sábado, 22 de junho de 2013


23 de junho de 2013 | N° 17470
ARTIGOS -Flávio Tavares*

Recado aos surdos

O mudo recuperou a voz e grita aos ouvidos do surdo eis a síntese do histórico 20 de junho. Desde as manifestações dos anos 1967-68-69 contra a ditadura militar, nada foi tão espontâneo e autêntico quanto os protestos em que o aumento das tarifas de transporte foi só o detonante de uma explosão maior e até grandiosa. Nem a campanha das Diretas Já, de 1984, ou o Fora Collor, de 1992, se equiparam à revolta pacífica atual.

Nas Diretas, parte do poder político e dos partidos comandava tudo, com os governadores de São Paulo, Rio e Minas (Montoro, Brizola e Tancredo) à frente. No Fora Collor, a ideia inicial veio da imprensa, dos partidos e do parlamento. Agora, é como se a energia de 1968 ressuscitasse, cansada dos embusteiros que (na democracia) se apossaram da política e do poder.

Moças e moços de 20 anos iniciaram tudo. Não contaminados nem corroídos pelo poder político ou econômico, identificaram a falsidade. Longe do conluio “política & negócios” que rege o poder entre nós, definiram-se pelos cartazes das passeatas – contra a corrupção, a mentira, a orgia de gastos em estádios, a Fifa mandando nas cidades, o descaso pela saúde e educação! E contra a imoral PEC 37.

Mesmo assediados pelos badulaques do consumo, os jovens não perderam o tino. Enxotaram das passeatas as bandeiras dos partidos políticos, na melhor mostra do desencanto atual. Dirigidos por oportunistas que prostituíram a política, os partidos têm se interessado apenas em táticas para captar votos.

Desde que o conluio PT-PMDB (com sua ampla “base alugada”) assumiu o poder, diluíram-se os movimentos sociais. As centrais sindicais, cooptadas. A UNE não representa os estudantes. Os partidos tornam-se degraus para negociar ministérios e empresas estatais, num derrame geral de corrupção.

Querem nos fazer fantoches, bonequinhos que falam e pulam, manipulados detrás duma parede?

Num desafio a essa impostura, jovens e não jovens saíram às ruas em centenas de grandes ou pequenas cidades, convocados uns aos outros pela internet. A espontaneidade mostra a falência das estruturas formais, que já nada representam. Senadores, deputados, vereadores, prefeitos, governadores e a própria presidente da República, ausentes de tudo – atônitos, isolados nas salas do poder em que tudo é artificial. Até o ar.

Vivemos o absurdo de que é preciso sair à rua para que o poder político “aceite dialogar e debater” com quem o elegeu. Na onda espontânea, a boçalidade da polícia de São Paulo (que, entre outras proezas, quase deixou cega uma jornalista) transformou o protesto num movimento nacional muito além dos 20 centavos das passagens. E a rua vomitou a indignação geral!

E os vândalos que saqueiam comércios ou destroem prédios públicos? Eles não são manifestantes, apenas marginais, como os que nos estádios (ou nos velórios e enterros) batem carteiras e roubam. Aproveitam-se da situação, imitando os políticos corruptos.

Ninguém melhor do que a presidente Dilma explicou o sentido dos protestos: “A mensagem direta das ruas é para influir nas decisões dos governos, em repúdio à corrupção e ao uso indevido do dinheiro público”, disse em Brasília, na solenidade de lançamento do marco regulatório da mineração. Os mais eminentes figurões da corrupção, ali presentes, aplaudiram, fingindo que não era com eles. Ela própria mais parecia a jovem coerente de 1968-69 e não a presidente da República, que entendeu o recado das ruas.

Agora que o povo mudo recuperou a voz, resta esperar que Dilma se liberte dos surdos – dos cortesãos alugados que fingem tudo, até a surdez. Será o caminho para que o grito de agora reconstrua o que a mentira destruiu!


*JORNALISTA E ESCRITOR

Nenhum comentário: