terça-feira, 23 de abril de 2013



23 de abril de 2013 | N° 17411
DAVID COIMBRA

Tire o cavalinho da chuva

Meu filho choramingava por algum motivo reles, sentado à mesa de jantar, e o censurei:

– Se tu pensa que vai ganhar algo fazendo manha, pode tirar o teu cavalinho da chuva!

Deu certo. A manha estancou, seguimos em frente com o jantar, mas, um minuto depois, já refeito, ele fitava o vazio, pensativo, o cotovelo fincado no tampo da mesa, o garfo na mão apontado para o teto como um mastro de bandeira. Ficou assim por um momento. Então, olhou para mim com a sobrancelha franzida de concentração e balbuciou:

– Papai... – Que foi? – Eu não tenho cavalinho. Levei alguns segundos para entender a que ele se referia. Aí sorri e expliquei:

– Ah, é só uma forma de falar.

Seus olhos continuavam me fitando debaixo de uma ruga que a seriedade da questão cavou-lhe na testa.

– Mas, papai, se eu tivesse um cavalinho, por que tinha de tirá-lo da chuva? A chuva faz mal para os cavalos?

Suspirei.

– Não, filho, já disse: essa é só uma figura de linguagem. Uma imagem que a gente usa para dizer que outra pessoa deve desistir de algo.

– Certo. Mas por que o cavalinho deve sair da chuva? Eu já vi cavalo na chuva. Ele não parecia triste. Ele pode ficar gripado?

– Olha... – eu já estava confuso com todas aquelas perguntas, precisava de tempo para pensar. Mas ele não me deu tempo. Prosseguiu:

– Eu não sei se ia conseguir tirar um cavalo da chuva, papai. Eu sou pequeno e o cavalo é grande. Como é que a gente faz pra tirar um cavalo da chuva?

Todos aqueles questionamentos agropecuários me deixavam atrapalhado. Olhei para ele. Ele ainda me fitava com gravidade, esperando a resposta.

– O cavalo, a chuva, nada disso tem importância – tentei, já um pouco agastado. – O que importa é o sentido do que eu queria dizer. O sentido da expressão. Quando falei aquilo, falei pra que tu desistisse de algo. De fazer manha. Entendeu? Agora come.

Ele deu umas mastigadas no brócolis, mas não tirou o ar reflexivo do rosto. Estremeci quando ele me encarou de novo.

– Papai...– O que foi? – Se eu tivesse um cavalinho... Foi um longo jantar.

Os perseguidos de sempre

Naquela conversa com meu filho, senti-me como se estivesse debatendo com um torcedor de futebol. O futebol tem esse poder sobre as pessoas. Os homens mais inteligentes na vida civil, médicos, advogados, engenheiros, políticos, jornalistas, empresários, os luminares da comunidade parecem crianças de cinco anos quando o assunto é o seu time do coração.

Se a discussão é arrabaldina, então, a coisa fica pior. Preste atenção nas reclamações dos próceres da dupla Gre-Nal no Gauchão. Grêmio e Inter estão sempre sendo perseguidos, estão sempre sozinhos dentro do forte, cercados de peles-vermelhas solertes. Lutam contra o mundo, injustiçados, perseguidos, acossados, heroicos.

Por favor! Não sei se vou incentivar meu filho a se tornar torcedor de futebol.

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