terça-feira, 23 de novembro de 2021


23 DE NOVEMBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Por que não escrever de amor

Acho que vou escrever sobre o amor. É que, outro dia, uma leitora me sugeriu: "Escreva mais sobre o amor". Pensei na hora: boa ideia! As pessoas gostam de ler, ver e ouvir coisas acerca do amor. A questão é escrever algo original. Tudo já foi dito sobre o amor, pelo menos o amor romântico.

O amor entre amigos não é tão popular e não raro é visto como sinal de homossexualidade. Ou seja: as pessoas confundem o amor fraternal com o amor romântico. Jônatas, filho do rei Saul, e o meu xará David, por exemplo, se amavam profundamente, e agora, 3 mil anos depois, houve quem dissesse que eram gays. Nada contra, se fossem, é preciso ressaltar aos patrulheiros, NADA CONTRA. Mas não eram. O amor que um sentia pelo outro só amigos verdadeiros são capazes de sentir.

A mesma coisa os filósofos Michel de Montaigne e Etienne de La Boetie. Eles eram tão amigos, mas tão amigos que um dia, depois de La Boetie morrer, perguntaram a Montaigne qual era a razão daquela amizade ser tão sólida. Montaigne respondeu:

- Porque era ele, porque era eu. Bonito.

Mas as pessoas não estão preparadas para esse tipo de sentimento. Um homem casado e com filhos sai para beber uns chopes cremosos com os amigos? Ah, é um irresponsável! Ah, ele não cuida da família dele!

Que espécie de preconceito é esse? Então, se caso e me torno pai eu só posso ver os amigos em encontros familiares? Mulheres casadas não saem sozinhas com as amigas? Por que um homem não pode? Onde estão os patrulheiros que nos defenderão dessa discriminação odienta?

Ah, não, para eles o que importa é o amor romântico. Todo aquele mel, todos aqueles uivos para a lua. Há 500 anos, Camões já se lamuriava:

"Alma minha gentil, que te partiste

Tão cedo desta vida descontente,

Repousa lá no céu eternamente.

E viva eu cá na terra sempre triste.

Se lá no assento etéreo, onde subiste,

Memória desta vida se consente,

Não te esqueças daquele amor ardente

Que já nos olhos meus tão puro viste.

E se vires que pode merecer-te

Alguma coisa a dor que me ficou

Da mágoa, sem remédio, de perder-te,

Roga a Deus que teus anos encurtou,

Que tão cedo de cá me leve a ver-te,

Quão cedo de meus olhos te levou".

Ou seja: porque a amada morrera, Camões queria morrer. Pois isso, morrer de amor ou por amor, não apenas é aceito pela sociedade como até é considerado belo. É por esse motivo que tem tantos imbecis matando a mulher amada quando ela, com todas as razões do mundo, não os ama mais e vai embora. Os abobados confundem morrer de amor com matar por amor. Por favor! Assim, me rebelo. Não escreverei sobre o amor. Me nego! Desculpe, amada leitora, mas me nego.

DAVID COIMBRA

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