quinta-feira, 21 de julho de 2022


21 DE JULHO DE 2022
TÚLIO MILMAN

A mulher do caixa e o pedinte

Fui à farmácia durante a semana. Precisava de um cortador de cutículas e de uma lixa de unhas. Quando entrava, fui abordado por um homem com roupas rasgadas, barba malfeita, dentes escuros e incompletos. Vestia uma bermuda esfarrapada, apesar do frio. "Não quero dinheiro", me disse. Pediu uma lata de leite em pó. Desconfiado, fui logo dando um desdobre. Mas, não sei por que, a história que ele começou a contar me tocou. "Tive de sair de casa porque um tio, que foi assassinado, estava envolvido com o tráfico". Deu nomes, datas, enredos. "Não tenho nada a ver com isso. Como o cara era meu parente, fiquei com medo de que fosse sobrar para os meus filhos".

Entrei na farmácia. Peguei o cortador, a lixa e a lata de leite em pó, na especificação fornecida por ele. "Marca tal, de zero a três anos". Enquanto eu transferia o Pix no caixa, ele entrou. Antevi a sequência. Em geral, pedintes são expulsos dos estabelecimentos frequentados pela classe média, com mais ou menos delicadeza. Errei. Naquela farmácia, aconteceu algo diferente. A mulher que me atendia cumprimentou-o, perguntou como estava a família, ouviu a resposta e agradeceu. Foi um diálogo rápido e respeitoso, como deveriam ser todos. O homem logo voltou para a rua. Pensei imediatamente em uma palavra que está na moda. Empatia. Faz tempo, desenvolvi uma implicância teimosa com a explicação mais popular desse conceito. "Colocar-se no lugar do outro". Ora, isso não é empatia. Isso é narcisismo.

Nada mais egoísta do que se colocar no lugar do outro para conseguir estabelecer uma conexão humana. Quando isso acontece, não é mais o outro quem está lá. Sou eu. Empatia, na verdade, deveria ser ouvir, compreender e respeitar o outro no lugar ocupado unicamente por ele.

A verdadeira empatia, a mais difícil, tem a ver com diferença, não com igualdade. Pensei nisso ao testemunhar aquela cena tão rara, que deveria ser normal, mas não é, em uma farmácia na Avenida Nilópolis, na capital do Rio Grande do Sul: a atendente tratando de forma absolutamente cortês um pedinte. Quando saí rumo ao meu carro, com o cortador de cutículas e a lixa no bolso, entreguei a lata de leite em pó. Ele agradeceu e acomodou-a, junto com mais alguns pertences, em um carrinho quebrado de supermercado. Repassei os últimos minutos na memória. Fiquei com vontade de voltar e cumprimentar a mulher do caixa. Não o fiz por timidez. Mas voltei para casa em paz. Quem age como ela agiu recebe outros tipos de recompensa, de imenso valor.

TULIO MILMAN

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