terça-feira, 17 de setembro de 2013


17 de setembro de 2013 | N° 17556
PAULO SANT’ANA

Recordações e esquecimentos

Quando me acordo pela manhã é que noto a enrascada em que estou metido: a vida.

Em outras palavras, quero dizer que a única forma pela qual podemos fugir da realidade é o sono. Assim mesmo, essa fuga é temporária.

Imagine o desespero que sofre quem tem insônia. Retorce-se de vontade de fugir temporariamente da vida pelo sono e não consegue se livrar por horas desse calvário!

Gastam muito dinheiro comprando soníferos. Alguns funcionam, outros não. Enquanto isso, a vigília se desenvolve sinistra, mantendo as pálpebras abertas e mergulhando a pessoa em atroz estado pré-agônico.

Às vezes, chego a pensar, absurdamente, que, para essas pessoas que pretendem desesperadamente se refugiar no sono para fugir à realidade, o mal de Alzheimer seja uma solução.

Imagino que quem é acometido de Alzheimer se beneficie do esquecimento da realidade adversa.

O mecanismo cerebral, felizmente, é dotado do esquecimento. O nosso conhecimento em geral é armazenado no cérebro, de onde é retirado circunstancialmente, quando necessitamos dele.

É desesperante que retiremos de nossos arquivos as lembranças de que não necessitamos. Se tal processo se verificar com insistência, não resistimos a esse suplício e ingressamos na loucura.

Por isso é que é instigante o pensamento de Chesterton de que “louco é aquele de quem roubaram tudo, menos a razão”.

O homem, portanto, vive se debatendo num dilema: entre lembrar e esquecer. A memória é o mediador principal entre as lembranças e os esquecimentos. Quem souber lidar com a dança dessas duas variantes está exercendo um estado mental que se denomina lucidez.

E quem lembrar quando não quiser lembrar ou esquecer quando quiser lembrar, esse ser acaba de ingressar nada menos do que na loucura.

A consciência exerce um papel preponderante entre as lembranças e os esquecimentos.

A consciência culpada nada mais é que uma lembrança insistente que, como num acicate, nos persegue quando só nos livraríamos dela caso a esquecêssemos.

Por isto também é que muitas pessoas recorrem ao álcool e às outras drogas: para tentar afugentar certas lembranças desagradáveis e atrair o esquecimento.

O fracasso mental é muito não conseguir lembrar ou não conseguir esquecer. Um homem pode desesperar-se tanto quando não consegue lembrar mais os instantes felizes que teve com uma mulher amada quanto quando não conseguir esquecer-se dos momentos infelizes que passou com uma mulher mal amada.


E no centro todo desse mecanismo tangencial da mente está muito claro que a saúde mental reside especialmente em conseguir ter as lembranças do que se necessita lembrar como conseguir esquecer as lembranças indesejadas.

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