terça-feira, 27 de setembro de 2022


27 DE SETEMBRO DE 2022
NÍLSON SOUZA

Daqui a milênios

A imagem publicada no site Mistérios da Arqueologia e História é ao mesmo tempo impactante e divertida. Mostra um esqueleto humano recém-desenterrado com um celular na mão, a falange distal do polegar cravada na telinha e o braço flexionado de modo a manter o aparelho diante das cavidades orbitais do exumado.

- Assim os arqueólogos do futuro nos encontrarão! - brinca o bem-humorado redator.

Concordância geral entre os leitores, com comentários igualmente espirituosos, entre os quais o de um internauta que faz propaganda do seu celular: - Se for da marca do meu, ainda terá 90% de bateria - esnoba.

Creio que nesse futuro projetado pela brincadeira, os arqueólogos não precisarão mais escavar o planeta para encontrar nossos rastros, pois estamos deixando registros suficientes para satisfazer totalmente a curiosidade póstera. Mas nunca se sabe: a estupidez humana também é infinita. Numa dessas, os senhores da guerra executam mesmo suas bravatas nucleares e voltamos às cavernas.

Quem pode prever o que virá? Infelizmente, o escritor dinamarquês Hans Christian Andersen não está mais entre nós. Com o título que roubei de uma de suas histórias para esta crônica, ele escreveu quase meio século antes do voo de Santos Dumont: "Daqui a milênios, eles virão em asas de fumaça, pelo ar, atravessando o Atlântico. Os jovens habitantes dos Estados Unidos visitarão a velha Europa. Eles verão os monumentos e as cidades que estão desaparecendo".

O livro é uma obra-prima, e acho que ainda o será daqui a milênios. Não é à toa que seu autor, responsável por clássicos como O Patinho Feio, A Rainha da Neve e A Pequena Vendedora de Fósforos, entre outros, foi homenageado com o Dia Internacional do Livro Infantil, celebrado na data do seu nascimento, 2 de abril. Outro lindo conto da mesma obra - publicada pela antiga Editora Globo, com tradução de Pepita de Leão e ilustrações de Nelson Boeira Faedrich -, preciosidade da minha biblioteca, é Os Doze Passageiros. Descreve a chegada de um ano novo pela imagem de uma diligência com 12 tripulantes prontos para desembarcar. Ninguém, nem eles próprios, sabe o que trarão para nós - conclui.

Não sabemos, mas podemos imaginar e brincar. Se os herdeiros do futuro acharem mesmo nossos esqueletos com celulares na mão, tomara que as baterias tenham acabado para não verem o que circula nas redes sociais, especialmente nesses tempos bélicos de politicagem ensandecida.
NÍLSON SOUZA

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