sábado, 15 de dezembro de 2012



16 de dezembro de 2012 | N° 17285
O CÓDIGO DAVID

Viver a vida no JAPÃO

Eu moraria no Japão. Na China, não. A China é um país duro, de cultura radicalmente diversa da ocidental. Às vezes é um lugar incompreensível. Imagine que eles tomam água quente, lá na China. Não chá; água quente. Fazem isso porque, dizem, é bom para a saúde. Ajuda no funcionamento dos intestinos e talicoisa. Água quente, francamente. Prefiro Activia.

Eles bebem água quente e acham estranho que a gente coma queijo. Reclamam que queijo é salgado, que toda a nossa comida é salgada. Dizem que temos cheiro de queijo. Cheiro de queijo, francamente.

Já o Japão é mais arejado. A comida é ótima, mesmo aquela que você não sabe do que se trata. Os japoneses são educados e bem humorados. Tudo, por lá, funciona, tudo está certo, tudo está pronto. Mas também é verdade que no Japão eles comem sorvete de feijão. Comi, quando fui lá. É uma pasta branca com pontinhos pretos. Um gosto horrível. Sorvete de feijão, francamente.

Poesia econômica

Os japoneses precisam tanto de espaço que até a poesia deles é econômica. É o haicai, que não despende mais de três linhas para descrever o mundo. Os brasileiros conhecem o haicai graças, principalmente, a Millôr Fernandes, que escrevia coisas geniais como:

Olha,

Entre um pingo e outro

A chuva não molha.

Uma maravilha, mas o precursor do haicai no Brasil não foi Millôr, foi Guilherme de Almeida, o “príncipe dos poetas”. Nos anos 30, Guilherme de Almeida se transformou numa espécie de divulgador da cultura japonesa no lado de baixo do Equador. Era amigo de diplomatas japoneses, e se entusiasmou com o que aprendeu com eles. Um de seus entusiasmos foi o haicai. Os haicais de Guilherme de Almeida eram burilados com todo cuidado, com absoluto respeito à métrica e ao ritmo do poema. Sorva alguns:

O PENSAMENTO

O ar. A folha. A fuga.

No lago, um círculo vago.

No rosto, uma ruga.

HORA DE TER SAUDADE

Houve aquele tempo...

(E agora, que a chuva chora,

ouve aquele tempo!)

CARIDADE

Desfolha-se a rosa.

Parece até que floresce

O chão cor-de-rosa.

HISTÓRIAS DE ALGUMAS VIDAS

Noite. Um silvo no ar.

Ninguém na estação. E o trem

passa sem parar.

INFÂNCIA

Um gosto de amora

comida com sol. A vida

chamava-se “Agora”.

NÓS DOIS

Chão humilde. Então,

riscou-o a sombra de um voo.

“Sou céu!” disse o chão.

VELHICE

Uma folha morta.

Um galho, no céu grisalho.

Fecho a minha porta.

CHUVA DE PRIMAVERA

Vê como se atraem

nos fios os pingos frios!

E juntam-se. E caem.

NOTURNO

Na cidade, a lua:

a joia branca que boia

na lama da rua.

Cordial vitorioso

Hoje, no Japão longínquo, onde Grêmio e Inter foram campeões do mundo, o Corinthians tentará a mesma façanha, contra o Chelsea. Estou torcendo pelo Corinthians. Não por ser um time brasileiro; por causa do Tite. Não por ele ser gaúcho; por causa do seu caráter. Tite é um homem gentil e educado, como raros são no futebol. Merece o sucesso. A vitória de um homem cordato é a vitória da cordialidade.


Pouco espaço, muito respeito
O Japão é de fato um país agradável, embora tenha suas excentricidades. Os hotéis-casulo, por exemplo. Deitei-me numa daquelas câmaras, uma vez. Parece-se muito com ser emparedado em um cemitério, mas se há algo que os japoneses não sentem é claustrofobia.

Existe muito japonês para pouco Japão. Você sabe, o Japão é um arquipélago. Ou seja: formado por várias ilhas. A maioria é pedregosa e inabitável. Então, os espaços são valiosos, os japoneses aproveitam o máximo de cada palmo de chão. Nos prédios residenciais, os carros são empilhados uns sobre os outros em estacionamentos com elevadores, e os aposentos de grande parte das casas são minúsculos, mal cabendo dois japoneses juntos.

O que os japoneses fazem para resolver o problema da falta de privacidade? Respeitam-se. Japoneses falam baixo, são discretos e não se tocam. Um japonês não abraça, nem dá beijinhos quando cumprimenta. Um japonês não grita ao celular. Um japonês não fica olhando para outros japoneses. Nem para os ocidentais ele olha.

Bom lugar, o Japão.

Xógum

No início da II Guerra Mundial, o soldado inglês James Clavell foi enviado pelos Aliados para lutar na Malásia, e se deu mal: os japoneses o capturaram. Clavell foi mantido num campo de concentração até o fim do conflito, o que seria uma desgraça, se não fosse sua boa fortuna. Nesse tempo de prisão, Clavell conheceu a cultura japonesa, encantou-se com o que aprendeu e mudou sua vida. Depois de libertado, desligou-se do Exército e passou a escrever romances ambientados no Japão. Tornou-se um sucesso mundial.

O melhor de seus livros é Xógum – A gloriosa saga do Japão. A trama se desenrola com muita fluidez no tempo dos samurais. É um volume alentado, mais de 800 páginas com letras miúdas, mas de leitura fácil. Xógum foi adaptado para se transformar numa ótima minissérie americana e vendeu milhões de cópias. Leia esse romance, e você vai entender como funciona a mente dos bravos japoneses.

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