segunda-feira, 31 de março de 2025


31 de Março de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Respostas capitais

Juliana Trece

Economista do Núcleo de Contas Nacionais e coordenadora do Monitor da Atividade Econômica do FGV Ibre

"RS, que era o maior, perde, e SC ganha"

Pela primeira vez, o Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre) analisa o desempenho de economias regionais. Uma das conclusões é que o PIB de Santa Catarina cresceu 2,5% ao ano entre 2001 e 2024, único no Sul acima da média nacional. O do RS avançou 1,5% ao ano, inferior à média nacional. Juliana Trece e os colegas Claudio Considera e Isabela Kelly estimam que o RS cresceu 4,2% no ano da grande catástrofe. Mas o dado é relativizado.

Por que houve a decisão de detalhar o comportamento das economias regionais?

No Ibre, coordeno a equipe do Monitor no PIB, que procura mensurar a atividade econômica do Brasil. Para isso, precisamos entender mais o país, que é muito grande. Percebemos que faz sentido entender melhor as economias regionais. O Brasil cresceu 3,2% em 2023, mais 3,4% em 2024. A ideia é ampliar a quantidade de Estados investigados. E começamos pela Região Sul. A cada trimestre vamos apresentar atualizações.

Por que começou com a Região Sul?

Já havia a ideia de que tínhamos de analisar melhor as regiões. Precisávamos escolher, e decidimos começar pelo Sul porque houve a enchente. Isso nos ajudaria a entender melhor território e o Sul com um todo.

Existe a percepção de que o Sul é homogêneo?

Sim, partimos dessa premissa, mas constatamos que os resultados recentes são muito diferentes. A percepção vinha do equilíbrio da participação dos Estados no PIB da região. Mas é a região com maior homogeneidade, ainda mais agora que o RS, que era o maior, perde, e SC, que era o menor, ganha.

Esse tema preocupa o RS, qual o diagnóstico das causas?

Não aprofundamos o diagnóstico, mas temos indícios. Assim como o Rio de Janeiro, o Rio Grande do Sul tem situação fiscal muito complicada (alto endividamento e Regime de Recuperação Fiscal). Isso muito provavelmente influencia no desempenho da atividade econômica. A restrição fiscal não permite ao Estado adotar ações para tornar a economia mais pujante. Ao longo do tempo, o RS tem crescido abaixo da média nacional. E o Sul como um todo também, muito por causa do RS. Santa Catarina cresce acima dessa média desde 2017, e o Paraná vai em ritmo parecido.

Há outros fatores?

Um aspecto a frisar é que a agricultura pesa mais no Rio Grande do Sul do que nos outros Estados do Sul. Santa Catarina tem menos oscilação nesse setor porque a pecuária tem peso quase idêntico ao da agricultura. No PIB, os catarinenses sofrem menos com eventos climáticos. Como o RS é mais dependente, pesa mais a questão climática que, como sabemos, tem tendência de aumentar. Isso tende a afetar mais uma economia mais dependente da agricultura, que é muito sensível a questões climáticas. É um fator a ser considerado. Como o RS também tem um agronegócio muito desenvolvido, com a transformação dos insumos agrários e a fabricação de alimentos, um dos setores industriais mais importantes do Estado, também essa cadeia tende a ser mais afetada pela questão do clima.

Estão claros os motivos pelos quais Santa Catarina deslanchou a partir de 2017?

É desde quando cresce acima da média nacional. Tanto a indústria quanto os serviços estão indo muito bem. O grande destaque são os serviços, especialmente os de informação, tecnologia, inovação. Esses segmentos estão muito fortes em SC, e estão ajudando o Estado a ter bom desempenho. Quando a inovação é forte, a indústria se beneficia. Em Santa Catarina, os segmentos de transporte e da indústria metalúrgica vão muito bem. É o Estado que vemos com crescimento mais disseminado.

Como o estudo pode ajudar a entender por que, no ano da grande catástrofe, o crescimento do RS foi tão forte?

É difícil enfrentar as perdas, e repará-las. O que dizer para as pessoas que ainda sofrem as consequências? Mas temos de explicar nossa previsão de crescimento de 4,2%. Metade vem da agropecuária. Conforme o IBGE, 90% da safra de verão do RS foi colhida entre janeiro e abril. E a produção de soja cresceu 69,2%, segundo o Levantamento Sistemático da Produção Agrícola. Quando vem a chuva, em maio, e paralisa o Estado, já estava garantido crescimento de dois pontos percentuais.

E os outros dois pontos?

A indústria teve um crescimento que estimamos em 0,7%. Foi muito afetada, houve perda de máquinas, de capacidade de produção. Como vinha de queda no ano anterior, a base de comparação é fraca e o resultado não parece tão ruim. Quando se olha por dentro, para cada setor, fica mais claro. Os fabricantes de máquinas e equipamentos e de veículos foram muito impactados. Mas houve pequeno crescimento porque a produção de biocombustíveis subiu 17%. Não sei se é análise ou torcida, mas seria ótimo se fosse resposta à preocupação climática. O segmento metalúrgico também cresceu, deve ter sido para ajudar na reconstrução de máquinas, para remontar o Estado.

Nos serviços, o melhor desempenho foi do varejo?

Os serviços do RS cresceram 3,15% na nossa estimativa em 2024, depois de subir só 1,8% em 2023. Não surpreende porque, como houve muitas perdas materiais, o comércio foi beneficiado pela necessidade das pessoas de readquirirem roupas, eletrodomésticos, mobiliário. Até a indústria de vestuário, em que o Estado tem perdido participação, ficou mais forte. Quando houve a enchente, em maio, até o início de junho, sem muitos dados, as expectativas eram muito mais pessimistas. Mas já prevíamos que, quando baixasse, as pessoas iam voltar à vida normal e a reconstrução movimentaria a atividade econômica. Mesmo assim, crescer 4,2% com uma enchente do tamanho que foi, nunca no país houve uma tragédia ambiental desse tamanho, é difícil de explicar. Mas nos números, o agro e setor de serviços explicam.

O que mais chamou atenção no estudo?

O fato de haver um movimento tão diferente entre Estados que têm renda per capita mais ou menos parecida. Não achei que seria tão grande. De positivo, o fato de SC estar entrando nesse mundo mais digital, com mais inovação. E negativo, o de o RS estar perdendo participação no PIB nacional, com dificuldades nos três setores. A dependência da questão climática acaba sendo algo a ser destacado, embora negativamente.

Que recados o estudo dá para o RS?

Não se pode depender tanto de uma só atividade. A experiência de SC ensina muito porque a economia é diversificada. A preocupação com as questões climáticas não se relaciona só à economia. Há perdas de vidas, psicológica. É preciso ter medidas de maior resiliência às mudanças climáticas, que já estão acontecendo e tendem a se agravar. Como carioca, sei que estamos competindo terrivelmente, porque o Rio também está muito mal. É importante ter prevenção para evitar novas tragédias. _

GPS DA ECONOMIA

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