quarta-feira, 16 de fevereiro de 2022


15 DE FEVEREIRO DE 2022
NÍLSON SOUZA

O mapa e a língua

Olho o mapa da cidade e meu DNA lusitano vê Portugal se debruçando sobre o Atlântico. Há uma curiosa semelhança entre as representações cartográficas desta Porto Alegre iniciada por açorianos e da pátria-mãe do nosso idioma, do nosso sentimentalismo exacerbado e do nosso jeito de ser. O Guaíba, seja lá o que for - rio, estuário ou lago -, é na verdade o nosso simbólico mar sem fim, com névoas misteriosas e pores do sol irrepetíveis.

Palavras são imagens sonoras. Ao fazer uma fotografia escrita da nossa linguagem, como ele mesmo define o seu Dicionário de Porto-Alegrês, o professor Luís Augusto Fischer faz questão de dizer que tudo é impreciso no seu levantamento. Os termos e expressões que ele reuniu são daqui, mas não são todos exclusivamente daqui.

Outro dia entrevistamos o ilustre escritor no nosso Bar Virtual da Associação Riograndense de Imprensa e ficamos encantados com a história e a motivação de sua obra-prima, reeditada agora para celebrar os 250 anos da Capital. A nova edição foi ampliada e teve algumas expressões revisadas, especialmente as que denotavam machismo e preconceitos.

O livro do professor Fischer é uma espécie de atestado de pertencimento dos habitantes deste cantinho do mundo. Nas sessões de autógrafo e nos encontros casuais com leitores, ele constata que muitas pessoas compram o dicionário para comprovar a legitimidade da própria linguagem, eventualmente posta em dúvida ou até mesmo ridicularizada por quem não é daqui. Também não é incomum que seja utilizado como uma espécie de cartão postal, enviado a conterrâneos distantes dos pagos, tanto para atenuar a saudade quanto para reforçar a identidade.

Não gosto de fronteiras e divisas, pois estas linhas artificiais costumam ser utilizadas para desagregar a família humana. Mas reconheço que os mapas facilitam a nossa compreensão geográfica do planeta. Por isso, como porto-alegrense de origem açoriana, fiquei impressionado com a coincidência destacada no início desta crônica.

- Bah, Portugal é aqui - deixei escapar.

Aliás, esse nosso "bah", com ou sem o H final, talvez seja a palavra mais curta com o maior número de significados do dialeto local, dependendo do contexto e da entonação. Abreviada ou por extenso, é a nossa assinatura comum mais original.

NÍLSON SOUZA

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