sábado, 15 de setembro de 2012



15 de setembro de 2012 | N° 17193
ARTIGOS - Hilda Hübner Flores*

Elas testemunharam...

Todos os anos comemoramos com ufania a Revolução Farroupilha sem nos determos no fato de que ela foi, na verdade, uma longa e cruel guerra civil que arrasou a economia da província, desestruturou comunidades e enlutou famílias. Asseguram-no a imprensa da época, depoimentos no Processo dos Farrapos e o das intelectuais Nísia Floresta e Ana de Barandas.

A nordestina Nísia Floresta residia em Porto Alegre desde 1833. Exalta a simetria de rosas e cravos a ornar a entrada das chácaras circundantes da Capital, onde abundam o aveludado pêssego, o saboroso damasco, a rubra maçã, a roxa cereja e a linda amora; vinhas pendentes esperam pelo outono para maturarem. Até 1835, escreve, “este delicioso país oferecia tudo quanto o homem pode desejar sobre a terra, paz, abundância, simpleza e um clima sadio”.

A comprovar essa fartura, o jornal Recopilador Liberal, em agosto de 1835, repete ofertas de sementes e frutíferas nativas da Europa e Estados Unidos: parreiras, pessegueiros, pavio colorado, São Jorge, nectário de ouro; pera roial, bergamota da Holanda e da Inglaterra, pera de livra, maçã vermelha e outras; rosas, robínias, dálias, gerânios, noz gales, olivas, nésporas, sementes de hortaliças – mais de 500 espécies a enriquecer o cotidiano da mesa dos moradores.

Com a invasão farroupilha a Porto Alegre, em 20 de setembro, a população refugiou-se nas ilhas do Guaíba. Retomada a Capital, em junho de 1836, a população voltou, em busca da segurança intramuros, reforçada com as 16 fortificações municiadas.

O abastecimento procedente das chácaras e os mantimentos da colônia de São Leopoldo foram cortados pelos farroupilhas; o das ilhas mostrava-se insuficiente. Faltavam carne, cereais e gêneros... Então, os senhores deputados abonaram seis contos de réis para compra de provisões, que os 1,4 mil moradores consumiram em um mês e meio. Para agravar, uma epidemia devastou a população, catástrofe comum nos verões daquela época, sem coleta de lixo e medidas de higiene poucas.

Quem pôde exilou-se no Rio de Janeiro, como Nísia Floresta que aí abriu escola; a poeta cega Delfina da Cunha; o abastado comerciante Lopo Gonçalves; o professor Pereira Coruja, autor da primeira gramática portuguesa no Brasil; o cirurgião Barandas.

Foi no exílio do Rio que Ana de Barandas, nossa primeira cronista, lamentou a destruição de seu sítio natal, no hoje Passo d’Areia, chácara onde os revolucionários arrasaram habitações, olaria, atafona, engenho, o abrigo dos animais, dois parreirais, 200 laranjeiras, horta e pomar... “Lugar favorito das Musas” com seus harmoniosos saraus familiares, Belmonte ficou reduzido a mero esqueleto, lamenta a cronista. Bosques e prados agredidos pelo lúgubre estrondo dos canhões, virou lugar árido e pestilento, onde “o irmão aguarda pelo irmão para desapiedadamente tirar-lhe a vida”.

*HISTORIADORA

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