
Como o mundo chegou a essa guerra?
EUA e Irã, país atacado com a mais potente bomba americana - com exceção das nucleares -, nem sempre foram inimigos. O ponto de inflexão foi a Revolução Islâmica, em 1979, quando o xá Mohammad Reza Pahlavi, aliado estratégico do Ocidente, foi deposto por uma revolta liderada pelo aiatolá Ruhollah Khomeini. O mundo vivia a Guerra Fria, e o contexto da época só pode ser compreendido dentro dessa lógica: o Irã, embora não comunista, passou a se alinhar politicamente de forma autônoma e antiocidental, o que alarmou os EUA.
Além disso, emergia como uma República Islâmica xiita, num Oriente Médio dominado por sunitas, como a Arábia Saudita. A rivalidade entre Irã e sauditas daria início a uma espécie de Guerra Fria regional, que perdura até hoje.
Um dos episódios mais tensos foi a crise dos reféns, quando iranianos invadiram a embaixada dos EUA em Teerã, mantendo 52 americanos como reféns por 444 dias - o que levou à ruptura oficial da diplomacia entre os países. Ainda no contexto da Guerra Fria, e sob a lógica de que "o inimigo do meu inimigo é meu amigo", os EUA apoiaram tacitamente Saddam Hussein na Guerra Irã-Iraque (1980-1988). Ironia: Saddam, o aliado de então, viraria o vilão dos anos 2000, sendo deposto e executado com o apoio de Washington.
Essa história, porém, está longe de ser linear - e menos ainda coerente. Em 1986, durante o governo Ronald Reagan, os EUA venderam armas secretamente ao Irã, apesar das sanções vigentes, usando os recursos para financiar guerrilheiros anticomunistas na Nicarágua, no escândalo conhecido como Irã-Contras. Nos anos 1990 e 2000, houve um recrudescimento da política americana: o Irã foi classificado como Estado patrocinador do terrorismo, recebeu duras sanções e foi isolado internacionalmente. Após os atentados de 11 de setembro de 2001, George W. Bush incluiu o Irã no chamado "Eixo do Mal".
Curiosamente, a Al-Qaeda, autora dos ataques, nada tinha a ver com o Irã (xiita) ou o Iraque (laico), mas sim com o radicalismo sunita. Sob o comando dos aiatolás - hoje representados por Ali Khamenei, o regime iraniano mantém como objetivo declarado a destruição do Estado de Israel. Por isso, é considerado por Tel Aviv como a cabeça do "Eixo da Resistência", uma aliança assimétrica que inclui grupos como o Hamas (em Gaza), o Hezbollah (no Líbano) e os Houthis (no Iêmen). Todos recebem apoio militar e financeiro do Irã, e são classificados como terroristas.
A controvérsia sobre o programa nuclear iraniano é menos antiga, mas não menos explosiva. Em 2006, a Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) apontou evidências de atividades nucleares não declaradas pelo regime - levantando a suspeita de enriquecimento de urânio para fins militares. Em 2015, no governo Obama, foi firmado o Acordo Nuclear, em que o Irã se comprometia a não ultrapassar os níveis de que permitiriam produzir uma bomba.
Quando assumiu, Trump abandonou o acordo e retomou a política de "pressão máxima", impondo sanções e intensificando o confronto com Teerã. O alinhamento ideológico com Benjamin Netanyahu acentuou o desgaste. Em 2020, os EUA ordenaram a eliminação de Qasem Soleimani, general iraniano de alto escalão.
O massacre de 7 de outubro de 2023, perpetrado pelo Hamas contra civis israelenses, tornou-se um novo ponto de inflexão. Em resposta, Israel bombardeou Gaza, atacou o Hezbollah e caçou líderes iranianos. Com o agravamento das tensões e novos relatórios da AIEA indicando que o Irã estaria adquirindo capacidade nuclear, Israel decidiu avançar numa estratégia de ataque preventivo. Mas, para alcançar Fordow - a instalação de enriquecimento de urânio -, era necessário o poder de destruição de uma bomba que apenas os Estados Unidos dispõem: a Massive Ordnance Penetrator, a mais potente bomba antibunker não nuclear já construída. _
Trump e a cartada de altíssimo risco
Há dias cogitava-se que só os americanos poderiam atingir Fordow. Os sinais de que ingressariam na guerra foram dados ao longo da semana. Mas o alerta definitivo veio no sábado, quando seis B-2 decolaram do território americano rumo ao Pacífico. No meio do trajeto, foram reabastecidos, o que indicava que portando a superbomba.
Há, a partir de agora, um risco alto para americanos na região. O Irã pode provocar danos em alvos como bases militares, embaixadas e consulados.
Do ponto de vista geopolítico, Trump também lançou mão de uma cartada arriscada: não só porque foi uma ação unilateral, sem o apoio dos aliados europeus, mas principalmente porque, se o Irã dobrar a aposta, um capítulo mais sombrio poderá se abrir no Oriente Médio. O que virá depois que os EUA usaram sua mais poderosa bomba, com exceção da nuclear?
Nenhum comentário:
Postar um comentário