quarta-feira, 23 de novembro de 2022


23 DE NOVEMBRO DE 2022
MÁRIO CORSO

Carta para Dona Morte

Caríssima Dona Morte, onde quer que esteja, venho por meio desta solicitar um favor. Antes de mais nada, deixo claro que entendo e respeito sua função. Insisto, não se trata de uma postura de negação da finitude. Somos seres mortais, rebelar-se só piora nosso destino - deixamos de aproveitar o breve período no qual nos foi dada a bênção de existir. Portanto, não se trata de um pedido para sustar suas obrigações.

No entanto, gostaria de lhe pôr ao par do que se passa no Brasil. Pela pandemia, os anos recentes, a Senhora sabe tão bem quanto nós, foram amargos. Nossas carteiras se esvaziaram. O momento político não deu trégua. O ódio pairou separando amigos e familiares.

Meu ponto é que não se trata do número de mortos em 2022, mas da qualidade das perdas. Pessoas que nos ajudaram a ser o que somos, que somaram na constituição da brasilidade. Durante 2022, aceitei estoicamente perder figuras que me são caras. Foi duríssimo perder Jô Soares. Já que estamos no campo do humor - embora Jô fosse muito mais -, Claudia Jimenez levou meu sorriso.

A Senhora levou Elza Soares, um pedaço da história do Brasil, que faremos sem essa encarnação vocal da ventania? Perdemos a elegância e as observações ferinas de Danuza Leão. Com Erasmo Carlos se vai metade da Jovem Guarda.

Inaceitável perder uma campeã do vôlei, genial dentro e fora do campo como a Isabel Salgado. Falando em partir antes da hora, acrescento o designer Fernando Campana. Sigo com o pessoal das telas: Milton Gonçalves, Breno Silveira, Rolando Boldrin e Françoise Forton.

Vivo em Porto Alegre, neste ano perdemos Sérgio da Costa Franco, Bebeto Alves e Sirmar Antunes. O David Coimbra escrevia neste jornal, trocávamos comentários sobre as colunas. Sofri com a perda de Sidney Poitier, da Monica Vitti, do cartunista Jean-Jacques Sempé e, vá lá, até da rainha Elizabeth. Não são figuras locais, mas ao seu jeito iluminavam o planeta.

Porém, o que me levou a lhe escrever, foi perder Gal Costa. Sinceramente, a Senhora passou dos limites. Ela foi mais do que uma amável cantora, era uma mulher imensa, um modelo de ser cuja ousadia nos consolava pela perda de Leila Diniz.

Minha humilde sugestão seria, considerando o mau momento do país, passar a régua agora. Está de bom tamanho para um ano. Depois das festas de fim de ano, a Senhora voltaria a sua infausta colheita.

Atenciosamente, de alguém que um dia vai lhe conhecer, mas que não tem pressa alguma.

MÁRIO CORSO

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