quarta-feira, 12 de junho de 2024


12 DE JUNHO DE 2024
MÁRIO CORSO

Quando a pressa não ajuda

Uma das razões da depressão adolescente é a descoberta de como o mundo é. Mesmo que não tenha sido criado numa bolha, há um salto de compreensão, graças ao pleno domínio do pensamento abstrato. Para quem não foge das perguntas, como os jovens, a realidade é uma decepção.

Pense na injustiça social, na violência, na intolerância religiosa, no extremismo político, no racismo, na perseguição a qualquer sexualidade fora do esquadro, na mentalidade anticientífica e no uso descarado de mentiras.

Decepção, porque crescemos numa sociedade que acredita no progresso, que o futuro trará mudanças. Sentimos que ainda não chegamos a um mundo aceitável. É isso que liga o "deveria" à pressa em mudar o estados das coisas.

O "deveria" se estende também ao passado. Vemos acusações a pessoas de outra época por não pensarem como se fosse hoje. Escândalos porque a população do começo do século 20 era racista, machista e homofóbica.

As utopias servem para mascarar essas nossas dificuldades com a realidade. Nelas, ora um mundo ideal aconteceu no passado e o perdemos, ora estaria no futuro: ou existiu ou existirá. E se é para vir, que seja para ontem. Afinal, o mundo urge em ser melhor.

Tudo isso para não nos olharmos no espelho. Para não assumir que nossa racionalidade é parcial e intermitente. Que a dissonância cognitiva é o nosso normal. O desencanto adolescente é importante, mostra uma disposição para tornar o mundo menos brutal. O problema é quando vem ligado à pressa, pois o homem muda, mas demasiado devagar. Os progressos tecnológicos são rápidos, os progressos morais não.

Ainda, alguns dos avanços morais são questionáveis. A escravidão acabou ou ganhou novas formas? Não se consegue transformar a humanidade por decreto, como já tentaram em inúmeros projetos totalitários. Nossa sociedade nunca será perfeita. Por outro lado, pode ser aperfeiçoada se houver tempo e paciência.

A psicanálise reconhece um só acelerador eficaz para melhorar o homem, o amor. Quem tem filhos sabe que, mesmo assim, é difícil. Cobrar a humanidade pelo que ela deveria ser, ou pensar, ou por como agir é inócuo e contraproducente. Tentem de outra maneira.

MÁRIO CORSO

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