02 DE JULHO DE 2020
ARTIGOS
O PARADOXO DO BARCO DE TESEU E A IDENTIDADE DO BRASIL
O poeta Plutarco nos brindou com o legado mítico de Teseu de Atenas. Teseu teve de enfrentar o monstro Minotauro, que ficava num labirinto na ilha de Creta. Era tradição da época que os navios usassem velas brancas em caso de sucesso ou pretas nos casos de fracasso de suas missões. Teseu venceu o Minotauro, mas em seu retorno não içou as velas brancas. Quando seu pai viu o navio no horizonte com as velas pretas, lançou-se ao mar em desespero.
Teseu assumiu o trono de Atenas, consolidou a democracia ateniense e reinou num período de grande prosperidade. O povo de Atenas construiu um monumento a Teseu com seu barco ao centro. À medida que peças do barco apodreciam, estas eram substituídas por madeira nova. Surge, então, o dilema filosófico de identidade: mesmo sendo substituídas todas as peças do barco, este continuaria sendo o barco de Teseu? E o Brasil nessa trama filosófica?
Ao longo de nossa história, consolidou-se o princípio e a prática do apadrinhamento e do acesso privilegiado aos recursos. Neste momento, enfrentamos a pandemia de covid-19. As consequências da construção de uma sociedade desigual e injusta se revelam. As periferias das grandes cidades se tornaram epicentros da tragédia.
Esperava-se que o enfrentamento dessa calamidade poderia nos sensibilizar e provocar mudanças em nossos princípios e identidade. Mas não. Tão logo o governo federal criou um programa de apoio aos entes federativos para enfrentar os efeitos da pandemia, que entre seus pilares tem o congelamento temporário dos exuberantes salários dos servidores públicos, as classes e corporações de ofício dos servidores dos três poderes trataram de obter rapidamente aumentos salarias antes da entrada em vigor da nova regulamentação. Outros gestores públicos e privados se aproveitaram das compras emergenciais para superfaturarem e se apropriarem ilegalmente de recursos. Várias centenas de milhares de pessoas estão acessando indevidamente os recursos do auxílio emergencial.
Ao que estamos lamentavelmente assistindo no Brasil neste momento de tragédia é a comprovação da hipótese de que embora se troque ou mudem as pessoas e as gerações de uma sociedade, sua identidade permanece. A pandemia de coronavírus não foi suficientemente forte para nos tornar uma sociedade mais justa, igualitária, honesta e menos corrupta. Não foi desta vez.
Nenhum comentário:
Postar um comentário