LUIZ FELIPE PONDE
Odette para 2013
"Meu amor, você faria amor comigo hoje? Se não estiver
bem disposta, ok, entenderei"
Um casal conversa na mesa de jantar de casa no final de um
dia comum. Classe média média
(duas vezes média). Ele com cara de cansado (deve ter um
desses empregos nos quais pessoas como ele engolem sapos diariamente fingindo
que ainda são donos de suas vidas), ela com cara de quem tomou banho para
jantar, mas permaneceu com ar de enfado. Deve ter esperado o marido o dia todo,
mas não com muito gosto...
Ele (Mário Alberto) pergunta o que há para sobremesa. Ela
(Odette) responde "tangerina". Ele reclama que a única coisa que
queria quando chegasse em casa depois de um dia inteiro de trabalho era uma
sobremesa decente. Nada de chique, talvez um pudim. Ou mesmo algo que ela
goste. Ou seja, ele não é exigente. Carrega em si aquele ar esmagado de quem
sabe que já perdeu a partida com a vida e com o mundo. Normalmente, a esposa
encarna tanto a vida quanto o mundo para os "bons maridos".
Nelson Rodrigues costumava dizer que todas as qualidades que
fazem de um homem um grande e desejado homem são inviáveis em "bons maridos".
Ele diz para ela que uma sobremesa decente é tudo que ele
quer, e pergunta para ela o que ela quer. Aí, vem o show de Odette.
Ela diz: (perdão pela licença poética) "O que eu quero
Mário Alberto? Você quer saber o que eu quero? Eu quero foder. Veja que não
disse fazer amor, transar ou fazer 'nheco-nheco', mas foder".
Odette passa a qualificar "seu desejo": ela quer
foder não apenas com Mário Alberto, mas com o chefe dele (imagem
particularmente tocante no que diz respeito a um homem humilhado que teme que
sua mulher sonhe em dar justamente para aquele desgraçado que manda nele), com
o irmão dele, com o time de futebol da Nigéria, com o exército de Israel.
Assume-se que o time da Nigéria seja composto de negros
fortes e bem dotados e que não perguntarão para ela "meu amor, com todo
respeito, você faria amor comigo hoje? Se não estiver bem disposta, ok,
entenderei e continuarei a te amar".
Quanto ao exército de Israel, Odette parece desejar suas
famosas e decantadas virtudes militares: coragem, eficiência incomparável,
audácia, juventude e vitórias consecutivas contra milhares de inimigos ao mesmo
tempo e de todos os lados. Odette parece lembrar o que o mundo esqueceu: o
exército de Israel é que está esmagado por inimigos de todos os lados, e não o
Hamas.
Mas Odette não para por aí. Sem citar aqui todos os exemplos
que ela dá de seu desejo escondido, passemos ao "modo" como ela quer
que este desejo se realize: Odette quer que usem e abusem dela, que a tratem
como cadela, que a deixem assada e doída, que sua boca fique imprestável. Ao
final, depois de dizer que quer tudo isso repetidas vezes, confessa que também
quer "passar recibo" de tudo que deu e recebeu como um modo claro de
dizer "sim, sou a vagabunda de vocês".
Impossível não relacionar Odette (inclusive pelo nome dela)
a algumas heroínas rodriguinianas conhecidas como bonitinhas mas ordinárias,
que pedem para homens as violentarem enquanto as chamam de cadelas.
Após dizer tudo isso, ela silencia e continua a comer com
aquela contenção de classe média à mesa. Não esqueçamos que
"etiqueta" é coisa de gente que queria ser elegante mas não consegue.
Traço claro de decadência.
Ele, assustado, diz que "tangerina está ótimo".
Ela avisa que a tangerina não está gelada, mas ele diz que tudo bem assim.
Mário Alberto reassume o papel que deve desempenhar todo o dia, todos os dias.
Trata-se de um vídeo da internet que é muito indicativo do
que é a incomunicabilidade da vida cotidiana entre as pessoas. No caso
específico, um casal de classe média.
Claro está que Odette, mulher sem grandes dotes de beleza ou
sensualidade, não parece feliz com sua vida sexual de "mulher de
família". Não quer ser "uma mulher de família". Quantas Odettes
irão a sua festa de Réveillon hoje? Espero que
pegue uma.