sábado, 14 de agosto de 2021


14 DE AGOSTO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL

O PIOR INIMIGO

Os atenienses da era de Péricles sabiam que o pior inimigo da democracia é a tirania, que o império persa era ameaçador, e que o pior inimigo entre os gregos era o exército de Esparta, que terminou por arrasar Atenas em 404 a.C., após guerra que durou 27 anos. Eis o Brasil de hoje, com o fantasma da tirania espreitando a liberdade e a invasão de exército, nem persa, nem espartano, mas nacional, financiado com nossos recursos, que ora produz mais danos do que hostes estrangeiras, e que quando não nos mata com sua incompetência mata de vergonha com suas trapalhadas, e suga sem pejo a seiva da nação, mesmo enferma.

Nosso pior inimigo, todavia, é outro, e tem cativos também aos invasores fardados, assim como a parte importante da política nacional e sua dócil voz, a imprensa acrítica: a ideologia liberal em sua atual fase, hiperliberal despudorada. É essa ideologia que está por trás de erros homéricos na gestão pública, do massacre da democracia e do conluio de forças que mantêm no poder o atual presidente, malgrado sua letalidade e sua evidenciada inaptidão para qualquer cargo e para a vida social; por que não cai? Porque serve muito bem a uma ideologia que tem autores e beneficiários, e não somos nós, o povo brasileiro.

A ideologia liberal nasceu como filosofia ética, nas ideias de Adam Smith (1723-1790), e lutava contra o Antigo Regime, em que a nobreza dominava o Estado e tolhia a mobilidade da burguesia. Pouco após a Revolução Francesa, no início do século XIX, o liberalismo acomodou-se com a nobreza, sobretudo na Inglaterra, e propagou-se. À época, a ideia de liberdade ainda era importante, e com ela liberais ingleses combateram o escravismo, inclusive contra nações associadas e subordinadas, Portugal e Brasil. Desde cedo, todavia, a noção de liberdade liberal associou-se aos interesses de mercadores e industriais, e essa ideologia tornou-se o que é hoje, um sistema de valores e programas políticos articulado internacionalmente, e cuja finalidade é assegurar o domínio e incremento daquilo que poucos possuem, o capital.

Esse inimigo ataca camuflado: usurpa a palavra liberdade para entregar servidão, promete progresso mas traz dependência e fala de riqueza quando amplia a miséria. Outra camuflagem do liberalismo é fazer-se de moderno e profilático, quando é, de fato, jurássico e nocivo; na vida política, concedeu a governantes cativos o programa ideal para esconder sua incompetência na administração pública, resumido em uma única palavra, ecoada como mantra: privatiza. Pelo feitiço dessa ideologia simplória e oportunista, viola-se o patrimônio público, abandonam-se os verdadeiros problemas e desafios e arma-se o quadro sórdido com que hoje se degrada a cidade e se avilta o Estado: o domínio do mercado sobre a sociedade. Vem no pacote o desmonte dos direitos fundamentais, da proteção ao trabalho e ao meio ambiente e mil facilidades para deixar o capital livre, leve e solto; ele cresce concentrado, e a sociedade definha, fustigada.

Diante de tais inimigos, haja amizade, e aja a força da verdadeira liberdade, a nos guiar.

FRANCISCO MARSHALL

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