domingo, 30 de junho de 2013

FERREIRA GULLAR

A vez do povo desorganizado

Os políticos se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício

As manifestações de protesto ocorridas nas últimas semanas em numerosas cidades brasileiras são, sem sombra de dúvida, um fenômeno novo na vida política do país, nos últimos 20 anos.

Causou surpresa a muita gente --inclusive a mim-- que o aumento de R$ 0,20 nas tarifas de transporte urbano tenha provocado tamanha revolta e mobilizado tanta gente.

É que essas manifestações traziam consigo outras motivações que não se revelaram no primeiro momento. Logo pôde-se ver que o aumento das tarifas foi apenas o detonador de um descontentamento maior que põe em questão o próprio sistema político que nos governa.

Ouvi e li opiniões segundo as quais trata-se de um fenômeno internacional, uma vez que, em vários países, protestos populares têm se repetido com frequência. Trata-se, creio eu, de uma opinião equivocada, já que as razões desses protestos são diferentes de país para país. O que há de comum neles é a influência das redes sociais, que possibilitam mobilizações em tal escala.

No caso do Brasil, por exemplo, está evidente que a revolta é contra os políticos em geral, sejam de que partidos forem, pertençam ao governo ou à oposição. Isso se tornou evidente em diversos momentos quando militantes deste ou daquele partido tentaram se manifestar: foram vaiados e até espancados. Foi o caso do PT que, oportunista como sempre, tentou tirar vantagem da situação e se deu mal.

Mas de onde vem esse horror aos políticos? A resposta é óbvia: eles se tornaram uma casta que se apropriou da máquina do Estado em seu próprio benefício.

Essa máquina, que é mantida com o dinheiro de impostos escorchantes, eles usam para empregar seus parentes e companheiros de partido, para enriquecer a si e a seus familiares, manipulando licitações e contratos de obras públicas --e usam isso, sobretudo, para se manter no poder.

Essa situação tornou-se particularmente insuportável depois que Lula assumiu o governo e pôs em prática uma política populista que veio agravar ainda mais aqueles fatores negativos da vida política brasileira. Quem nele acreditava viu, decepcionado, que ele ignorou os compromissos éticos assumidos e aliou-se a figuras como Maluf e o bispo Macedo --sem falar na compra, com dinheiro público, de partidos corruptos.

Essa aliança, com o submundo político, de um líder que surgiu como uma esperança de renovação, só poderia conduzir as pessoas em geral --e particularmente os que confiaram nele-- à desesperança total quanto ao futuro da nação.

O mais grave é que, somando-se isso à política assistencialista que adotou, tornou-se eleitoralmente imbatível. Assim, sem outra saída, os inconformados foram para as ruas. Nessa rejeição ao poder constituído e aos políticos em geral, o povo descontente pode não saber ainda por onde vai, mas sabe por onde não vai.

Não por acaso, a maioria desses manifestantes é de classe média. Não foram os pobres dos subúrbios que vieram para as ruas protestar, pois recebem Bolsa Família e melhoraram de vida. Quem está insatisfeita e revoltada é a parte da sociedade que só perdeu com o populismo lulista, uma vez que o dinheiro público, em lugar de ser investido em hospitais, escolas e serviços públicos, foi e é usado em programas assistencialistas e demagógicos.

Por outro lado, o lulismo cooptou as entidades representativas dos trabalhadores e dos estudantes (a CUT e a UNE), que, contrariamente a suas origens e à sua história, agora impedem manifestações contrárias ao governo. Desse modo, tanto os trabalhadores quanto os estudantes não têm quem os represente na luta por suas reivindicações.

Por isso, meses atrás, afirmei nesta coluna que a única solução possível seria o povo desorganizado ir para as ruas, já que não conta com as organizações que deveriam representá-lo. É o que acontece agora: o povo desorganizado está nas ruas. Desmascarada, a CUT tentou juntar-se aos manifestantes, mas foi repelida por eles.

Sem alternativa, a presidente Dilma promoveu uma reunião com governadores e prefeitos para aparecer como porta-voz dos inconformados, e propôs medidas que não se sabe quando nem se serão mesmo postas em prática


JOSÉ SIMÃO

Congresso! Trabalhos Forçados!

E o PGN, o meu Partido da Genitália Nacional, já lançou a sua PEC: PEC 69! PEC NA MINHA E BALANÇA!

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República! E o PGN, o meu Partido da Genitália Nacional, já lançou a sua PEC: PEC 69! PEC NA MINHA E BALANÇA! Rarará!

E o Congresso trabalhando? Trabalhos Forçados! O Congresso tá parecendo viúva tirando atraso de dez anos!

E o Renan Escandalheiros quer passe livre para estudantes. E eu quero passe livre pra ele sumir! Passe Livre pro Renan Sumir! Ele já virou tanta casaca que o casaco dele deve ter 20 avessos! Rarará!

E esta piada pronta de Floripa: "Com dois atos simultâneos, manifestantes sem partidos erram de protesto". Tá virando pastelão! E esta: "Líder do PSDB, Sérgio Guerra se engana e vota a favor da PEC 37". ANTAlógica. O Tiririca votou direitinho!

E sofremos duas baixas internacionais! "Brad Pitt cancela sua vinda ao Rio por causa dos protestos." Bundão! Chama o Chuck Norris e o Arnold Schwarzenegger que eles topam. Dorme com a Angelina Jolie e tem medo de protestos?

"Por causa dos protestos, Superman cancela vinda ao Brasil". Bundão! Chama o Chapolin Colorado! E o Superman vinha pra divulgar o filme "O Homem de Aço". O Homem de Aço tem medo de bala de borracha! Rarará!

E a Dilma, pro próximo discurso, vai fazer um botoshop: botox com photoshop! O Laquê Acordou! E eu fui a três manifestações. E o melhor cartaz: "Se a bomba é de efeito moral, joga no Congresso".

E o plebiscito? Proponho fazer um plebiscito para saber se a gente quer um plebiscito. Um PRÉbliscito! O cúmulo da democracia. E claro que gostei da IDEIA do plebiscito. Quando os políticos entram em pânico, a ideia é boa!

E os cartazes "Fora Feliciano"! "Feliciano, não nos esquecemos de você! É que estamos limpando uma merda por vez." "Feliciano, isso é orgulho ferido de um fiofó não comido." "Feliciano, me dê um atestado, hoje acordei sapata." Rarará!

E um gay: "Tá bom, quero me curar; aí vou ao médico e ele me receita o quê? Comer duas pererecas por dia?".

"Não me curem, não tenho roupa pra ser hétero". Vai pra Colombo e pra Vila Romana!

E não se muda o Brasil com rancor, mas com humor!

Nóis sofre, mas nóis goza.


Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!
MIGUEL SROUGI

Depredando a saúde da nação

As propostas para a saúde feitas pelo governo federal são piores do que os depredadores soltos pelas ruas, já que destroem vidas humanas

Como cidadão, fiquei deslumbrado com o clamor que varre a nação. Como médico, e ligado à saúde, mergulhei em esperanças. Contudo, com a mesma velocidade que esse sentimento aflorou, fui tomado por uma angústia incontida ao observar as manifestações oficiais.

Anunciou-se solenemente que seriam importados milhares de médicos estrangeiros e injetados R$ 7 bilhões em hospitais e unidades de saúde. Também se propôs a troca de R$ 4,8 bilhões de dívidas dos hospitais filantrópicos por atendimento médico e foi anunciada a criação de 11.400 vagas de graduação em escolas médicas.

Perplexo, gostaria de dizer que essas propostas são tão surrealistas que não podem ter sido idealizadas por autoridades sérias, mas sim por marqueteiros afeitos à empulhação. Piores do que os depredadores soltos pelas ruas, já que destroem vidas humanas.

A medicina exercida condignamente pressupõe equipes qualificadas, não apenas com médicos, mas também com enfermeiros, psicólogos e assistentes sociais. Exige instalações minimamente equipadas, para permitir diagnósticos e tratamentos mais simples.

Necessita do apoio de farmácias, capazes de prover sem ônus para os necessitados, as medicações essenciais. Requer processos de higiene, assepsia e certo conforto, para dar segurança e respeitar a dignidade humana dos pacientes.

O que farão os médicos estrangeiros nas áreas remotas do Brasil apenas com termômetros e estetoscópios nas mãos? Irão receitar analgésicos, antidiarreicos e remédios para tosse, o que poderia ser mais bem executado por qualquer prático de farmácia, também afeito às doenças regionais. Médicos que nos casos mais delicados nem atestado de óbito poderão assinar, pois não conseguirão identificar a causa da infelicidade.

Pior ainda, como esses médicos conseguirão atuar limitados pela dificuldade de comunicação, desqualificados para tratar doenças já erradicadas em países sérios, frustrados por viverem em regiões destituídas de condições mais dignas de existência para eles próprios, suas mulheres e seus filhos? Certamente tratarão de migrar para centros mais prósperos, abandonando aqueles que nunca conseguirão expressar a desilusão.

Não custa lembrar que muitos países desenvolvidos aceitam médicos estrangeiros, contudo nenhum deles atua sem ser aprovado em exames extremamente rigorosos, que atestam a elevada competência profissional.

Igualmente falaciosa é a proposta de incrementar os recursos para a saúde. Num país como o Brasil, que gasta apenas 8,7% do seu Orçamento em saúde --muito menos que a Argentina (20,4%) e Colômbia (18,2%)-- somente mal-intencionados poderão acreditar que um aporte de recursos de 0,7% corrigirá a indecência nacional.

Também enganadora é a ideia de se recorrer às instituições filantrópicas. Em situação falimentar, deixam de pagar tributos porque não recebem do governo federal os valores justos pelo trabalho. Pelo mesmo motivo, serão incapazes de aumentar o já precário atendimento.

Quanto à criação de novas vagas para alunos de medicina, nada mais irrealista. Para acomodar os números apresentados, o governo teria que criar entre 120 e 150 escolas médicas. Com que recursos? Com que professores? Com que hospitais?

Presidente, termino pedindo desculpas pela minha insolência. Você, que é digna e tem história, não pode tergiversar perante o clamor de tantos filhos da nação. Faça ouvidos moucos ao embuste e combata de forma sincera os malfeitos.

Assuma, de forma sincera e não dissimulada, a determinação política de priorizar os recursos para as áreas sociais. Para não ser tomada por angústia infinita ao cruzar com a multidão, entoando com indignação o canto de Chico Buarque: "Você que inventou a tristeza/ Ora, tenha a fineza/ De desinventar/ Você vai pagar e é em dobro/ Cada lágrima rolada/ Nesse meu penar".


MIGUEL SROUGI, 66, pós-graduado em urologia pela Universidade de Harvard, é professor titular de urologia da Faculdade de Medicina da USP e presidente do conselho do Instituto Criança é Vida
ELIANE CANTANHÊDE

Dilma em chamas

BRASÍLIA - O Datafolha confirma para o leitor/eleitor o que oposições, Planalto e Lula já sabiam: a popularidade de Dilma esfarela e a reeleição vai para o beleléu. Uma queda de 27 pontos pode ser mortal.

Não foi por falta de aviso. Dilma entrou mal em 2013, autoconfiante com os recordes nas pesquisas, surda para o baixo crescimento com inflação alta, muda para os políticos e estridente com os auxiliares.

A popularidade já tinha despencado oito pontos antes mesmo das manifestações, pela falta de comando político e de rumo na economia. A explosão social fechou o cerco.

E não houve má vontade da mídia, tão demonizada no poder. Telejornais e jornais resistiram a admitir que a crise batia à porta da presidente, mesmo com o Planalto cercado na quinta-feira aguda. Não foi só o Exército que protegeu Dilma...

Mas o presidencialismo brasileiro é muito concentrador, e os louros e as culpas de tudo e qualquer coisa são sempre do (da) presidente. Dilma ainda pode se recuperar em parte, mas a abstrata reforma política não sensibiliza as massas e ela nunca mais será a mesma.

A perda de mais da metade da popularidade (8 mais 27) deixa o PT em pânico, desequilibra as peças no PMDB e mexe com os cálculos de toda ordem na complexa base aliada.

Do outro lado, reacende a candidatura Eduardo Campos, dá gás a Marina Silva e cria a sensação de "agora vai" na campanha de Aécio Neves, em que as atenções estão no PMDB, que tem faro para o poder.

Dilma ofendeu o vice Temer com a "barbeiragem" da constituinte exclusiva, bateu de frente com o deputado Eduardo Cunha, que manda na bancada, e não tem ideia do efeito arrastão que o PMDB pode ter nos outros partidos aliados.


Mas o mais devastador para Dilma é o efeito em Lula. Calado estava, calado continua. Soltou nota burocrática na sexta-feira e escafedeu-se para Lilongwe e Adis Abeba. Posto a salvo, enquanto Dilma vira cinzas.

sábado, 29 de junho de 2013


30 de junho de 2013 | N° 17477
MARTHA MEDEIROS

Anjos

Fala-se muito em Deus, mas pouco em anjos. Acredito neles, nos zelosos guardadores, não sentados em nuvens tocando trombeta, mas aqui, no plano terreno. Um pode ser o anjo do outro. Você pode ser meu anjo, e eu o seu.

Vou compartilhar uma história que aconteceu no final de fevereiro. Recebi um convite para integrar a equipe de uma instituição britânica liderada pelo filósofo e escritor Alain de Botton, a The School of Life, que está introduzindo atividades no Brasil. Topei. No entanto, meu inglês é precário.

Consigo viajar sem pagar micos, me comunico em hotéis e restaurantes, mas não tenho fluência para manter uma conversa digna com um estrangeiro. E isso será fundamental no novo desafio profissional que me surgiu. Preciso aprender inglês pra ontem. Como? De preferência, estudando fora, fazendo um curso de imersão. Até então, isso nunca tinha passado de um sonho da juventude.

Dias depois de a The School of Life me procurar, recebi outro convite: lançar meus livros em Torres. Passei quase três horas autografando para veranistas e moradores da cidade. Quando a livraria estava fechando a porta, um homem insistiu em entrar. Um turista. Ele pediu minha dedicatória, a última da noite, e me entregou seu cartão.

Era, simplesmente, um renomado gestor de cursos de inglês no Exterior. O procurei na semana seguinte e, para encurtar a história, estou matriculada em uma das escolas mais sérias da Inglaterra, já tenho um flat alugado e estou com toda a burocracia resolvida. De quebra, fiz um novo amigo.

Esse tipo de história é recorrente na minha vida. Qualquer questão que se apresente, a solução cai do céu em dias, às vezes em horas, através de alguém que não conheço. O exemplo que dei é elitista, mas já aconteceram coisas bem mais prosaicas e milagrosas – nunca me apertei. Sempre um anjo apareceu do nada.

Pode-se chamar isso de ter sorte, ou uma boa estrela. Dá no mesmo. Estamos falando de receptividade e de doação. Você tem um anjo porque também já foi o anjo de alguém. E se tudo não passar de baboseira, que seja. Num mundo rude como o nosso, há que se flertar com o esotérico.


No momento em que você me lê, já estou em Londres. Amanhã começam minhas aulas e não vai ser moleza: serão seis horas por dia, afora os temas de casa e alguns compromissos com a The School of Life, a entidade que deu início a essa minha movimentação. Por isso, ficarei ausente do jornal durante todo o mês de julho. Prometo retornar em agosto mais inspirada e, se os anjos ajudarem, reencontrar vocês com saudades. Até breve.

30 de junho de 2013 | N° 17477
CARTA DA EDITORA | MARTA GLEICH

COMOFAZ - Um novo país

Como será o Brasil pós-manifestações? O que está sendo pedido? O que é possível atender e como?

Desde terça-feira, para tentar responder a essas perguntas, Zero Hora vem publicando a série #COMOFAZ. Inspirada nos cartazes levantados nos protestos, reportagens em profundidade abordam os temas mais frequentes, ouvindo especialistas.

Já foram publicados os temas redução das tarifas de transporte público, melhores escolas, convocação de uma Constituinte, PEC 37, combate à corrupção, saúde de qualidade, reforma política, melhorias no Interior, Copa do Mundo.

Uma das missões de um jornal é justamente abrir suas páginas para o debate de soluções para problemas da comunidade. Neste momento em que o Brasil clama por mudanças, Zero Hora se propõe, além de cobrir os fatos do dia – as passeatas, a reação do Executivo e do Legislativo etc. –, a espelhar as reivindicações das ruas e discutir, com fontes especializadas nos assuntos, como viabilizar as mudanças.

Nesta edição, publicamos, à página 12, um resumo da série. Você também encontra a íntegra das reportagens no site zhora.co/comofaz2706

Você já espiou a nova ZH TV? Desde o final de semana passado, Zero Hora organizou seus conteúdos multimídia em um novo canal. Ali, o usuário encontra histórias do cotidiano, entrevistas, notícias, comentários dos colunistas.

Há desde vídeos-minuto, com notícias curtas, até webdocumentários, além de uma programação semanal que inclui Pós-jogo ZH, com Luiz Zini Pires, na segunda-feira; Papo de Economia, com Bela Hammes, na terça; Conversa de Elevador, com Tulio Milman, na quarta; No Mundo das Lutas, com Caju Freitas, e 1 Minuto pro Fíndi, com os jornalistas do Segundo Caderno, na quinta; Receita Gastrô, com Bete Duarte, na sexta, e zh.doc, uma videorreportagem completa com análise de um dos principais assuntos da semana, no sábado, apresentado pela editora Marlise Brenol. Confira em www.zerohora.tv.

A leitora Solange Giacomini enviou um e-mail criticando a forma como utilizei seu nome e sua pergunta na semana passada. Para os leitores entenderem, baseei a carta numa pergunta que ela fez ao colunista Tulio Milman (“Alguém deste jornal poderia me explicar por que o povo pode se manifestar em todas as ruas, só na Ipiranga que não?”) e na resposta do jornalista, dizendo que não há nada contra manifestações pacíficas em frente ao jornal, mas que havia informações de grupos que queriam invadir e incendiar o prédio de Zero Hora, onde trabalham centenas de pessoas.

A pedido de Solange, publico aqui sua mensagem: “Por um lado, fico muito feliz de que um e-mail, com uma simples pergunta, tenha inspirado uma jornalista a escrever uma carta. Por outro, fico triste ao ver que te apropriaste de um e-mail particularmente enviado ao Tulio, deturpando-o e manipulando-o (isto é o que eu considero vandalismo da palavra) para colocar as tuas ideias. Talvez seja por este tipo de jornalismo que o jornal seja um alvo dos manifestantes. A forma com que abordaste o assunto faz crer que aprovo vandalismos e o silêncio da imprensa.

Se, porém, tivesses lido, ou se ele tivesse te mostrado minha resposta ao e-mail dele, verias que sou totalmente contra qualquer tipo de vandalismo ou violência contra ninguém e, neste ninguém, inclui-se a imprensa, pois vocês não são diferentes e somos todos iguais. A pergunta foi simples e não citava nem jornalistas nem a RBS. Lamentável que tenhas tomado para si o que era público, já que na Avenida Ipiranga existem milhares de pessoas além dos funcionários da RBS.”


Durante a semana, eu e Solange trocamos vários e-mails. Respeito sua visão. De forma alguma quis me apropriar de uma correspondência particular. Como diretora de Redação, não podia deixar de assumir a responsabilidade de responder, a ela e a outros leitores, à pergunta “alguém deste jornal poderia me explicar...”. Por isso resolvi transformar a questão em esclarecimento público. Mais uma vez quero agradecer a Solange pelo debate construtivo que tivemos durante a semana e pela oportunidade de apresentá-lo aos nossos leitores.

30 de junho de 2013 | N° 17477
PAULO SANT’ANA

Saiu Luxemburgo

Foi demitido Vanderlei Luxemburgo. Ou demitiu-se. Há muito tempo que havia um rompimento ideológico entre a direção e o treinador. Ele só não tinha sido demitido porque o Grêmio não tinha dinheiro para pagar-lhe a multa milionária.

Há muito tempo que escrevi sobre os absurdos que ele vinha fazendo, que iam culminar com a sua demissão.

Vem de Brasília esta notícia: há um movimento lá, entre políticos e governos, para realizar um plebiscito e uma reforma política. É muito antiga a sugestão, mas ela agora se renova: querem adotar o voto em lista.

O voto em lista é o seguinte: cada partido faz uma lista de seus candidatos a vereador, a deputado estadual e a deputado federal. A lista tem numeração, 1, 2, 3, 4, e aí por diante, até quantos forem os candidatos de cada partido.

Por exemplo, se for apurado na legenda que o partido terá direito a eleger um deputado, só será eleito o número 1 da lista. Se, no entanto, tiver direito a eleger 20 deputados, os 20 primeiros da lista serão eleitos. E os seguintes aos primeiros 20 não serão eleitos.

Ou seja, reparem bem no engodo a que querem nos submeter: quem, afinal, escolherá os eleitos serão os partidos e não os eleitores. Vai acontecer, com isso, que nós vamos votar em determinados candidatos que no entanto não serão eleitos porque não estarão entre os primeiros da lista.

Quer dizer então que votaremos em um candidato e será eleito outro. Votaremos em Fulano e será eleito o Sicrano. E o Sicrano será aquele que o partido colocar na frente de sua lista.

Advirto os leitores: não entrem nessa fria!

Isso visa a apenas eternizar entre os eleitos os preferidos dos partidos, os escolhidos pelas corriolas para serem eleitos por serem os primeiros das listas.

Não entrem nessa fria.

Nada de voto em lista. Até vou adiante: é muito aconselhável que adotemos nessa tal de reforma política que estão engendrando uma ideia que está sendo apoiada pelo governador Tarso Genro: que seja possível aos eleitores votar em candidatos sem partido. Isso, sim, é uma boa ideia e temos de apoiá-la, ela acaba com o curral eleitoral e estende aos candidatos o direito de se candidatar sem passar pela peneira partidária, que muitas vezes exclui da lista dos partidos candidatos que tomariam o lugar dos apaniguados.

Grande ideia! Voto em lista, não esqueçam brasileiros, é um pega-ratão. É uma tramoia, um estratagema de alguns políticos para favorecer a nata partidária que domina as siglas.

Só o que faltava era agora o povo brasileiro se atirar a essas manifestações sublimes pelas ruas, só manchadas por uma minoria de vândalos e saqueadores, que se infiltram solertemente entre os legítimos manifestantes, para então recebermos essa bola nas costas denominada de voto em lista como “recompensa” para esse sacrifício.

O voto em lista é um cavalo de troia, pelo amor de Deus, não caiamos nessa esparrela.

E notem bem o truque: em todas as listagens sobre as modificações hipotéticas que poderão ocorrer com a reforma política, o voto em lista aparece em primeiro lugar.


É pega-ratão. Não caiam nessa! Não mordam esse queijo, pois assim ficarão presos na ratoeira.

30 de junho de 2013 | N° 17477
O CÓDIGO DAVID | DAVID COIMBRA

A mãe, o menino, a bola e o mar

A praia do Leme estava vazia de gente. A paisagem era feita apenas de sol ameno, areia morna e as ondas do mar que iam e vinham, iam e vinham. Só havia ali uma jovem mãe e seu filhinho de uns cinco anos de idade. Ela, de biquíni listrado, parada de pé, de costas para o oceano, as mãos à cintura, olhando para o menino.

O menino olhava para uma bola.

Uma goleira, que no Rio eles chamam de baliza, tinha sido plantada a alguns metros do menino e da bola. Havia uma bicicleta encostada na trave esquerda da goleira. O menino recuou alguns passos da bola, sempre olhando para ela. Como a mãe, também pôs as mãos à cintura.

Ia bater um pênalti.

A bicicleta apoiada na trave me inquietou. Pelo menos metade da bicicleta, uma grande bicicleta decerto usada pela mãe para levar o filho até a praia em pedaladas preguiçosas, pois pelo menos metade da bicicleta invadia a goleira. Se o menino chutasse para a esquerda, era grande a chance de acertar a bicicleta e não marcar o gol. Por que eles não apoiaram a bicicleta em outra coisa?

Mas não havia nada onde apoiá-la. Havia só a areia morna, o sol ameno e as ondas que iam e vinham. A bicicleta provavelmente não era dotada daquelas pequenas alavancas que deixam bicicletas de pé. Ou ficava encostada em uma das traves da goleira ou jazia ao chão, como que abandonada. Não, uma mãe ciosa não deixaria a bicicleta abandonada. Uma mãe não larga as coisas no chão. Assim, o risco de o menino errar o pênalti era real.

A mãe o observava, e não ria. O menino continuava com o olhar fixo na bola. E também não ria. Então, respirou fundo. Partiria para o chute. A mãe esticou o pescoço levemente para frente, supus que apreensiva.

Ele arrancou em direção à bola. Pela forma como enquadrou o corpo, percebi que era destro. Correu com a convicção de quem está acostumado a correr na areia. Correu, correu e parou. Fincou o pé esquerdo ao lado da bola e, com o direito, bateu de chapa, com o ossinho do lado de dentro, feito um Zico, e a bola alçou voo mais ou menos à altura da cabeça dele, e viajou, rápida e macia, para o canto certo, o canto direito, e aninhou-se no fundo da rede. Gol.

Gol! A mãe ergueu os braços e gritou:

– Gol! Ele saiu pulando e rindo, gritando: – Gol!

Buscou a bola no fundo da rede, enquanto a mãe lhe dava as costas e caminhava rumo ao mar. Ela parou e sentou-se na areia. O menino a alcançou e sentou-se ao lado dela, em cima da bola. E ficaram os dois olhando em silêncio para as ondas que iam e vinham, iam e vinham.

A vantagem do Brasil

Há um fator bastante favorável ao Brasil na decisão deste domingo. É o seguinte: nunca vi a Seleção Brasileira perder um jogo em que entra como zebra.

Nunca vi.

É claro que o melhor seria a Espanha ter goleado a Itália. Não foi assim, ao contrário, a Itália mostrou que cachorro grande sempre late grosso. A dureza do jogo semifinal faz com que a Espanha entre no Maracanã meio que sob suspeita, mas, mesmo com alguma dúvida, ela ainda é a favorita.

Pois esse favoritismo é o que pode fazer o Brasil crescer. Nunca houve, não há nem jamais haverá time no mundo que pise num campo de futebol sem temer o enfrentamento com a Seleção Brasileira.

O peixe

Na ponta da Praia do Leme existe o Caminho dos Pescadores. É um caminho esculpido na pedra do morro, que vai circundando a encosta e invade o mar. O parapeito é mínimo, coisa de meio metro de altura, algum incauto já deve ter desabado nas ondas lá embaixo, e aquelas são ondas ameaçadoras, arremetem nos recifes e rugem como leões na noite da savana.

Outro dia, vi uma pescadora puxar do mar um grande peixe, grande pelo menos para mim: era um peixe do tamanho de um cachorro, não sei de que tipo, eu que só conheço peixes quando eles vêm mortos, no prato, de preferência com molho bechamel.

Aquele peixe, de qualquer forma, era um belo exemplar de peixe. Uma magnífica criatura prateada e reluzente, um animal cheio de vigor, que parecia espantado por ter sido arrancado de seu meio. Ele arfava com ânsia de vida, respirava com gana e se debatia com tamanha teimosia que parecia ter esperança de salvação. Cheguei a pensar: vou ali, compro o peixe e o devolvo ao mar. Mas não o fiz.

Caminhei mais um pouco, até a ponta do Caminho dos Pescadores. Olhei para o Cristo lá adiante, atrás dos edifícios, atirei o olhar no oceano imenso, ouvi o bramido das ondas. E a imagem do peixe em agonia não me saía da cabeça. Voltei em direção à praia, esperando ver de novo a pescadora. E, de fato, lá estava ela, lá adiante. Estava agachada, lidando com algo posto no chão. Seria o peixe?

Apressei o passo. Fui me aproximando. Aproximando. Quando cheguei perto, vi que, realmente, ela segurava o peixe com uma mão e, com a outra, manuseava uma faca. Havia aberto a barriga do peixe e, enquanto trabalhava eviscerando-o, ria e conversava com outros pescadores. Fazia isso não com frieza; com naturalidade. Aquele peixe, tão ansioso de vida, morrera sem um olhar de piedade, sem qualquer ponderação.


Eu devia saber. O mundo não faz ponderações.
30 de junho de 2013 | N° 17477
CARO E INSUFICIENTE

A decadência do transporte público

Um relatório do poder público sobre o serviço de ônibus oferecido aos gaúchos mostra que, na Capital, a tarifa é cara (cresceu muito acima da inflação), a frota aumentou muito pouco nos últimos anos e o número de passageiros cai ano após ano. Resultado disso é um crescimento vertiginoso no índice de reclamações.

A percepção do porto-alegrense de que o transporte público se apequenou, com tarifa alta, serviço insuficiente e falta de qualidade, é confirmada pela exatidão indesmentível dos números. A começar pelo bolso de quem paga para andar de ônibus. A Capital pratica o segundo bilhete mais caro do país – há 10 anos oscilava entre a 12ª e a 14ª posição.

Não foi sem propósito que Porto Alegre efervesceu como o embrião dos protestos que eclodiram pelo Brasil contra a tarifa do transporte coletivo. Durante a vigência do real como moeda, de 1994 até o ano passado, a passagem de ônibus subiu duas vezes mais que a inflação. Foram 670,27% em tarifaços, enquanto o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) ficou em 299,61%.

Tarifa exagerada não significou, como se poderia imaginar, melhoria no atendimento. Dados da própria Empresa Pública de Transporte e Circulação (EPTC) apontam que cresceu o descontentamento dos passageiros. O total de reclamações, sobre os mais variados motivos, pulou de 7,9 mil (em 2004) para 20,2 mil (2011).

O estrilo é mais alarmante naquilo que inferniza a vida do usuário – a superlotação, o descumprimento de horários e os atrasos nas viagens. Em 2011, mais de 7,9 mil se queixaram destes itens, em um aumento de 430% em relação a 2004.

O que acontece em Porto Alegre não é isolado. O professor de Engenharia da Universidade de Brasília (UnB) Joaquim José de Aragão lamenta que a mobilidade urbana nunca frequentou a agenda dos governantes. Não como deveria. Diante da inépcia das autoridades, Aragão diz que os empresários assumiram o controle.

– Começaram a tomar o poder, a ponto de se tornarem planejadores. E, para eles, transporte bom é com ônibus cheio, e o passageiro que se vire – critica.

Outro indicativo da decadência no transporte público de Porto Alegre é a queda no número de passageiros. Nos últimos 15 anos, houve uma redução de 6,6 milhões de bilhetes, na média mensal. Em 1998, quando a Capital tinha 1,3 milhão de habitantes, eram 25,9 milhões de passagens por mês. Em 2012, com 1,4 milhão de habitantes, o movimento caiu para 19,3 milhões.

Várias causas explicam o esvaziamento. Uma delas é a melhor renda do brasileiro, que foi incentivado a comprar o automóvel ou a motocicleta. Para o professor do Laboratório de Sistemas de Transportes (Lastran) da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) João Fortini Albano, a motorização em massa gerou um desequilíbrio, o qual se refletiu na alta das tarifas.

– A redução da demanda pode ser a maior causa do aumento na passagem – observa Albano, lembrando que há menos clientes para ratear o custo do bilhete.

Se carros e motos invadiram as ruas, a frota de ônibus não acompanhou a expansão. Houve uma renovação – a idade média dos veículos é de quatro anos –, mas não a ampliação da oferta de assentos.

Mas como fazer com que as pessoas deixem o carro na garagem e peguem o ônibus? O diretor presidente da EPTC, Vanderlei Cappellari, diz que a estratégia é o investimento em outros tipos de transporte. A grande aposta é o projeto do metrô, de 25,8 quilômetros de extensão, que ligaria o Centro à Zona Norte.

Outra é o sistema BRT (na sigla em inglês, transporte rápido de ônibus). Em obras para a Copa de 2014, o BRT vai estender os atuais 55 quilômetros de corredores para 120 quilômetros. Na avaliação de Cappellari, quando o complexo estiver interligado e operando, o porto-alegrense terá o desejável para se mover.


nilson.mariano@zerohora.com.br
WALCYR CARRASCO

Fé e fofoca

Um dos meus livros prediletos é Os miseráveis, de Victor Hugo, do século XIX. Creio que um dos trabalhos mais apaixonantes da minha vida foi traduzi-lo e adaptá-lo para jovens. Uma das passagens mais marcantes, descrita em detalhes no original, fala do poder da fofoca.

Fantine é mãe solteira e deixou sua filha, a menina Cosette, aos cuidados de um casal, a certa distância da cidade onde se fixou. Trabalha como operária e envia quase tudo o que ganha para o sustento da menina. Só que não sabe ler e escrever. Recorre a um profissional para redigir suas cartas e ouvir as respostas.

As colegas de trabalho desconfiam. Para quem tantas cartas, afinal? Convencem o homem que as escreve não a revelar seu conteúdo – ele é discreto –, mas a fornecer o endereço para onde são enviadas. Uma delas, então, viaja às próprias custas para apurar a história. Volta com a satisfação de “saber de tudo”. Conta o que sabe para todas.

Estigmatizada numa época em que ser mãe solteira era uma desonra, Fantine briga com as outras. É demitida por moralismo. Acaba nas ruas como prostituta. Quem leu o livro, viu algum dos filmes ou versões teatrais inspirados na obra sabe que ela vende os dentes e cabelos para depois morrer tragicamente. Onde começou toda a sua via-crúcis? Na curiosidade sobre a vida alheia.

A fofoca é a base da tese da “cura gay”: maléfica, preconceituosa, com o poder de destruir vidas

Acredito que a fofoca é maléfica. É fundamentada no preconceito. Tem o poder de destruir vidas. Em sua primeira peça de teatro, em 1934, a escritora americana Lilian Hellman (1905-1984) aborda o tema. A peça, The children’s hour, foi sucesso na Broadway e ganhou versão cinematográfica com as estrelas da época, Audrey Hepburn e Shirley MacLaine. Aqui no Brasil, o filme ganhou o título de Infâmia. (Procurem, vale a pena ver.) Narra a história de duas mulheres, sócias fundadoras de uma escola infantil nos Estados Unidos. Uma aluna as acusa de ter uma relação homossexual. Não têm, de fato.

Mas a avó da garota espalha a fofoca na comunidade. Perdem os alunos, quebram financeiramente e, finalmente, uma delas se suicida. Histórias como essa são frequentes. No mundo artístico, encontro jovens que deixaram a cidade distante onde viviam, porque não suportavam mais os falatórios.

Certa vez, em visita à pequena Bernardino de Campos, interior de São Paulo, onde nasci, conversei com um rapaz de cabelos pintados de verde, num estilo meio punk, cuja família se mudara para lá. Fazia faculdade, mas queria voltar a São Paulo, onde trabalhava como motorista. Eu me espantei:

– Prefere o trânsito de São Paulo a terminar um curso universitário, ter uma carreira?
– Aqui, meu cabelo virou até notícia na rádio – respondeu ele.

Por que falo sobre tudo isso?

Sim, sei que a proposta de “cura gay”, do deputado Marco Feliciano, já foi muito comentada. Seria chover no molhado dizer quanto isso nos ridiculariza internacionalmente, já que a Organização Mundial da Saúde não classifica a homoafetividade como doença e, portanto, não se trata de algo a curar. Mas quero olhar a questão por outro ângulo. Todo esse movimento liderado por Feliciano, entre os evangélicos, e pela deputada Myrian Rios, como católica carismática, entre outros, não pode ser confundido com fé.

É uma enorme curiosidade pela vida alheia. Como fofoca transformada em questão política. Convivo com esse tipo de comportamento não é de hoje. Tenho uma tia que frequenta a igreja Assembleia de Deus.

Nunca corta os cabelos, devido a uma interpretação do Velho Testamento, em que eles são descritos como “véu da mulher” – embora nada proíba Feliciano de depilar as sobrancelhas. Adolescente, eu morava em Marília, interior de São Paulo. Uma jovem evangélica da Assembleia deixou de ser virgem. A fofoca se espalhou no templo. A moça foi expulsa publicamente da igreja. Não é o primeiro preceito cristão acolher os pecadores?

Normatizar a vida dos fiéis é exercer poder sobre eles. Esse poder é exercido pela fofoca entre os membros da comunidade religiosa, que passam a controlar o comportamento uns dos outros. Trazer esse tema, da igreja, para a política, é um acinte para a sociedade. Quanto mais se fala em “cura gay”, mais cresce o preconceito. E o preconceito estimula a fofoca, o controle sobre o comportamento alheio. É um risco para quem acredita nas liberdades individuais. Inevitavelmente surgirão novas vítimas, como a Fantine de Victor Hugo.



29 de junho de 2013 | N° 17476
NILSON SOUZA

Cartazes com crases

Depois que os velhos começaram a entrar no Facebook, os jovens saíram para as ruas. Digo isso por mim: não paro de receber pedidos de confirmação de amizade de gente da minha idade. Em breve, tomaremos conta desse brinquedinho inventado pelo tal Zuckerberg, que no ano que vem passará para o nosso lado. Vai fazer 30 anos, a fronteira da confiabilidade. Pelo menos é o que dizia uma frase emblemática dos meus tempos de juventude, imortalizada na canção de Marcos Valle, este prestes a completar 70:

– Não confie em ninguém com mais de 30 anos.

Força, portanto, para os que ainda não chegaram lá. É animador ver a garotada envolvida com os problemas do país. Quem não se emociona ao ver tantos rostos adolescentes semiencobertos pelas máscaras da insatisfação, ou pintados de verde e amarelo, gritando por mudanças?

Para ingressar no novo mundo da consciência social, muitos levaram com eles a mesma estratégia da comunicação digital que utilizam cotidianamente. Todos querem ser vistos e ter suas mensagens comentadas. Embora o romantismo inicial já comece a ser substituído pela realidade, pelas manipulações político-ideológicas, pela violência e até pelo desencanto, ainda acredito que muita coisa boa ficará desta surpreendente revolução comandada pelo anonimato coletivo das redes sociais.

Uma delas é a reafirmação da língua portuguesa. Achávamos que a garotada só se comunicava em internetês, com palavras abreviadas e uso confuso dos símbolos gráficos do idioma. De repente, começaram a surgir cartazes com mensagens bem escritas e bem-humoradas, com verbo, predicado e complemento (como se dizia antigamente), com vírgulas no lugar certo e até com crases apropriadas.

A parte mais empolgante das manifestações, para mim, era aquele momento em que meninos e meninas chegavam cedo ao local da concentração munidos de cartolinas e canetas coloridas para redigir suas mensagens em praça pública. Muitos faziam esse trabalho em casa, pesquisando poesias, trechos do Hino Nacional ou frases de artistas e pensadores célebres. Só nisso já tivemos um ganho cultural incomensurável.


Pena que agora já comecem a prevalecer faixas e cartazes impressos em gráficas, reproduzidos em série, expressão inequívoca de grupos organizados que tentam pegar carona na espontaneidade da juventude. Dê no que der, porém, aqueles primeiros cartazes ficarão como registro dessa energia criativa que surpreendeu o país e o mundo. Em bom português.

29 de junho de 2013 | N° 17476
PAULO SANT’ANA

O novo restaurante

O sofrimento virou meu modo de viver. Piada colhida na internet: “Se a ‘cura gay’ depender do SUS, o povo vai morrer veado”. Pergunto aos leitores de Zero Hora: não notaram que o jornal melhorou de 45 dias para cá? Eu notei essa visível melhora nos textos, na diagramação das páginas, nos títulos.

Tentei vasculhar as causas dessa melhora. E, como faz exatamente 45 dias que foi inaugurado o novo restaurante da RBS, só posso atribuir a isso a melhor qualidade de ZH no último mês e meio.

Nosso novo restaurante é amplo, um ambiente arejado e limpíssimo, dotado de mobiliário moderno, os diretores se misturam aos funcionários nas mesas, o cardápio sofreu modificações para melhor, maior variedade nos pratos, tudo isso servido aos funcionários ao preço em redor dos R$ 2, imaginem que barbada.

Um funcionário de ZH procurou o também novo presidente da RBS, Eduardo Melzer, e solicitou-lhe o seguinte: “Presidente, se por acaso um dia o senhor me demitir de ZH, permita que eu continue a fazer minhas refeições no novo restaurante. Ah, ia me esquecendo: demita-me, mas mantenha também o meu seguro-saúde pago pela empresa. Serei o desempregado mais feliz e amparado do mundo”.

O presidente sorriu com a brincadeira.

Além de tudo isso, é de se ressaltar a gentileza extrema dos funcionários do restaurante, que assistem os convivas em todos os seus passos de escolhas de pratos, sucos e sobremesas, uma festa a cada almoço ou janta que se desfruta, visivelmente os servidores do novo restaurante foram treinados para serem gentis.

Reconheçamos que a RBS, assim, presta relevante serviço social e trabalhista. Dá gosto trabalhar numa empresa como esta. E são cerca de 1,5 mil funcionários da RBS que desfrutam dessa mordomia.

Além disso, é inteligente a medida da direção da RBS: sem dúvida que, assim tratados, os funcionários produzem mais e melhor em suas tarefas.


Descobri um fato extraordinário a respeito disso que estou falando: é que encontrei esses dias no novo restaurante o Adroaldo Guerra Filho. E perguntei a ele se não estava de férias. Ele disse que sim, mas que vinha durante todos os dias de férias fazer as refeições no novo restaurante da empresa. E disparou: “Só porque estou de férias, não quer dizer que deixei de ser funcionário. Não vou perder uma barbada dessas”. Outra coisa: os que estão em férias acham que comem melhor, nas férias, no nosso restaurante. Que coisa, hein seu Nelson Sirotsky? Viu o que o senhor arrumou para nós?

29 de junho de 2013 | N° 17476
DAVID COIMBRA

Sorte grande

Ovendedor de loteria ofereceu-me um bilhete na calçada de Copacabana. Recusei num menear de cabeça, e ele tentou o velho truque, e foi como se recuasse no tempo.

O truque é tão pueril que chega a comover: o vendedor simplesmente deixa um bilhete cair da mão, como se fosse distração, e vira-se, já indo embora. A ideia é que você, para quem ele ofereceu o bilhete, agache-se e junte o caído para devolvê-lo ao vendedor. Então, ele exclama:

– É a sorte que está procurando por você! Este bilhete é seu! Ele quer ficar com você!

Se você diz que não quer comprar e insiste em devolvê-lo, ele não aceita:

– É seu! É seu! Pode ficar com ele de graça. Não se brinca com a sorte. Você vai ficar rico. Rico!

Aí você se comove e não apenas paga pelo bilhete erguido do solo como compra os outros pedaços.

Não chega a ser um golpe, é mais um truque, e é antiquíssimo. Por isso recuei no tempo vendo aquele bilhete fazer volutas no ar, como uma folha seca despegada da árvore. Porque lembrei de um dia em que, menino, andava por uma rua de Porto Alegre de mão com meu avô.

Na nossa frente, um vendedor de loteria fez o mesmo gesto do vendedor de Copacabana, oferecendo-nos o que na época se chamava Sorte Grande, e meu avô, como eu, recusou num balançar de cabeça, e o bilhete se soltou da mão do vendedor e aterrissou suavemente na calçada. Então, meu avô fez algo que jamais esperaria dele: não se abaixou para colher o bilhete, apenas apontou-o com o bico do sapato e avisou:

– Teu bilhete.

E saiu andando, puxando-me pela mão. Perguntei por que ele fizera assim, ele que era sempre tão gentil com todos, e ele:

– É golpe, é golpe.

Fiquei muito apreensivo por ter sido uma quase vítima de golpe. Olhei para o vendedor, reconhecendo nele um terrível vigarista, e até tive medo, e talvez tenha sugerido ao meu avô que chamássemos a polícia, algo do gênero. Mas, agora, vendo o vendedor carioca repetir um truque tão antigo e singelo, pensei que isso só poderia acontecer aqui, nesse bairro envelhecido do Rio, que é Copacabana, e até senti simpatia pelo sujeito. Parei de caminhar e olhei para ele.

Era parecido com o vendedor de loteria da minha infância. Podia se o mesmo homem, com o mesmo bigode, a mesma postura de apoiar o corpo num pé só, o mesmo ar solícito. Lembrei do meu avô. Deu-me uma nostalgia, uma saudade. O vendedor sorriu para mim, esticando o braço com o bilhete.

– É seu! – dizia. – É seu!

A Sorte Grande. Tantos anos depois. A Sorte Grande. Quem sabe não era um sinal? Quem sabe eu, agora, devesse fazer o que meu avô não fez, e enriqueceria, como ele não enriqueceu? A Sorte Grande nos surgiu uma vez, mesmo que em forma de engodo, e agora surgia de novo, chamando: vem. Por que não? Ou quem sabe eu devesse comprar apenas em homenagem ao meu avô? Em homenagem a um passado revivido por um segundo.

– É seu! – ele repetia, abrindo ainda mais o sorriso.

Era um sorriso fácil. Fácil demais. Que levou-me a pensar que meu avô era um descrente, um homem que não confiava em sinais do acaso, um devoto da razão e, tal qual ele faria e fez um dia, retomei o meu caminho, não sem antes dizer para o vendedor:

– É teu. 

Os grandes

Existem quatro seleções que são sempre favoritas, em qualquer competição que entrem, em qualquer jogo que disputem, mesmo que estejam em péssima fase, mesmo que os adversários estejam em ótima fase. São elas:

Brasil ..Argentina ..Alemanha e Itália.

Essas quatro seleções são como os 12 grandes times do Brasil. Nenhum outro time do mundo, nem Barcelona, nem Real, nem Bayern, nem Milan, nenhum haverá de enfrentar esses 12 grandes com certeza de que vai vencer. Esses 12 grandes, qualquer um deles, podem ganhar tudo o que disputarem, até o Botafogo pode.

O que quero dizer com isso é que a Espanha é melhor time, sim, mas o Brasil tem boa chance de vencer. A Espanha não tem um Neymar. Xavi e Iniesta são craques, mas são de natureza diferente.


São craques da bola curta, daquilo que os argentinos chamam de enganche no meio-campo. A Espanha precisa produzir um futebol de alta qualidade coletiva para marcar gol; o Brasil, não. O Brasil é capaz de marcar num lampejo, num lance único do jogador único. Como único será o jogo de amanhã, no Maracanã.

29 de junho de 2013 | N° 17476
CLÁUDIA LAITANO

Corra, camarada

Um dos cartazes mais simpáticos das passeatas dos últimos dias era carregado por um pequeno grupo de senhores calvos e barrigudinhos: “Os jovens de 1968 apoiam os jovens de 2013¨.

1968 não é uma data, mas um emblema com mais de um significado. O 68 do cartaz provavelmente é o do combate à ditadura brasileira, o da passeata dos 100 mil, o do melancólico dezembro do AI-5. O Junho de 2013 brasileiro, porém, talvez se aproxime mais do Maio de 68 da França democrática – uma insurreição popular que saiu do controle dos partidos e acabou superando barreiras de idade, de classe e de coloração política.

O movimento francês começou com greves de estudantes, se fortaleceu com a repressão policial e acabou absorvendo causas diversas. Como hoje, havia um clamor por “mudança de valores”.

Cartazes com ideias novas sobre família, sexo, educação e trabalho antecipavam muitas das mudanças de comportamento que seriam assimiladas nos anos seguintes em boa parte das democracias ocidentais. Havia insatisfação política, evidentemente, mas o que eclodiu em 1968 foi menos o tradicional conflito entre esquerda e direita do que o simples e belo desbunde generalizado.

O 2013 brasileiro e o que vem acontecendo, desde 2008, em países tão diferentes quanto Islândia, Egito, Espanha e Estados Unidos, por diferentes motivos, têm em comum a forma como os movimentos se articularam na rede antes de chegarem à rua. Como aconteceu com o Maio de 68, o futuro deve se encarregar de confirmar o quanto esses movimentos apontam para alguma espécie de tendência global – como a revolução dos costumes dos anos 60 foi de certa forma anunciada pelas revoltas de Paris.

Desde já, cotejar as insatisfações dessas duas gerações de manifestantes, os baby-boomers de 68 e a Geração Y dos anos 2010, pode ser revelador. Nos anos 60, era o desejo que pedia passagem nos slogans da rua (“As reservas impostas ao prazer excitam o prazer de viver sem reserva”). Os jovens viam no professor, no pai, no patrão figuras que se colocavam entre eles e o cabelo comprido, o rock, o sexo sem compromisso.

Nos anos 2010, o professor, o pai e mesmo o patrão se sentem coagidos a partilhar da visão de mundo dos jovens em vários aspectos. Seus pais (avós?) ganharam essa parada por eles: adultos não são o inimigo. (Slogan de Maio de 1968: “Professores, vocês fazem-nos envelhecer”. Slogan de Junho de 2013: “Professor, eu desejo a você o salário de um deputado e o prestígio de um jogador”.)

O que esses garotos querem se já podem quase tudo? Palpite: transferir para a esfera pública o poder a que se acostumaram na esfera privada, espanar as teias de aranha da democracia e, se possível, reinventar a pólis como outras gerações reinventaram a família e o trabalho.

“Corra, camarada, o velho mundo está atrás de você.” 1968 ou 2013? Tanto faz.


sexta-feira, 28 de junho de 2013

CHEGA - Não é pelos vinte centavos

Ernesto Cortazar - When The Waves Dance

Ernesto Cortázar  -Aurora


Ernesto Cortazar - You Changed My Life ( HD )
Jaime Cimenti

O Brasil no divã

Escrevo estas linhas na segunda-feira, dia 24, à tarde, esperando que à noite haja fogueiras só de São João. Sei que os protestos que ocorreram pelo Brasil falam de cinco ou seis reivindicações principais e de dezenas de outras, e, claro, a gente sente que ainda é cedo para saber no que vai dar esse movimento que semana passada colocou um milhão de pessoas nas ruas do País.

Difícil, temerário falar sobre algo desse tipo, tamanho e em andamento. Mais: em velocidade tão rápida. As autoridades públicas e os eleitores ainda procuram entender tudo o que está acontecendo e buscam palavras e atos adequados para interromper o silêncio e a estupefação.

Depois dos movimentos do período militar, das Diretas Já! e do impeachment de Collor, evoluímos nos costumes, na democracia e na economia. É certo que precisamos de reavaliações e novos rumos.  Normal. O século XX foi marcado por muitas e rápidas mudanças, muito bem analisadas e descritas na obra Choque do futuro, do norte-americano Alvin Toffler. O século XXI parece ainda mais rápido, digital, instantâneo.

O melhor é esperar por manifestações e soluções legais, democráticas, serenas e pacíficas. O melhor para todos é esperar pelo melhor e procurar agir para que isso aconteça. Os brasileiros sempre foram profissionais da esperança e nossas tradições históricas demonstram, felizmente, poucas guerras e conflitos. Precisamos nos apoiar no que temos de bom, nas nossas qualidades, e seguir adiante, como em qualquer processo terapêutico bem-sucedido.

O caminho da democracia nunca foi fácil, tem seus problemas, a História mostra, todo mundo sabe, mas, como disse alguém, é o caminho menos ruim. Acho que eu e todas as torcidas, de todos os times, estamos torcendo para o melhor resultado.

Os que se aproveitam indevidamente do poder e que prejudicam os verdadeiros interesses nacionais certamente estão atentos a tudo que está acontecendo e é de se esperar que boas mudanças aconteçam. Nós e o Brasil merecemos e acredito que vamos trabalhar para isso.

Jaime Cimenti