terça-feira, 29 de novembro de 2022


29 DE NOVEMBRO DE 2022
NÍLSON SOUZA

O internetês e os risos

Minha pátria é minha língua, escreveu um dos maiores da nossa, o incomparável Fernando Pessoa, no Livro do Desassossego, cautelosamente escondido sob um de seus heterônimos, talvez precavendo-se dos patrulheiros da internet que surgiriam um século e meio depois. Pois a última flor do Lácio, inculta e bela, eternizada pelo poema culto e belo de Bilac, virou um emaranhado de abreviações e símbolos gráficos no admirável mundo novo das redes sociais.

- Kdvc? - me intimou outro dia uma jovem amiga por mensagem, supondo que eu decifraria de imediato o seu Código Morse digital.

Propositadamente, respondi com outros pontos de interrogação, para trazê-la de volta à realidade da língua minimamente culta:

- Onde você está? - repetiu ela, com impaciência perceptível nas entrelinhas por ter sido forçada a digitar três palavras completas e com sentido claro.

A ansiedade é a mãe das abreviações. Na pressa de teclar (tc, na antiga linguagem dos tempos do Orkut, vejam só), adolescentes, jovens e nem tão jovens assim, pois os tiozões do zap já se apropriaram da linguagem digital, tudo é permitido. Outro dia recebi um "conserteza", como se a certeza da compreensão justificasse a aberração ortográfica. Sei que vou passar por rabugento, mas me recuso a rir em internetês. Nunca me senti confortável para codificar meus risos e meus sorrisos, mas fiquei ainda mais refratário quando li que as expressões usadas para representar gargalhadas são reveladoras da personalidade do autor.

Segundo o referido texto, quem digita a onomatopeia "kkkkk" tem boas chances de ser um tanto infantil ou alguém com certa rodagem querendo se passar por jovem. Já os adeptos do "hahaha", que seriam a maioria, estão mais próximos da normalidade, pois a sonoridade da expressão assemelha-se às gargalhadas da vida real. O esquisito "rsrs" seria revelador de timidez do interlocutor e o escandaloso "ashauhsashuasha" expressaria mais descompostura por parte do digitador do que propriamente seu bom humor.

Não utilizo, mas recebo com prazer todas as manifestações de alegria e diversão de meus interlocutores digitais, venham elas abreviadas ou por extenso. Na esperança de que a tormenta de ódios e imprecações esteja chegando ao fim, torço para que dezembro chegue logo e os brasileiros voltem a trocar mensagens de compreensão e tolerância com seus parentes e amigos, talvez até recorrendo àquela antiga expressão de riso que sempre comove e aproxima:

- Ho, ho, ho!

NÍLSON SOUZA

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