa: "Penso que a única preocupação dos pais de uma criança branca é se ela vai estudar ou não, se vai bem nos estudos ou não. Os pais pretos pensam em como ela vai sobreviver a determinadas situações. Lembro até hoje do meu pai, sempre que eu e meus irmãos saíamos, repetindo como se fosse um mantra: saiam bem arrumados, levem documentos, não corram na rua, se forem abordado pela polícia é ?sim, senhor?, ?não, senhor? e mais nada, porque eu quero que vocês voltem para casa".

Nós somos seres violentos.

A sociedade que não respeita as pessoas pretas no dia a dia também não tolera as pessoas pretas que se destacam. Só ver as ofensas dirigidas a Vinicius Júnior, Maju Coutinho, Titi Gagliasso, Beyoncé, a lista daria para encher páginas e páginas. Sobre outro caso escandaloso do final de semana passado, os policiais federais recebidos a tiros e granadas pelo ex-deputado e mentor de padre falso Roberto Jefferson, o país se perguntou: o que aconteceria se a polícia fosse recebida a tiros de fuzil por moradores pretos da favela? O país respondeu, sem nenhuma dúvida: mortes, mortes e mais mortes.

Se pareceu, ninguém aqui quer Bob Jeff morto, só preso mesmo.

Nós somos seres seletivos em nossa desumanidade, reservando nosso pior para os que julgamos diferentes. Nos chamam seres humanos. Mas isso nem sempre somos. Uma votação de paz e tranquilidade para você no domingo. Que seja um voto com esperança, alegria e humanidade.

CLAUDIA TAJES

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