
08 DE NOVEMBRO DE 2022
NÍLSON SOUZA
No país da letra de fôrma
Primeiro, a boa notícia: a esperança se mantém intacta no fundo dessa Caixa de Pandora em que se transformou o país por conta das duas últimas pandemias, a da saúde e a da disputa pelo poder.
Para encontrá-la, basta uma volta pela Praça da Alfândega, no centro da Capital, também ela transformada momentaneamente no paraíso da letra de fôrma. Mas não procure a meninazinha de olhos verdes nos livros multicoloridos que enfeitam as barracas da feira. Procure-a nas pessoas.
Ao contrário daqueles filmes distópicos em que indivíduos vagueiam sem eira nem beira, o que se vê na praça é um desfile diário de gente atenciosa e civilizada, que aprecia a cultura e distribui amabilidades. Autoras, autores, leitoras e leitores misturam-se numa corrente de gentileza compartilhada, todos disponíveis para o abraço, para a conversa sem pressa nem celular e para momentos de reciprocidade carinhosa.
Quem ama livros - concluo - também ama o próximo.
Antes que pensem que estou tendo uma recaída de polianismo fora de contexto, apresso-me em explicar que meu jogo do contente tem personagens reais. Encontro, por exemplo, o jornalista Eugênio Bortolon, meu antigo colega de cobertura de Copa do Mundo, que me brinda com sua atenção e com observações lúcidas sobre o momento do país. Alguns passos adiante, observo com quase ciúme a longa fila de admiradores que aguarda o autógrafo da talentosa cronista Martha Medeiros. Deparo-me em seguida com dois mestres da escrita caminhando de braços dados, o pelotense Alcy Cheuiche e o uruguaio Mario Delgado Aparain, que estancam quando ouvem meu atrevido apelo.
- Eu gostava do meu cusco! - brinco, citando trecho de uma das mais belas e contundentes poesias do escritor gaúcho. Ele aproveita para exaltar a qualidade literária de seu acompanhante, autor de obras premiadas e já traduzidas para o português.
Antes de virar a página do meu passeio pela praça, troco cumprimentos com o cronista Tailor Diniz, com o chargista Santiago, com o livreiro e presidente da Câmara do Livro, Maximiliano Ledur, e com outros personagens célebres e anônimos do universo de Gutenberg. Para encerrar o dia, uma amiga querida me conta que o inigualável Luis Fernando Verissimo, recuperando-se de problemas de saúde, estava presente no show de Chico Buarque do último sábado.
Não poderia haver notícia melhor.
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