sábado, 30 de outubro de 2021

30 DE OUTUBRO DE 2021
LYA LUFT

Chegar em casa

Estar em casa: depois de mais uma estada de alguns dias no Moinhos, mais uma volta para casa.

Me disse uma amiga que, em geral, chegar em casa, mesmo depois de uma viagem deslumbrante, provoca sentimentos ou exclamações como "nada melhor do que a casa da gente!".

Não é bem verdade, mesmo em casas felizes são momentos, memórias ou fantasias. Um cálice de vinho na piazza em Veneza não é pior do que o espumante na sacada de casa, mas certamente há a sensação de enfim chegar de volta a um lugar talvez definitivo, aconchegos de longo tempo, lembranças boas - que às vezes a gente tem de mandar para o diabo.

Nessas noites no hospital, às vezes meio adormecida, eu acariciava a coberta macia e, por um instante, jurei que era o doce pelo de minha lulu Penélope.

Imitando Mario, direi que minha casa deve estar dentro de mim. Muito poético.

Muitas vezes nem sei quem é essa aqui dentro, tantas vezes conflitada, cansada, doente, impaciente.

Mas estar encolhida sob as cobertas com chuva e ventania lá fora não tem preço: é como chegar em casa depois de um triste exílio.

LYA LUFT

30 DE OUTUBRO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

Sua estupidez, Brasil

Meu bem, meu bem, você tem que acreditar em mim... Estou apelando para Roberto Carlos, quem sabe ele me ajuda a dar uma cantada nessa pátria borocoxô. A pandemia nos entortou. Ninguém imaginaria que um ciclone viral se atravessaria na nossa história, nos atingindo a caminho do altar, da formatura, do aeroporto. De repente, tudo mudou. Adeus, liberdade para sair de casa a qualquer hora, abraçar desconhecidos, dividir o mesmo balcão do bar. Logo nós, célebres pela camaradagem e irreverência, viramos ursos hibernando no inverno e no verão, grudados 24 horas nas redes sociais. Teve que ser assim, mas agora, vacinados e retomando aos poucos a vida que a gente tinha, começamos a olhar para os lados e a contabilizar o estrago, como sobreviventes que saem lentamente de um bunker. Todo mundo perdeu alguém ou alguma coisa, quem é que venceu? A estupidez.

Ninguém pode destruir assim um grande amor... Mas aconteceu. Mesmo sendo uma nação fragmentada pela desigualdade social, o bom trato nos unia: ser afável não era a exceção, e sim a regra. Havia oposições, discordâncias, mas a bandeira do país era de todos. Torcidas brigavam, às vezes a flauta passava do ponto, mas não havia esse climão, essa brutalidade que não é espontânea, e sim estimulada.

Não dê ouvidos à maldade alheia, e creia... A despeito de tantos problemas, o alto-astral era nosso cartão de visitas, lembra? Chegava a ser difícil explicar como havia tanta gente risonha em meio a tanta carência, mas era fato: o ar não pesava. Mesmo na corda bamba, matando um leão por dia, todo brasileiro tinha no DNA o gene da bossa. Terra de gente divertida, de explosão de ritmos, de erotismo sem culpa. Sempre fui muito crítica ao país, mas nunca desdenhei da nossa alegria, da nossa extraordinária natureza e da nossa arte, três grandes motivos de orgulho. E que agora estão aí, desbotados, minguando.

Quantas vezes eu tentei falar, que no mundo não há mais lugar, pra quem toma decisões na vida, sem pensar... Minha voz é apenas mais uma entre diversos brasileiros que estão todos os dias escrevendo, debatendo, postando notícias com fonte segura, refletindo com seriedade sobre o país, trazendo à tona nossa história e ancestralidade, valorizando mais do que nunca o conhecimento, as pesquisas científicas e as crenças espirituais voltadas para o acolhimento sem exclusão. O material da casa é farto e está à disposição de quem deseja se aprofundar, enquanto o mundo, lá fora, observa espantado esse Brasil que em tão pouco tempo trocou o violão pelo fuzil, a simpatia pelo desaforo.

Sua estupidez não lhe deixa ver... que ainda te amamos, Brasil, ou não estaríamos insistindo tanto para você acordar desse pesadelo e voltar à sua luminosidade original.

MARTHA MEDEIROS 


30 DE OUTUBRO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Que que é isso, minha gente?

Foi um estranhamento na primeira vez em que ouvi. Uma mulher narrando futebol na televisão, sério? Pessoalmente, gostei, tanto quanto gosto quando a Edina é a juíza das partidas ou quando as bandeirinhas dividem o gramado com seus colegas de pernas mais peludas.

Achei a voz da Renata Silveira bonita e acolhedora, gostei do timing - como se diz em português - da narração, das opiniões pertinentes. Passei a prestar atenção nos jogos narrados por ela e ouvi também a Isabelly Morais. As outras narradoras, mil perdões, ainda não conheço.

Por tudo isso, também estranhei quando soube que muitos telespectadores reclamam quando uma narradora é escalada para transmitir os jogos dos seus times. O post de alguém sobre o assunto transbordou o pote até aqui de mágoa, e de preconceito, e de grosseria, e de machismo, sobre a entrada das mulheres no seleto clube dos narradores. Disse o vivente: quem inventou que mulher sabe narrar futebol?

Abaixo, alguns comentários que selecionei entre os que apoiaram a manifestação pouco polida, para dizer o mínimo, do sujeito.

"A voz delas é irritante."

Quase chego a ouvir a voz de quem escreveu isso, uma voz meio fina, alta demais, voz de contar bravata entre amigos no posto de gasolina. As vozes das narradoras são música perto desse quadro auditivo do inferno.

"Elas nem sabem o que estão narrando!"

Sem medo de errar, diria que esse é um típico praticante do mansplaining - a prática masculina de explicar qualquer assunto para as mulheres em tom professoral, como se elas não soubessem nada de nada. O pior é que boa parte do conhecimento desse personagem dos nossos dias é adquirido na Universidade do Zap Zap.

"Elas gritam muito!"

Como é que é? Às vezes parece que o Galvão vai sofrer um colapso, de tanto que berra. Ou que o Pedro Ernesto vai ter uma síncope, fora todos os outros que deixam a laringe colada no microfone depois da transmissão. Aí o pessoal diz, na cara dura, que as narradoras gritam? É aquela coisa, para esculhambar não precisa de argumento, basta uma conta no Facebook.

"Quando é mulher narrando, eu já sei que o meu time vai perder."

Não, amigo. Teu time vai perder porque é pior do que o adversário, ou porque está em crise, ou porque é mal treinado, ou porque faltou sorte, ou tudo isso junto. Certamente a narradora não tem nada a ver com a tua desgraça.

O mais incompreensível, na minha opinião corporativista, é quando as próprias mulheres pegam carona no preconceito. Tomara que case com um jogador e pare de trabalhar, disse uma telespectadora para os KKKKKKK de seus pares. Aí tu me quebra as pernas, querida.

Que fique claro: ninguém é obrigado a gostar da narração feminina. Só espanta que tantos se incomodem a ponto de querer acabar com ela. Que que é isso, minha gente? As gurias são profissionais, preparadas, sabe-se lá o quanto ralaram para chegar na sua sala. Fácil não deve ter sido, ou não teríamos só três ou quatro narradoras em atividade.

CLAUDIA TAJES

30 DE OUTUBRO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Que que é isso, minha gente?

Foi um estranhamento na primeira vez em que ouvi. Uma mulher narrando futebol na televisão, sério? Pessoalmente, gostei, tanto quanto gosto quando a Edina é a juíza das partidas ou quando as bandeirinhas dividem o gramado com seus colegas de pernas mais peludas.

Achei a voz da Renata Silveira bonita e acolhedora, gostei do timing - como se diz em português - da narração, das opiniões pertinentes. Passei a prestar atenção nos jogos narrados por ela e ouvi também a Isabelly Morais. As outras narradoras, mil perdões, ainda não conheço.

Por tudo isso, também estranhei quando soube que muitos telespectadores reclamam quando uma narradora é escalada para transmitir os jogos dos seus times. O post de alguém sobre o assunto transbordou o pote até aqui de mágoa, e de preconceito, e de grosseria, e de machismo, sobre a entrada das mulheres no seleto clube dos narradores. Disse o vivente: quem inventou que mulher sabe narrar futebol?

Abaixo, alguns comentários que selecionei entre os que apoiaram a manifestação pouco polida, para dizer o mínimo, do sujeito.

"A voz delas é irritante."

Quase chego a ouvir a voz de quem escreveu isso, uma voz meio fina, alta demais, voz de contar bravata entre amigos no posto de gasolina. As vozes das narradoras são música perto desse quadro auditivo do inferno.

"Elas nem sabem o que estão narrando!"

Sem medo de errar, diria que esse é um típico praticante do mansplaining - a prática masculina de explicar qualquer assunto para as mulheres em tom professoral, como se elas não soubessem nada de nada. O pior é que boa parte do conhecimento desse personagem dos nossos dias é adquirido na Universidade do Zap Zap.

"Elas gritam muito!"

Como é que é? Às vezes parece que o Galvão vai sofrer um colapso, de tanto que berra. Ou que o Pedro Ernesto vai ter uma síncope, fora todos os outros que deixam a laringe colada no microfone depois da transmissão. Aí o pessoal diz, na cara dura, que as narradoras gritam? É aquela coisa, para esculhambar não precisa de argumento, basta uma conta no Facebook.

"Quando é mulher narrando, eu já sei que o meu time vai perder."

Não, amigo. Teu time vai perder porque é pior do que o adversário, ou porque está em crise, ou porque é mal treinado, ou porque faltou sorte, ou tudo isso junto. Certamente a narradora não tem nada a ver com a tua desgraça.

O mais incompreensível, na minha opinião corporativista, é quando as próprias mulheres pegam carona no preconceito. Tomara que case com um jogador e pare de trabalhar, disse uma telespectadora para os KKKKKKK de seus pares. Aí tu me quebra as pernas, querida.

Que fique claro: ninguém é obrigado a gostar da narração feminina. Só espanta que tantos se incomodem a ponto de querer acabar com ela. Que que é isso, minha gente? As gurias são profissionais, preparadas, sabe-se lá o quanto ralaram para chegar na sua sala. Fácil não deve ter sido, ou não teríamos só três ou quatro narradoras em atividade.

CLAUDIA TAJES

30 DE OUTUBRO DE 2021
LEANDRO KARNAL

Era um ritual. Todo fim de tarde, ela pegava uma taça de vinho e subia ao teto do prédio onde era síndica. Despontava uma forma litúrgica. Tinha 68 anos, era aposentada e vivia com certo conforto naquele prédio há quase três décadas. Tinha sido eleita, reeleita várias vezes e, tudo indicava, ficaria mais alguns anos no cargo de síndica. Amava a função. Encontrara nela uma ocupação para seus dias maduros. Ser síndica surgira ao acaso e virara algo que a deleitava muito. Tinha uma vocação absoluta para a função.

Sheila acompanhava a troca de funcionários pelas 6h da manhã. Dava instruções aos que chegavam. Ia comprar produtos e pesquisava muito. O valor do condomínio tinha diminuído sob sua administração. Negociava obras de forma exaustiva. Participava de convenções para condomínios em São Paulo, onde era informada dos fornecedores mais baratos e mais modernos de cada item daquela comunidade. Era eficaz, direta e muito zelosa. Um sonho de síndica!

A função era um serviço, claro, porém Sheila se apaixonou pelo poder que vinha com o cargo. Tinha ascendência sobre 48 apartamentos, 106 moradores, quatro funcionários fixos e uma empresa de limpeza terceirizada. Ela era o topo daquela pirâmide, a orca sobre pequenas focas e sobre o minúsculo plâncton.

Claro, era uma função desafiadora. Apaziguava brigas, determinava volume de som em festas, mandava cartinhas educadas e firmes aos rebentos mais rebeldes dos moradores. Usava de todos os recursos, para que todos continuassem em harmonia e disciplinados. Por vezes, relembrava as regras do condomínio, era boa em mostrar a lei da mesma forma que dava conselhos ou ofertava um bolinho junto com um cartão. Usava, em casos mais raros, a ameaça velada. Multiplicava o elogio público como exemplo a ser seguido. Ali havia médicos, engenheiros, professores, advogadas, administradoras, jornalistas, aposentados e exatos 16 crianças e 12 adolescentes. Havia muitas pessoas importantes, porém apenas uma Sheila! E ela, que nem faculdade tinha, desfilava pelos corredores como a imperatriz daquele reino mantido sob controle com muito esforço.

Apenas uma vez enfrentara uma guerra declarada. Era contra um jornalista no sétimo andar (alcunhado, por ela, de "bruxo do 71"). Ele a enfrentara, em algumas reuniões do condomínio, sobre questões irrelevantes. Isso era aceitável. Porém, um dia, em período de fim de mandato da síndica, anunciou ao porteiro da noite que se candidataria a suceder a Sheila. Era um golpe de Estado! Ela respirou fundo ao ouvir a fofoca e começou a atuar. Era guerra! Estava ali havia décadas e um rapaz de 36 anos que recém-chegara achava que poderia derrubar o poder constituído. Sujeito metido! Será que ele sabia o contato de todos os filhos e netos dos moradores idosos do prédio? Sabia do diagnóstico de TDAH do mais novo da dona Sandra? Dominava os meandros de um poder complexo e tradicional? Nem bolo ele fazia! Como poderia exercer o cargo que demandava tanto?

Sheila pensou muito e aumentou as visitas ocasionais e conversas no corredor e na piscina. Em batalha, temos de usar os recursos disponíveis. Ao advogado conservador do 31, falou muito das convicções de esquerda do Mauro, o jornalista ousado. Para dona Ângela, católica devota, imprimiu um artigo em que o jornalista atacara a figura da Virgem Maria como um modelo arcaico para as mulheres do século 21. Para os pais de adolescentes, perguntou se sentiam o cheiro de maconha que, de vez em quando, vinha de um andar específico, o sétimo, ela não tinha certeza de qual apartamento. Bem no sétimo andar, moravam uma senhora evangélica de 83 anos, um médico de 78 com a esposa asmática, havia também um apartamento vago e, ela lembrava, no sétimo morava aquele jornalista mal escanhoado, com camiseta de folha que parecia um plátano, talvez?

Trazendo convicções políticas, insinuações morais e religiosas e seduções de bolinhos variados, Sheila atingiu seu pleno objetivo. Na reunião, em meio a falas entusiasmadas, ela levou todos os votos menos um, o do isolado e humilhado jornalista que, agora, percebia que podia entender de política em Brasília; ali, naquela arena, Sheila era a autoridade.

No dia seguinte à eleição, ela se demorou mais na laje do prédio. O sol se punha em tons alaranjados e ela saboreou a vitória da noite anterior. Era amada, temida e respeitada. Sem levantar a voz, calara a oposição. Teria mais um período comprando detergente, verificando o livro-ponto, pechinchando cloro da piscina e mandando cartinhas sobre barulho depois das 22h ou máquinas de lavar roupa ligadas aos domingos. Era a glória e ela a degustava. Olhou para o jardim lá abaixo, a piscina onde os gêmeos do 42 nadavam em silêncio e se sentiu vitoriosa, forte, empoderada e com sentido. 

Seu pensamento se inflou na própria desmesurada vaidade sobre seu reino e formulou ao terminar a taça: "O prédio tem um nome pretensioso: Château de Chenonceau. Ninguém sabe dizer e o carteiro vive se enganando. Poderiam rebatizar como ?Condomínio Sheila?, algo mais fácil e até mais justo. Afinal, o condomínio sou eu". Feliz, brindou a si e ao pôr do sol e à alegria de estar viva e poderosa do alto daquela construção onde ela continuaria mandando por mais dois anos. Era seu reino naquele mar de edifícios, só dela. É preciso ter esperança e fugir dos pequenos poderes.

LEANDRO KARNAL

30 DE OUTUBRO DE 2021
ELIANE MARQUES

O PARAÍSO PERDIDO

Das narrativas longas sobre as quais me debrucei nos últimos tempos, considero A Autobiografia de Minha Mãe (Alfaguara), de Jamaica Kincaid, a mais incômoda. A autora faz nascer órfã a personagem Xuela, que, em face disso, se enuncia dura e vulnerável, tendo às costas, não o passado, mas um vento umbroso. Entregue pelo pai à lavadeira das roupas dele, Xuela se viu mais uma das trouxas a ser branqueada. A ênfase que ele houvesse dado à diferença entre o fardo e a filha não a alcançou ao ponto de que se humanizasse senão feito uma mancha suja na camisa do genitor, um híbrido de escocês e africano. O pai insabia lavar roupas tanto quanto insabia cuidar da rebenta. Ao fim, nenhum dos dois distinguia entre o fardo e a filha.

Já mãe de cinco ou seis antes de receber Xuela, a lavadeira Eunice Paul não era má com suas criaturas, apenas carecia de bondade. Jamais aprendera sua fórmula. De outro lado, também a criança-fardo confessava não ter amado a criadora-lavadeira. Dessabia fazê-lo. Para ela, em lugares como esses, a brutalidade se converteria na única herança cuja sobra se dava a conhecer como crueldade.

Embora admoestada para que se mantivesse afastada do Paraíso, um dia Xuela o quebrou. Para Eunice, isso foi mais do que a perda de um ente querido. Ela agarrou a bolsa densa que era sua barriga, puxou os cabelos, socou o peito; lágrimas grossas rolaram de seus olhos e pelas bochechas. A criminosa foi posta de joelhos num montinho de pedras onde o sol batia sem tréguas, cada uma de suas mãos miúdas no suporte de uma pedra grande sobre a cabeça. Xuela deveria permanecer assim até que sua boca pedisse desculpas. Filhos de Eunice atiravam nela miolos de pão e riam. Tudo quase um quadro de Debret pintado no Caribe.

Contudo, a boca criminosa se manteve fechada para a palavra desculpa ao ponto de Eunice se cansar de tanto amaldiçoar a criança e sua origem, incluídos o pai, que ela mal conhecia; e a mãe, que ela nem conheceu. O castigo se incorporou tanto à pele de Xuela com a insistência do inferno quanto a quebra do Paraíso retirou Eunice de alguma ilusão.

O Paraíso era um prato de ossos de porcelana que retratava um campo aberto, repleto de flores e de um sol que brilhava, sem arder. Suas nuvens não prenunciavam desgraça, mas felicidade. O Paraíso quebrado foi um retrato idealizado do interior da Inglaterra que Xuela ou Eunice, viventes na ilha de Dominica, sabiam da existência apenas pelo que a instituição colonizadora plantou e elas adubaram como bom e belo.

ELIANE MARQUES 

30 DE OUTUBRO DE 2021
BRUNA LOMBARDI

A LIBERDADE DE AMAR

Tem pessoas que, quando a gente encontra, sente logo de cara a mesma energia, a mesma frequência. A gente conversa e parece que um completa as frases do outro, os pensamentos se identificam, as sensações se reconhecem, e sentimos que a gente vê a vida de um jeito parecido. O sentimento que irradia é uma confiança imediata com aquela calma que dá quando ninguém precisar explicar muito pra se entender.

Se a gente pudesse contagiar mais pessoas, para que descobrissem essa cumplicidade entre elas, o mundo com certeza seria mais feliz. O relacionamento com outro ser humano, qualquer relação, afetiva ou sexual, é uma mais poderosas químicas do nosso sistema.

Quando ativamos uma relação íntima, verdadeira, confiável, ela se torna um catalisador que vai ativar o melhor dentro de nós. Nossa máquina vai produzir hormônios, equilibrar, harmonizar e potencializar tudo que temos.

Precisamos nos sentir amados para poder amar e superar o medo, a incerteza e a ansiedade. Se pudéssemos ter relacionamentos amorosos saudáveis e construtivos certamente não haveria tanta dor, maldade e rancor no mundo.

Mas por que é tão complicado se relacionar? Por que desenvolvemos tantas distorções a partir desses sentimentos básicos?

É claro que numa relação existem obstáculos, ciladas, armadilhas e tentações no caminho. Diante de cada encruzilhada precisamos fazer uma escolha.

Amar requer coragem. Amor e liberdade são forças primordiais da vida, mas em geral não caminham juntas, pois acreditamos que uma é a exclusão da outra. Como se amar fosse uma espécie de aprisionamento. Não, não é. A sabedoria é não separar uma da outra, mas aprender a amar respeitando as diferenças, a individualidade e a liberdade do outro.

Conhecer o outro e experienciar essa troca de emoções abre a porta para o nosso próprio autoconhecimento. É descobrindo o outro que vou descobrir a minha verdadeira essência. Eu me descubro através do olhar dele e ele através do meu olhar.

Juntos vamos confrontar nossas sombras, trevas, as passagens escuras da nossa alma, falar dos nossos fantasmas e saber que o amor nos ilumina e alivia o que nos pesa.

"O amor não pesa. Liberta-nos do peso das coisas", diz José Eduardo Agualusa. Todas as manifestações do amor são aspectos fundamentais da nossa energia vital. E tudo deriva dessa energia.

Parivartan é uma palavra sânscrita que significa transformação. Despertar o amor é a grande transformação, o mais profundo impulso dessa ação vem do amor. Através da relação amorosa podemos construir uma nova realidade.

Para os budistas e hinduístas, nascemos para purificar nosso karma, e através dessa purificação vamos nos alinhar com o nosso dharma, o propósito da nossa alma.

Não somos perfeitos e nem perfeição é a nossa meta. Compreender o outro nos ajuda a compreender a nós mesmos. Descobrir o que somos é um ato de coragem. A coragem de se expor e de se ver exposto. A confiança é uma troca mágica que acende uma luz dentro de nós. E cada pequena luz pode ajudar a iluminar o mundo.

BRUNA LOMBARDI

30 DE OUTUBRO DE 2021
CARDIOLOGIA

OS RISCOS DA TROMBOSE

A trombose é uma doença que acomete o sistema circulatório humano, ocasionando a formação de coágulos e obstruções em artérias e veias. Na maioria dos casos, os vasos prejudicados são os das pernas e coxas, e esse bloqueio do fluxo de sangue pode causar dor e inchaço na região. O quadro fica mais grave quando um coágulo se desprende e passa a se movimentar na corrente sanguínea, em um processo chamado de embolia, podendo se alojar no cérebro, nos pulmões, no coração e em outras áreas, levando a lesões graves e até mesmo à morte - um a cada quatro óbitos está relacionado à doença, segundo a Sociedade Internacional de Trombose e Hemostasia (ISTH). Com o surgimento do coronavírus, a trombose passou a ser mais um dos muitos fatores que colocam em xeque a vida dos pacientes graves de covid-19.

As principais causas

De acordo com o chefe do serviço de Cirurgia Vascular Periférica do Hospital de Clínicas de Porto Alegre, Marco Aurélio Grudtner, a incidência de trombose é alta, pois há inúmeros fatores e condições que aumentam os riscos de desenvolver a doença. Alguns deles são tabagismo, doenças cardíacas, câncer, varizes, obesidade, sedentarismo, uso de anticoncepcionais, idade avançada e predisposição genética. Pacientes que sofreram traumatismos graves (acidentes), passaram por cirurgia e precisaram ficar imobilizados também têm risco. Grudtner acrescenta:

- Existem alterações hereditárias, chamadas trombofilias, que fazem com que algumas pessoas tenham mais chances de formar coágulos do que outras. O anticoncepcional também é um fator a mais para estimular a trombose em pacientes mulheres que já têm predisposição. Por isso, é importante o ginecologista analisar histórico familiar, para saber se é adequado o uso de determinado anticoncepcional.

A trombose pode acometer especialmente as mulheres durante a gravidez e o puerpério (período de cerca de 40 dias após o parto), explica Marcelo Melzer Teruchkin, cirurgião vascular do Hospital Moinhos de Vento:

- A gestação e o puerpério são fases em que os hormônios se elevam para o desenvolvimento do bebê e para que haja a lactação. Esses hormônios, porém, deixam o sangue mais grosso, mais viscoso. Também a compressão do útero sobre as veias abdominais deixa o fluxo de sangue mais lento.

Lendo os sinais

Há casos em que a trombose é assintomática, daí a importância da prevenção e do acompanhamento médico. Os sinais podem vir na forma de dor nos membros inferiores, vermelhidão, edema (inchaço), dor no tórax e desconforto para respirar.

- O quadro clínico de trombose arterial pode provocar uma dor súbita, sem causa aparente, e o esfriamento e palidez do pé ou da mão. A dor é unilateral, em um só membro. O trombo arterial normalmente ocorre em um vaso que já tem tem doença prévia, como placas de colesterol que tornam o local propenso a agregação plaquetária - aponta Grudtner.

As varizes grandes também aumentam as chances de tromboses nas veias mais superficiais, porque tornam mais lento o fluxo sanguíneo, facilitando o agrupamento de plaquetas e coagulação no local. É importante prestar atenção especial ao aparecimento de nódulos endurecidos nas varizes, que se tornam vermelhas e dolorosas. A depender da região afetada, exames de sangue, ecografia, ressonância magnética e angiotomografia podem confirmar o diagnóstico de trombose.

O fator covid-19

Na pandemia, a ciência observa grande incidência de trombose, tanto a venosa quanto a arterial, entre os pacientes hospitalizados por covid-19, principalmente os que desenvolveram quadros graves. Conforme a Sociedade Brasileira de Trombose e Hemostasia (SBTH), até 30% dos internados em Unidades de Terapia Intensiva (UTI) acabam tendo um quadro tromboembólico. Nos leitos de enfermaria, a taxa fica entre 5% e 10%. O risco para quem já está se recuperando em casa é menor, mas existe.

- O vírus causa uma lesão na camada interna dos vasos, o endotélio, responsável por evitar que o sangue coagule. Quando o endotélio é lesado, o vaso fica mais propenso a formar trombos ali dentro - explica Teruchkin.

O coronavírus é um vírus respiratório que entra no organismo por nariz, boca ou mucosa ocular. Daí, percorre o sistema circulatório e pode causar inflamação na parede interna dos vasos sanguíneos. O impacto desencadeia uma cascata inflamatória, que é uma agregação descontrolada de plaquetas, levando à formação de coágulos e à obstrução da circulação. Esse agrupamento ocorre de forma anormal, dificultando o reparo do dano ao endotélio. Vários setores podem ser afetados, diz Grudtner:

- Há pacientes que desenvolvem o problema no pulmão, causando embolia pulmonar. Outros desenvolvem nas pernas, fazendo trombose venosa profunda. De uma trombose venosa profunda, se o coágulo se desprender e subir até o pulmão, também pode causar embolia pulmonar. Os pacientes graves também têm risco maior de infarto, que são trombos dentro das artérias coronárias. Coágulos também podem ocorrer no cérebro, sendo uma das causas do acidente vascular cerebral (AVC).

Já o risco de trombocitopenia trombótica, a imunotrombose que foi observada em alguns pacientes que receberam vacinas de vetor viral, é muito menor, diz Teruchkin:

- A trombose relacionada a vacinas é muito rara. Geralmente ocorre em vasos cerebrais ou em órgãos abdominais. Estatísticas apontam para um caso em 125 mil até um caso em 1 milhão de vacinados. Dado que um paciente de covid-19 tem de 5% a 30% de chance de ter trombose conforme a gravidade da doença, percebe-se como o coronavírus é mais perigoso do que a vacina. 

LETÍCIA PALUDO 

30 DE OUTUBRO DE21
J.J. CAMARGOA EXAUSTÃO DOS MODELOS

Como sempre, a repressão dos sentimentos, especialmente os maus, tem limites.

Dependendo das condições emocionais dos envolvidos, a eclosão pode parecer exagerada, mas é uma construção quase obrigatoriamente lenta, com todas as reservas sendo minadas ao colocar à prova a submissão e a resiliência das vítimas.

Dias atrás, uma sessão magistral do programa Humanidades na Saúde do Hospital Samaritano, no Rio, impactou médicos experientes, a maioria deles professores, com os depoimentos de estudantes do terço final de faculdades renomadas, relatando aspectos do currículo - não o tradicional, que não estava em discussão, mas do que nominaram como o currículo oculto. Um rótulo muito adequado para uma série de pequenas atrocidades que começam com o trote nos calouros, um rito de passagem idiota, e seguem com microatropeladas na autoestima, que os insensíveis podem considerar irrelevantes, mas são insistentes ferroadas de humilhação e deboche.

Depois de algumas semanas, com os mais frágeis identificados entre as personalidades imaturas, intensificam-se as "brincadeiras" impiedosas que geram as crises de pânico, de depressão, de agorafobia e, em grande medida, as taxas duplicadas de suicídio entre estudantes de Medicina, na comparação com outras escolas universitárias.

Com o avanço do curso, cresce exponencialmente a tensão, porque na formação médica pesa como em nenhuma outra a responsabilidade de zelar pela vida, esta que é, e sempre será, a matéria-prima mais preciosa e insubstituível.

O cuidado compartilhado dos pacientes, a partir do sétimo semestre, coloca no caminho do furacão uma legião de jovens puros e bem intencionados, mas vítimas da imaturidade inevitável, considerando que a escolha profissional tem sido imposta na adolescência, este período da vida que fascina pela ousadia e assusta pela ingenuidade na materialização dos sonhos mais elementares.

Não sabendo o que fazer em situações desconhecidas, e pressionado pela necessidade de corresponder às expectativas do mundo que o rodeia, o acadêmico adoece um pouco a cada dia, pela exigência massacrante de que ele seja melhor, mesmo que a meta estipulada ou pretendida esteja lá onde mora a utopia, na barra do horizonte.

Cabe a nós, professores, a intransferível necessidade de cuidar de quem cuida, para que esses embriões médicos, aturdidos pela inexperiência, não se espelhem em modelos equivocados.

Os verdadeiros mestres, com ouvidos abertos às queixas dos seus pupilos, ficam espantados com o sofrimento dos alunos mais frágeis e, muitas vezes, se oferecem para ajudar, ainda que muitos deles não estejam, de fato, disponíveis para o quanto esta tarefa significa de acolhimento e cumplicidade.

Enquanto isso, os maus professores se negam a discutir essa demanda, porque acreditam, ou fazem de conta que sim, que o único dever deles é ensinar os alunos, ávidos de tudo, a fazerem os diagnósticos mais brilhantes e instituírem tratamentos adequados, ignorando que a nobreza desta profissão só se completará com o cuidado simultâneo da pessoa que adoeceu, e ainda mais da sua família, que adoece junto, e em escalas proporcionais ao significado afetivo do seu amado adoecido.

Se todos os professores médicos tivessem a exata medida da importância do exemplo na formação médica, o nível de qualificação dos 35 mil novos formandos a cada ano subiria muito, as queixas diminuiriam, e o velho glamour desta maravilhosa profissão seria resgatado.

Se esses argumentos não forem considerados convincentes, então vamos pensar, egoisticamente, que os médicos que estamos formando serão aqueles que no futuro próximo cuidarão de nós, dos nossos filhos e, por favor, vejam lá o que estamos ensinando, dos nossos netos.

J.J. CAMARGO

30 DE OUTUBRO DE 2021
FLÁVIO TAVARES

A ALUCINAÇÃO

Aos desavisados, alienados ou ignorantes pode parecer alucinação, mas a verdade é que a cobiça humana está matando o planeta. Por isto, a reunião de cúpula sobre as mudanças climáticas, a começar no domingo em Glasgow, na Escócia, torna-se um marco decisivo na vida de todos nós. Nada é mais importante do que os compromissos a serem assumidos por lá.

Os combustíveis fósseis (como carvão e petróleo) estão aquecendo a Terra muito além dos limites máximos toleráveis. Em 2015, no Acordo de Paris, 200 governos concordaram em promover mudanças para que o aquecimento global fique abaixo de 1,5 grau centígrado para "evitar uma catástrofe". Mas pouco foi feito e, assim, sofremos nos últimos anos a expansão de ondas de calor, tempestades e alagamentos, além de crescerem os incêndios florestais. As mudanças na temperatura já começam a incidir na agricultura e, em poucos anos, faltarão alimentos. A fome, antecipará, então, a morte da vida do planeta em si.

A meta da reunião de Glasgow é reduzir a emissão de carbono até 2030 para chegar a zero em 2050. Isto, porém, só se conseguirá com ações concretas a serem iniciadas já e já.

Aqui no Rio Grande, porém, seguimos o caminho oposto, adotando a extração de carvão como política governamental. O exemplo brutal é a chamada Mina Guaíba, a céu aberto e em terreno de banhado, que pretendem cavar à margem do Rio Jacuí, a 14 quilômetros da Capital

Mas a alucinação vai adiante e chega ao terror da pandemia, guiada pelo próprio presidente da República. Ou não foi alucinante ouvir Bolsonaro afirmar que a vacina contra a covid 19 facilita contrair a aids, a brutal síndrome de imunodeficiência adquirida?

Não se trata de erro de avaliação, mas - sim - de escancarada mentira que gera pânico por vir de quem vem. Sim, pois um chefe de governo não pode propagar o horror pelo horror, como se fosse um demônio homiziado no Palácio do Planalto. Tudo foi tão absurdo, que três plataformas (Instagram, Facebook e Twitter) retiraram do ar as invencionices presidenciais.

Apontado em nove crimes, Bolsonaro é um dos 78 indiciados pela CPI do Senado como responsável pelo alastramento da pandemia. As conclusões do inquérito acusam diretamente o presidente, ou como sintetizou o senador Renan Calheiros, relator da CPI: "O caos do governo Bolsonaro entrará para a História como o mais baixo degrau da indigência humana e civilizatória, pois reúne o que há de mais rudimentar, infame e sombrio da humanidade".

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

30 DE OUTUBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

O RETORNO DOS LIVROS À PRAÇA

"Ficam marcados para a primavera de 2021, à sombra dos jacarandás floridos, todos os encontros agora adiados." Assim terminava neste espaço o editorial da superedição de 31/10-1º/11 do ano passado. Era o primeiro final de semana da 66ª Feira do Livro de Porto Alegre, em formato totalmente virtual, por força da pandemia. Enquanto, naqueles dias, o desenvolvimento de vacinas contra a covid-19 era tema que ganhava corpo, se lamentava a inevitabilidade de ter de realizar um dos eventos mais tradicionais do Estado e da Capital de forma remota. Mas, ao mesmo tempo, celebrava-se todo o esforço, com a Câmara Rio-Grandense do Livro à frente, para mantê-la ininterrupta, da maneira possível e que preservasse ao máximo a sua essência, dentro das limitações impostas pelo período de maior distanciamento social

Agora, sob o sugestivo tema "Para ler um mundo novo", a 67ª edição da Feira do Livro, aberta na sexta-feira, será híbrida. É um formato ainda predominante em mostras, exposições e congressos, uma vez que o vírus ainda circula, apesar da esperançosa queda nos números da doença proporcionada pela imunização. Mas o retorno à Praça da Alfândega traz outra vez ao público visitante, mantidos os cuidados recomendados, o deleite de circular entre bancas e estandes, tocar os livros, folheá-los, deparar com raridades, descobrir novidades, reencontrar conhecidos, garantir um autógrafo ou até conversar com autores. Apesar da necessidade de manter algumas precauções, como o maior espaçamento das estruturas, é reconfortante poder afirmar que o espírito e o charme da feira estão de volta, misturando leitores, livreiros, editores e escritores novamente no hábitat natural do evento, o centro da Capital.

Ainda que limitadas, estão previstas programações como sessões de autógrafos e as contações de histórias da área infantil. Mas haverá transmissões de encontros virtuais e debates, ancorados de um estúdio montado no Memorial do Rio Grande do Sul, com autores do país e do Exterior. Tudo poderá ser acompanhado pelo site da feira e suas redes sociais, assim como em 2020. A compra de livros, da mesma forma, também pode ser feita por meio das lojas virtuais dos expositores e há ainda a opção de aquisição de obras via aplicativos de mensagens.

Outra vez presencial, mas tirando proveito das novas possibilidades permitidas pela tecnologia, a 67ª Feira do Livre de Porto Alegre é, ao mesmo tempo, sinônimo de reinvenção, recomeço e de resgate. Mas, mais importante, renova os laços da cidade e do público com a literatura e reafirma a sua inestimável missão de valorizar a cultura e de incentivar a leitura. Começa a ser escrito um novo capítulo da rica trajetória desse patrimônio afetivo dos porto-alegrenses e de todos os gaúchos.

 


30 DE OUTUBRO DE 2021
UM NORTE PARA O ESTADO

Com pista ampliada, surge um novo modal aéreo

Em setembro, depois de longa paralisação, em razão de impasses na retirada das famílias da Vila Nazaré, máquinas na pista e aviões em sobrevoo voltaram a ser uma cena comum no aeroporto Salgado Filho, em Porto Alegre. O panorama é fruto de uma obra da concessionária Fraport que deverá elevar o Rio Grande do Sul a outro patamar de competitividade, a partir de agosto de 2022.

É que hoje, a pista de pouso e decolagem tem 2,28 mil metros, o que permite operações de 9 mil quilômetros, porém com a capacidade de passageiros e carga limitada.

Após a ampliação em andamento, o trajeto terá 3,2 mil metros e tornará possível a operação de aeronaves com carga completa, em distâncias de até 12 mil quilômetros.

Na análise de especialistas, o movimento equivale ao nascimento de um novo modal. E, mais do que um resgate da economia pré-pandemia, trata- se de um salto qualitativo para que o Estado passe a rever, inclusive, parte da sua forma de produção no futuro.

Isso acontece porque atualmente, a partir do Rio Grande do Sul, só se chega a Miami ou Lisboa, ainda assim, com 75% da capacidade dos cargueiros. A realidade é determinante para que a maioria das empresas que utilizam o modal aéreo percorra distâncias de quase 2 mil quilômetros até São Paulo ou Campinas, antes de iniciar os trâmites de desembaraço aduaneiro.

Competitividade

Paulo Menzel, presidente da Camaralog, estima em R$ 13 bilhões a perda de receitas com essa ausência operacional. O presidente da Agência Estadual de Regulação dos Serviços Públicos Delegados (Agergs), Luiz Afonso Senna, complementa e lembra que o fator foi preponderante para que a Dell, fabricante de computadores, desistisse do Estado e se instalasse próxima de um centro capaz de colocar seus produtos em diversos países:

- Se associarmos o custo, inclusive, com a estrutura de receitas, tributos, empregos, que deixa de ficar por causa do aeroporto, talvez R$ 13 bilhões sejam até conservadores. Agora, o Estado passa para outro patamar do ponto de vista da competitividade e atratividade global sob a ótica de logística e de transportes.

hoje: Distribuição e logística

Esta reportagem integra a série que o Grupo RBS preparou para a retomada econômica com iniciativa do setor produtivo.

Quatro temas fundamentais foram mapeados e serão aprofundados pelo Projeto Bússola: capacitação de profissionais, distribuição e logística, sustentabilidade e novas regras sanitárias. A série será veiculada nas superedições de ZH até 13 de novembro.

O conteúdo também está em GZH, no Gaúcha Mais e no RBS Notícias.

Próxima edição (6/ 11):

Sustentabilidade


30 DE OUTUBRO DE 2021
CARTA DA EDITORA

Luis Fernando Veríssimo

A identidade de Zero Hora foi construída ao longo dos seus 57 anos pelo público que a lê e pelos colaboradores que nela atuam. Assim como há leitores mais longevos, que interagem com a Redação, fazendo comentários, sugestões, críticas e elogios, há profissionais que deixam marcas ímpares, pelo tempo de atividade e pela relevância e qualidade do que produzem. O escritor Luis Fernando Verissimo é um exemplo desse tipo de profissional que se confunde com a história do jornal.

Aos 85 anos, Verissimo vem se recuperando de um acidente vascular cerebral ocorrido em janeiro. De acordo com a família, embora tenha retomado os movimentos rapidamente, segue aos cuidados de especialistas, praticando exercícios, fazendo fisioterapia e trabalhando com uma fonoaudióloga.

O autor está em casa, onde conta com o apoio da esposa, Lucia, e dos filhos Fernanda, Pedro e Mariana.

- Ele estava ansioso no início, querendo voltar a escrever, mas recomendamos pé no breque. É um trabalho de formiguinha - disse Fernanda recentemente ao telefone para o editor de Cultura Fábio Prikladnicki, acrescentando que tanto o pai quanto a mãe já tomaram a terceira dose da vacina contra a covid-19.

Na quinta-feira que passou, ZH republicou a última da série melhores crônicas de Verissimo. Desde 21 de janeiro, o jornal vinha resgatando suas colunas memoráveis. Do final dos anos 1960 até o início deste ano, nossos leitores puderam desfrutar do seu talento múltiplo, refletido tanto nas crônicas veiculadas em diferentes seções e cadernos de Zero Hora quanto nos traços simples e certeiros de suas tiras.

Muito obrigada, Verissimo, por essa parceria bem-sucedida que se encerra após mais de cinco décadas. Seus milhares de admiradores estão na torcida pela sua recuperação e pelo seu retorno à literatura. 

DIONE KUHN

30 DE OUTUBRO DE 2021
MARCELO RECH

O futuro é elétrico

Haia, Holanda - No fim dos anos 1970, quando o Brasil reinventava a indústria automobilística com veículos movidos a etanol, uma campanha da Coopersucar avisava: "Carro a álcool, você ainda vai ter um". Mais de quatro décadas, milhões de motores a álcool e bicombustível depois, a energia renovável Made in Brazil capitulou para os combustíveis fósseis. Agora, às vésperas da Conferência sobre Mudanças Climáticas de Glasgow, pode-se cunhar uma nova profecia em escala mundial: "Veículo elétrico, você ainda vai se movimentar a bordo de um".

Fora uma ou outra meritória iniciativa pontual, o Brasil ainda não acordou para a enorme revolução em andamento, mas veículos que emitem carbono zero são uma tendência irreversível. A Tesla, cujas ações subiram 743% só em 2020, que o diga. Na Holanda, um campo de testes para a mobilidade, 80% dos ônibus que entram em circulação são elétricos, e a venda de automóveis elétricos cresceu 38% em 2020. As bicicletas elétricas - as e-bikes - fazem sua revolução particular. Metade do 1,1 milhão de bicicletas vendidas aqui a cada ano já é movida a bateria. No mundo, o mercado das e-bikes salta a dois dígitos anuais.

A escalada no preço dos combustíveis nas bombas, aditivada no Brasil pela desvalorização do real, é um tormento em âmbito global e os donos do petróleo estão dando uma mãozinha para matar mais cedo seu negócio ao incentivar a substituição dos motores por uma fonte que passa ao largo dos humores nas torneiras dos campos de extração. A economia sustentável, mantra de qualquer negócio que pretenda ter futuro, agradece.

A data mágica para a virada é 2030, quando muitas montadoras europeias começarão a deixar de produzir motores a combustão. Deslizar no silêncio de um veículo elétrico não será privilégio do Primeiro Mundo: a chinesa Shenzen, uma cidade do tamanho de São Paulo, se tornou a primeira metrópole com 100% de ônibus a bateria. A China, aliás, já enxergou para onde o vento sopra: tem 300 indústrias fabricando veículos elétricos.

A bordo do etanol, o Brasil angariou respeito mundial como campeão da energia renovável, mas saiu da estrada e jogou o título fora depois da descoberta das reservas do pré-sal. As longas distâncias, as inconstâncias no fornecimento de eletricidade, as dificuldades para se instalar pontos públicos e privados de abastecimento elétrico e o custo dos veículos e da energia mantêm o Brasil anestesiado diante da revolução em andamento. No curto prazo, seguimos parados no acostamento.

MARCELO RECH

30 DE OUTUBRO DE 2021
J.R. GUZZO

Liberdade de opinião

A perseguição desencadeada contra o atleta Maurício Luiz de Souza, jogador da seleção brasileira de vôlei, é um escândalo destes tempos em que o totalitarismo, a intolerância e o rancor são impostos à sociedade com violência cada vez maior pelos movimentos "politicamente corretos". Foi um linchamento, puro e simples, da reputação e da carreira esportiva de um cidadão brasileiro que não fez absolutamente nada de errado, e nem outra coisa além de exercer o direito constitucional à expressão do seu próprio pensamento.

Maurício entrou, apenas pelo fato de manifestar uma opinião, na zona de tiro do "movimento gay" - foi executado, sem apelação ou direito de defesa, com o seu desligamento do Minas Tênis Clube por pressão dos patrocinadores Fiat e Gerdau. Ou seja: atleta desse clube não tem o direito de pensar como um cidadão livre - ou, então, tem de esconder aquilo que pensa.

O jogador não cometeu, nem em atos e nem em intenção, nenhum delito de "homofobia", a acusação genérica que lhe foi feita e apresentada como motivo para a sua punição. O que ele fez? Apenas comentou, em suas redes sociais, que desaprova a entrada de um homem de 50 anos, pai de filhas e com o dobro do tamanho das outras jogadoras, numa equipe universitária de basquete nos Estados Unidos. Em sua opinião, não está certo admitir, em times femininos, homens que se descrevem como "transgêneros" após passarem por cirurgias - só isso.

Qual a lei, ou o mero código de conduta social, que Maurício poderia ter desrespeitado com as suas palavras? Ele não insultou ninguém. Não cometeu nenhum ato de discriminação. Não agrediu. Não agiu com desrespeito. Não violou o direito à orientação sexual de qualquer praticante de esportes - apenas disse que é contra a participação de homens biológicos em equipes de mulheres. É um ponto de vista, unicamente isso. Há gente a favor, há gente contra. Onde pode estar o crime?

O jogador da seleção brasileira também disse que não gostou do novo Superman gay - nem da "linguagem neutra" que a Rede Globo quer adotar numa de suas próximas novelas. Mas e daí? Por acaso alguém é obrigado a aprovar a última versão do super-herói, ou uma novela de televisão onde os personagens vão falar "ile", "aquile" e "novéle"?

Estão construindo no Brasil, com o apoio de empresas como Fiat e Gerdau, e de clubes esportivos como o Minas, uma máquina de repressão à liberdade. Ser "homofóbico", segundo essa maneira de ver o mundo, não é mais praticar atos de violência, de discriminação ou de desrespeito aos homossexuais, conforme estabelecem as leis - é, simplesmente, desagradar a quem controla alguma das facções do "movimento gay". Onde está o ódio, aí - nas palavras de Maurício ou na sua punição?

J.R. GUZZO

sexta-feira, 29 de outubro de 2021

29 DE OUTUBRO DE 2021
DAVID COIMBRA

O que me impede de fazer a maior descoberta de todos os tempos

Às vezes, quase descubro o sentido da vida. Acontece sempre quando estou sozinho, ouvindo uma música suave, ou vendo as folhas de uma grande árvore dançando com o vento, ou simplesmente sentindo o calor do sol nos ombros. Vem aquela sensação de que estou prestes a compreender a lógica do universo, é uma epifania, é uma inspiração súbita e poderosa, as coisas estão ficando claras, as peças estão se encaixando, até que... lembro que tenho de pagar o condomínio. Tudo se esvai. Volto à realidade comezinha do ser humano, sou apenas mais um bicho que respira no lado de fora dessa bola azul de pedra, água e lava, e me ocorre que é preciso consertar a porta do banheiro.

Agora mesmo esta semana, a Nasa fotografou uma galáxia muito, muito distante, a 20 milhões de anos-luz da Terra, e vi essas fotos e me emocionei. Essas galáxias que foram descobertas recentemente não têm nomes como Andrômeda e a nossa amada Via Láctea. Os cientistas as chamam NGC, seguido de um número. Por isso, não lembro exatamente qual é o nome dessa galáxia, mas ela é linda, em espiral, um pouco rosada, um pouco laranja, um pouco azul. Olhando para aquelas fotos, tive o peito inflado por sentimentos grandiosos, minha mente se abriu e lá veio ele: o sentido da vida! Estava a um segundo de descobrir quem somos, de onde viemos e para onde vamos, quando a Marcinha me interrompeu, dizendo:

- Pode lavar aquela louça que está na pia?

Naquele instante, a verdade da vida se esfumou diante de mim. Quase reclamei:

- Mas que droga, Marcinha! Eu ia me tornar o ser humano mais importante de todos os tempos se tu não viesses com essa louça!

Mas não disse nada. Ensaboei a esponja e comecei a esfregar aquele prato sujo, vulgar e sem nenhuma filosofia.

É assim que as mulheres são: elas não podem ver o cara quieto, que já vêm dando ordens.

Ou, então, elas dão palpite em coisas que só competem a você.

- Tu tens que tomar mais sol, é importante tomar sol, sol tem vitamina D.

- Que tal fazer um exercício físico? Exercício físico é saúde!

- Por que tu deste pra beber uísque agora?

- Para de comer embutidos! A Rita Lobo odeia embutidos!

Sei por que elas fazem isso. É porque elas têm certeza de que sabem o que é melhor para você. Só que elas estão enganadas. Às vezes, um homem precisa tomar uma bebida mais forte. Às vezes, um homem tem de comer um cachorro-quente sem culpa. E, às vezes, o homem está quieto no seu canto não por preguiça, mas porque está descobrindo o sentido da vida. Alta filosofia, my friend! Alta filosofia.

Mas não. Não consigo descobrir o sentido da vida. As coisas triviais da existência me impedem. Maldito condomínio. Maldita louça suja.

DAVID COIMBRA

29 DE OUTUBRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

OS ALERTAS SE CONFIRMAM

Avisos não faltaram. Vão se confirmando aos poucos os vários temores manifestados por economistas e especialistas em finanças públicas após o ministro Paulo Guedes confessar que o governo, combinado com os aliados do centrão, planejava demolir definitivamente o teto de gastos. A desmoralização do mecanismo que, ao limitar a expansão dos gastos, era a principal âncora das expectativas de uma trajetória fiscal benigna do país, em nome de interesses de fundo populista e eleitoreiro, começa a cobrar seu preço. E não é nada barato.

Junto ao estresse no mercado financeiro, com dólar e juros futuros em disparada e bolsa em declínio, acentuaram-se as rodadas de revisões para baixo do PIB de 2022. Mantida a tendência observada até agora de desafiar a lógica e esquecer das lições do passado, o cenário que se desenha no próximo ano tende a ser de atividade em ponto morto e preços ainda em alta. Uma tragédia conhecida como estagflação.

Sem a guarida da política fiscal, sobrou agora para o Banco Central (BC) tentar lutar sozinho contra o dragão das remarcações, o qual, aliás, até ajudou a alimentar no início do ano, ao desprezar os primeiros sinais de alerta e considerar o fenômeno apenas transitório. A elevação de 1,5 ponto percentual da Selic, na quarta-feira, era algo inimaginável um mês atrás. 

Mas, com a péssima sinalização do mundo político e a surpresa negativa do IPCA-15, divulgado um dia antes, parece que o mercado considerou até pouco, como indica o prosseguimento da alta do dólar e a forte ascensão dos juros futuros na sessão de ontem. A elevação da Selic para 7,75% ao ano, com perspectivas de novos apertos, significa freio na economia. Frustrante para um país que recém começa a se recuperar do baque da pandemia. Mas a sensação de que o BC pode, neste momento, não estar conseguindo ancorar as expectativas dos agentes é igualmente alarmante.

A justificativa pública para destroçar o teto de gastos é a necessidade de assegurar a criação do chamado Auxílio Brasil com um pagamento de R$ 400 até o final de 2022. Deste valor, R$ 100 seriam extrateto. É verdadeiro que, diante da frágil situação econômica e social do país, se impõe um programa de transferência de renda aos mais desvalidos. Mas é revelador que alternativas que preservavam a responsabilidade fiscal, com o corte nas fartas emendas parlamentares e diminuição dos gastos com fundos que serão usados em campanhas eleitorais, nem sequer foram cogitadas pelo governo federal e pela maioria do Congresso. Sinal inequívoco de um Executivo fraco e de um grupo parlamentar insaciável. 

Tão guloso, que se noticia uma mobilização para aumentar exatamente esses gastos caso passe a PEC dos precatórios, outra iniciativa duvidosa que especialistas tacham como um calote institucionalizado. A esta altura, pode até parecer ingenuidade, mas é preciso insistir. Os verdadeiros interesses que devem ser preservados são os do país e os dos brasileiros, mirando a construção de uma estabilidade que permita a retomada do crescimento em bases sustentáveis. 

É lamentável que, após um ano se debruçando sobre o tema sem encontrar uma solução, mesmo com saídas responsáveis apontadas por técnicos, alternativas mal-ajambradas motivadas por urgências de cunho eleitoral se imponham. A população mais carente precisa de ajuda, mas é preciso preservar o arcabouço fiscal, sob pena de receber um amparo fugaz que logo ali será anulado pela continuidade da inflação alta, dos juros subindo, da economia claudicante e da manutenção de um mercado de trabalho trôpego.

 


29 DE OUTUBRO DE 2021
EDUARDO BUENO

Viva o Dead

Hei de ter nascido sob uma boa estrela, pois já desfrutei de inúmeras experiências extraordinárias. Poucas, porém, mais transcendentais, translúcidas e transformadoras do que o show da banda Grateful Dead a que assisti no outono de 1986, no Giants Stadium, em Nova York. Foi um batismo, uma confissão, uma comunhão e sua confirmação. Em suma, um rito de passagem, uma liturgia, uma cerimônia iniciática.

Para quem nunca ouviu falar do Grateful Dead, ou ouviu, mas não está familiarizado com o que esse grupo significou para a contracultura, a cena psicodélica e o florescimento no movimento hippie, minhas hipérboles podem soar exageradas. Mas são até modestas diante da catarse coletiva que presenciei e da qual tomei parte de corpo e alma e aura.

O Grateful Dead iniciou sua carreira em 1964 em circunstâncias jamais vividas antes, ou depois, por nenhuma banda de rock: eles eram responsáveis pela trilha sonora dos chamados Acid Tests postos em prática pelo escritor Ken Kesey. Autor do clássico Um Estranho no Ninho, Kesey fora um dos voluntários recrutados pela CIA para tomar LSD - sendo pago para isso! Sim, a CIA, sempre incompetente e malévola, aventou a possibilidade de borrifar a água dos russos com o ácido lisérgico, durante a Guerra Fria. Sei que parece (duplamente) loucura, mas está tudo bem documentado. Kesey e o psicólogo Timothy Leary, entre outros, tomaram o produto - e adoraram. Os agentes da CIA concluíram então que era melhor abortar o plano. Tarde demais.

Leary e Kesey saíram da experiência dispostos a encharcar não as caixas-d?água mas os cérebros dos EUA com LSD. Kesey reformou um velho ônibus escolar, tingiu-o com todas as cores do arco-íris, arregimentou o inigualável Neal Cassady (consagrado como Dean Moriarty no livro On the Road, de Kerouac) para ser o motorista daquela nau dos insensatos e convenceu o Grateful Dead a fazer as vezes de flautista de Hamelin: a banda tocava seu som suavemente acachapante, lançando uma onda sonora repleta de nuances e sobretons que atraía milhares de desavisados, aos quais eram ofertados os mágicos tabletes. Cabe lembrar que até 1966 o LSD era legal: quem o proibiu foi o ator medíocre, dedo-duro e pessoa nefasta Ronald Reagan.

O ácido caiu na ilegalidade, Ken Kesey e Timothy Leary chegaram a ser presos - e não Reagan, veja só. Mas o Grateful Dead seguiu livre e solto, induzindo milhões de pessoas do mundo todo a não só abrirem as portas da percepção, mas arrancarem-nas dos batentes. Até chegar a minha vez de bater às portas do paraíso e vê-las escancaradas para que eu penetrasse naquele mundo onde o céu é amarelo e o sol é azul. Só que meu tempo e espaço findaram-se antes que pudesse contar o que rolou no Giants Stadium 35 anos atrás. Mas ainda me parece que foi depois de amanhã.