sábado, 28 de setembro de 2013


28 de setembro de 2013 | N° 17567
CLÁUDIA LAITANO

Mujica

Sou do Sul, venho do Sul. Começa assim, com uma afirmação enfática de identidade que particularmente nos toca, o histórico discurso que o presidente uruguaio José Mujica proferiu na ONU esta semana.

A “esquina do Atlântico e do Prata” que Mujica menciona como coordenada geográfica e mental fica na nossa rua, defronte a nossa casa. Seu “eu sou do Sul”, porém, não é bravata ou fanfarra patriótica, mas apenas um ponto de partida. Mujica não foi até Nova York para celebrar a nostalgia ou um orgulho provinciano (“não vivo para reverberar memórias”), mas para lembrar que, da periferia de onde ele vem às metrópoles onde se reúnem os grandes líderes mundiais, é do interesse de todos construir para o futuro uma pátria moral que transcenda fronteiras, individualismos e mesmo inclinações políticas.

Foi como embaixador da nação invisível dos homens que colocam a defesa da humanidade como valor acima de todos os outros que Mujica falou terça-feira para o mundo. E como falou. (O discurso, publicado na íntegra em Zero Hora Online, pode ser visto, também na íntegra, no You Tube.)

Mujica é de uma sabedoria serena e engajada ao mesmo tempo. Defende a tolerância, a sobriedade e a simplicidade que demonstra, na prática, como homem e como político. Fala de amor, amizade, aventura, solidariedade. Elogia a ciência, mas não descarta as utopias. Critica o consumismo e uma vida cotidiana baseada apenas nas regras de mercado. Condena as guerras e a quantidade de dinheiro que se desperdiça com elas.

É um discurso anticapitalista, sem dúvida, mas não apenas. O que Mujica coloca em xeque são os valores da civilização contemporânea: “Enfrentamos o sedentarismo com esteiras, a insônia com comprimidos, a solidão com eletrônicos. Somos felizes longe da convivência humana? Essa é a pergunta que temos que nos fazer”.

Com a autoridade de reconhecido homem de bem, mais do que de grande estadista, Mujica propôs ao mundo uma pausa para refletir sobre quem realmente está no volante do planeta em que estamos todos, mais ou menos passivamente, instalados: “Nem os grandes Estados nem as transnacionais e muito menos o sistema financeiro deveriam governar o mundo humano, mas sim a política entrelaçada com a sabedoria científica. Ali está a fonte”.

Nos últimos dias de setembro, mês em que celebramos a nostalgia de uma glória imaginada e o pensamento mágico de que a identidade é um valor em si mesma, esse belo e inspirador discurso me fez, mais do que nunca, ter orgulho de ser do Sul. Não pela história ou pela geografia, nem mesmo porque este é o canto do mundo em que me tocou viver e amar, mas simplesmente por ter o privilégio de ser vizinha do senhor Mujica e dos seus sonhos, não impossíveis, de fraternidade e humanismo.


Meu Sul é o dele.

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