quinta-feira, 30 de junho de 2022

 
 Je n'aurai pas le temps - Michel Sardou

   

Michel Fugain - Je n'aurais pas le temps

 

Le Nostre Valli "Cinquant' Anni"

30 DE JUNHO DE 2022
ZÉ VICTOR CASTIEL

O fator Araújo Vianna

José de Araújo Vianna, compositor gaúcho da virada do século 19 para o 20, cuja obra mais famosa foi a ópera Carmela, jamais poderia imaginar que, além de ser homenageado no nome de um auditório tradicionalíssimo de Porto Alegre, seria também, quase cem anos depois, um símbolo de reconhecimento de paciência, sucesso e resistência da cultura democrática do entretenimento da capital dos gaúchos.

O primeiro Araújo Vianna foi inaugurado em 1927 e era uma concha acústica com arquibancadas ao ar livre exatamente onde hoje é o prédio da Assembleia Legislativa. Ao ser demolido, acabou achando seu local perene no coração do Parque Farroupilha no início dos anos 1960. Nasceu com a democracia em seu DNA e já abrigou todos os tipos de manifestações populares que se pode imaginar. Aos poucos, foi se desgastando, até ficar um pouco esquecido.

Depois de uma licitação, vencida pela produtora Opus, já no século 21, o Araújo passou a ter um aspecto de auditório de eventos culturais novamente e retomou o caminho do entretenimento, principalmente cultural.

Ao vencer o prazo da primeira parceria público-privada, nova licitação foi feita e, desta vez, foi vencida pela Opinião Produtora, que, além de se comprometer (e cumprir) a manter o Araújo Vianna como um templo de diversão de Porto Alegre, ainda ficou encarregada de reformar e entregar para a cidade o velho Teatro de Câmara, depois Túlio Piva, na Rua da República, 575. Acontece que a pandemia deu pouco tempo ao Opinião, fazendo com que ficassem suspensas as atividades do nosso auditório.

Escrevo tudo isso para dizer que agora, no momento em que os eventos já podem ser presenciais em sua plenitude, cabe nossa reverência e profundo agradecimento aos homens que conduzem a Opinião Produtora. Em momento algum se viu algum deles reclamando ou amaldiçoando o status imposto. Ao contrário: puseram-se a planejar a volta com tal volúpia que agora não existe uma só semana em que o auditório não abrigue multidões para curtir eventos locais, nacionais ou internacionais.

Enquanto o público ficava isolado em casa, os abnegados da Opinião já projetavam a volta. E que volta triunfal. Se hoje Porto Alegre está muito mais aliviada, é também porque toda semana pode escolher, de forma democrática, uma superdiversão no querido auditório da Redenção.

Afirmo, sem medo de errar, que a grande resistência dos trabalhadores do entretenimento cultural possui um símbolo: o Auditório Araújo Vianna e o inspirador profissionalismo da grande amiga da cultura, a Opinião Produtora. Ninguém parou para pensar no que este segmento e, particularmente, esses caras sofreram. Gratidão é a única palavra que vem à cabeça de todos nós, trabalhadores do entretenimento cultural. Vocês estão na história de Porto Alegre.

ZÉ VICTOR CASTIEL

30 DE JUNHO DE 2022
CARPINEJAR

A solidão do poder

A oposição pretende instalar uma CPI no Senado para apurar a existência de um gabinete paralelo no MEC durante a gestão de Milton Ribeiro. Mesmo que aconteça, não vai acontecer. Toda CPI sempre desbanca para barganha ideológica dos senadores com o Executivo. Alguém já viu CPI ser levada a sério em ano eleitoral?

O que pode perturbar a corrida pela reeleição de Bolsonaro é a ministra Cármen Lúcia, do STF, a pedra mineira no seu caminho, que enviou à Procuradoria Geral da República, para manifestação, um pedido de investigação por suposto vazamento da operação Acesso Pago.

Não sei se Bolsonaro comunicou ou não ao ex-ministro da Educação Milton Ribeiro sobre a operação da Polícia Federal, se adiantou ou não ao pastor camarada a busca e apreensão que seria feita secretamente na sua residência em Santos. Não sei se alertou os gansos, como costumamos nos expressar aqui. Só temos um telefonema interceptado do ex-ministro com a sua filha comentando o caso. São indícios, não perícias concluídas.

O que me interessa é analisar a solidão do poder. Como presidente, você não pode ter amigos. Porque um dos seus amigos pode estar sendo investigado neste momento pela Polícia Federal. Não pode nem salvar os próprios filhos. Porque um dos seus filhos pode estar sendo investigado neste momento pela Polícia Federal.

O poder é imobilidade, significa - ironicamente - um não poder. Você não pode fazer nada, seu papel é ser um túmulo das informações privilegiadas que recebe diariamente aos borbotões. Se possível, uma urna crematória.

Não tem como intervir, influenciar o andamento de investigações, apesar de conhecer pormenores e detalhes de tudo, apesar dos nomes dos seus afetos envolvidos. Nem tem como mandar um WhatsApp. Ou fazer um áudio.

A autoridade suprema do país é repleta do mais abominável sacrifício individual. Para respeitar a autonomia dos Poderes, o presidente deve negar o amor incondicional de pai ou de mãe e a sagrada lealdade com o seu círculo familiar e de confidentes.

Não pode levar trabalho para casa como qualquer mortal. Não pode dizer com quem conversou ao longo do expediente ou como foi o seu dia para esposa ou marido nos jantares do Palácio da Alvorada.

Getúlio Vargas, em seus diários, afirmava que não tinha lugar mais solitário do que a escrivaninha do presidente. Um desterro da ternura, um esconderijo desumano e cruel sem o afeto mais coloquial e o socorro mais corriqueiro. É um destino escrito com a pena, sucedido de despedidas e abandonos.

Minha mãe me conta que visitou o conterrâneo Vargas no Palácio do Catete, em excursão de debutantes de Guaporé (RS) ao Rio de Janeiro, alguns dias antes do seu suicídio em 24 de agosto de 1954. Na hora de cumprimentá-lo, driblou o cerimonial e correu para abraçá-lo. A ombreira do seu vestido ficou molhada. Getúlio tinha chorado com o rosto escondido no abraço.

Foram as lágrimas inconsoláveis e solenes do cargo, de quem saía da vida pessoal para entrar na História.

CARPINEJAR

30 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

MANOBRA NADA SECRETA

Planejada meticulosamente pelo bloco parlamentar conhecido como centrão, que abriga representantes de vários partidos no Congresso e costuma usar sua supremacia numérica para defender interesses próprios, está em curso na Câmara uma manobra para manter sob controle desse grupo o orçamento secreto de 2023, independentemente do resultado da eleição presidencial. A estratégia tem como objetivo o manejo de uma cifra estimada em R$ 19 bilhões, destinada às chamadas emendas de relator - nome que faz referência ao congressista designado por seus pares para intermediar verbas do orçamento reservadas para emendas individuais e emendas de bancada.

Trata-se, na verdade, de um generoso percentual do Orçamento Geral da União que vem sendo utilizado sistematicamente para o troca-troca político entre o Executivo e sua base de apoio no parlamento. Não é ilegal, pois os parlamentares se autoconcederam esse privilégio de direcionar recursos públicos para suas bases eleitorais. Mas não se pode dizer que seja republicano nem transparente, uma vez que sequer fica registrado em nome de qual parlamentar o gasto foi efetivado. Daí resulta o apelido "orçamento secreto".

O orçamento até pode ser secreto, mas a esperteza da manobra em curso é evidente: a cúpula da Câmara trabalha para embutir na Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO) de 2023 uma regra que obriga o presidente da Comissão Mista de Orçamento (CMO) e o relator da LDO a assinarem as indicações das emendas do orçamento secreto. Atualmente, apenas o relator-geral do orçamento tem essa função. Se a mudança for bem-sucedida, bastará às lideranças do centrão colocar nas funções decisórias nomes comprometidos com o bloco que dita as regras no parlamento. É o que está sendo articulado, sob o pretexto disparatado de que assim haverá mais transparência.

Ora, o próprio centrão é uma organização pouco transparente. Formado por parlamentares de vários partidos, o grupo, na sua composição atual, tem sido frequentemente associado à chamada velha política e ao fisiologismo, por atuar mais em defesa dos interesses pessoais e partidários de seus componentes. Apesar de ser um bloco informal - como também o são as chamadas bancadas setoriais que defendem causas específicas -, sua atuação fragiliza a finalidade prioritária do Legislativo, que é legislar e fiscalizar os atos do Executivo em nome do conjunto de cidadãos.

Mas o bloco existe, tem inegável poder de fogo e costuma utilizá-lo para pressionar o Executivo, especialmente em períodos pré-eleitorais como o atual. Se esse potencial para a negociata já é preocupante, a existência de um orçamento secreto só faz aumentar a suspeita de que a gestão do dinheiro público não está sendo exercida com a lisura e a transparência devidas aos contribuintes.

Os integrantes do centrão se defendem, argumentando que se trata de um movimento institucional articulado para garantir a governabilidade do Executivo e o equilíbrio de forças no Congresso em torno de ideias convergentes. Porém, a manobra nada secreta pelas verbas do orçamento contradiz essa narrativa autoindulgente. 


30 DE JUNHO DE 2022
TULIO MILMAN

Liberdade para a liberdade

Denúncia: conceitos torturados pelas ideologias clamam por justiça, mas não são ouvidos. Dois, em especial, pedem socorro. O primeiro é "diversidade", mais usado, atualmente, como munição do "nós contra eles". Steven Johnson, no livro De Onde Vêm as Boas Ideias, escrito em 2010, acaba com qualquer dúvida. 

Apresentando dados técnicos e científicos, comprova a maior eficiência econômica dos ambientes povoados por pessoas e ideias diferentes. É neles que a inovação prospera. Há também a dimensão ética, humana e social desse processo, igualmente importante. Uma ponte sólida, ainda bem, liga esses ativos intangíveis à geração concreta de valor. Mania de separar o que, no fundo, é uma coisa só.

O segundo conceito que sofre espancamento público constante é "liberdade individual". Desde quando um campo político tem o monopólio da obviedade? O que os mais afoitos esquecem, na ânsia de escravizar o significado da expressão, é que a liberdade individual só é possível quando o coletivo funciona. E vice-versa. O absoluto respeito ao indivíduo não passa pelo desprezo ao pensamento coletivo. É exatamente o contrário. Um não sobrevive sem o outro. Um leva ao outro. E nós aqui, envolvidos em uma queda de braço absurda para provar qual metade do mesmo cérebro tem razão.

Culpa, também, dos oportunistas da moderação. Ocupar espaço é o que importa, mesmo que, na eleição passada, tenham contribuído de forma decisiva para o que hoje juram rejeitar.

Vai aí um desabafo: é dura a vida de quem resiste à polarização. Ando sem assunto em muitos dos meus grupos de WhatsApp. E só vai piorar até outubro. De fato, o radicalismo deveria ser o inimigo comum de quem realmente é patriota, humanista, defensor da liberdade individual e da diversidade. O que vejo no meu país hoje, infelizmente, são narrativas ardilosamente construídas para abocanhar o poder, inspiradas unicamente pelo impulso da destruição, da polarização e da demonização do outro lado. 

Anote aí: mais uma vez, não elegeremos um presidente, mas sim alguém que impedirá "o candidato que eu odeio" de chegar ao poder. A vitória do "anti" gera euforia passageira e uma sensação efêmera e intensa de alívio. O problema, que deveria ser solução, se chama o futuro. Para que ele seja luminoso, não basta vencer a guerra contra uma ideia forjada, genérica e imprecisa do mal. É preciso saber onde e como queremos chegar. Mas aí não adianta gritar. É preciso ouvir.

TULIO MILMAN

30 DE JUNHO DE 2022
INFORME ESPECIAL

Da Lomba do Pinheiro para Singapura

Henrique Vieira Soares (ao lado) não hesita quando fala de si mesmo e logo avisa: sua trajetória está ligada à vontade de estudar. Morador da Parada 4 na Lomba do Pinheiro, na Capital, o jovem, que divide a casa com a mãe, começou a pensar cedo nos rumos da sua vida e isso fez toda a diferença para que, agora, aos 18 anos, tenha as malas prontas para se mudar e estudar em Singapura, com uma bolsa de estudos integral.

Enquanto ainda cursava o 8º ano do Ensino Fundamental na rede pública, Henrique passou a procurar por bolsas e vagas em colégios particulares, tudo por conta própria. Foi aprovado em 2017 para cursar o restante dos estudos no Colégio Farroupilha, com bolsa integral.

- Eu tinha vontade de aprender e me desafiar mais academicamente - conta.

Decidido, em 2020 conheceu e participou de um processo seletivo para a United World Colleges (UWC), mas acabou não passando. A rede, que tem 18 unidades em diferentes países, foi criada em 1962, no contexto da Guerra Fria. Procurava, por meio dos espaços de estudos, criar um exemplo de convivência pacífica. Lá, jovens de todo o mundo terminam o "bacharelado internacional", equivalente à conclusão das matérias do Ensino Médio, mas com uma formação mais direcionada e acadêmica. Ao fim do curso, por exemplo, é preciso apresentar uma monografia.

Por conta da pandemia, a UWC, que aceita jovens do 1º e 2º ano do Ensino Médio, abriu exceção para alunos do último ano da etapa. Foi quando Henrique decidiu tentar de novo.

- Quando tentei em 2020, achei que seria minha única chance. Aí eles mudaram o regulamento e eu pensei: "É um sinal".

Henrique estava certo. Após quatro etapas de um processo seletivo que envolvia provas, entrevistas e dinâmicas, em janeiro ele recebeu a notícia de que era um dos 13 brasileiros selecionados e embarcaria em agosto para o colégio em Singapura.

- A ficha ainda não caiu - conta.

CAIO CIGANA INTERINO

quarta-feira, 29 de junho de 2022


29 DE JUNHO DE 2022
JEFERSON TENÓRIO

O Rio Grande e a reparação histórica

Participei recentemente de um ensaio fotográfico para a National Geographic. As fotos e a matéria especial foram produzidas pelo fotógrafo Marcio Pimenta e trazem a trágica história dos Lanceiros Negros na chamada Revolução Farroupilha, período da mais longa guerra civil do país (1822-1889). A guerra liderada pelas elites gaúchas tinha um caráter separatista e republicano. Desse modo, para angariar mais força em seu exército contra o império, líderes dessa revolução recrutaram negros escravizados para lutarem a seu favor. Em troca, receberam a promessa de serem libertados.

O discurso heroico da Revolução Farroupilha não condiz com a realidade e as verdadeiras motivações da guerra. Precisamos sempre lembrar que a revolta ocorreu por interesses econômicos. Tinha-se uma elite gaúcha insatisfeita com o aumento de impostos cobrados sobre os produtos. Diferentemente dos outros soldados recrutados para essa guerra civil, os Lanceiros Negros não entraram em batalhas pelos ideais farroupilha, mas pelo anseio de liberdade. Ao serem colocados numa emboscada cruel e vergonhosa, estes soldados negros pagaram com a morte a coragem de acreditar nas promessas farroupilhas.

Nesse sentido, rever o passado de forma honesta e crítica, reconhecendo as violências e o apagamento das identidades negras, significa avançar nas pautas antirracistas no Estado do Rio Grande do Sul. Por isso, é importante olharmos para tais eventos sem condescendência. Assumir a dívida histórica que este Estado tem com a população negra. A matéria da National, com textos meus e do jornalista Juremir Machado, traz também o registro fotográfico de personalidades negras gaúchas da atualidade, como o intelectual Jorge Euzébio Assumpção, a medalhista Daiane do Santos, o técnico do Grêmio Roger Machado, a cantora Valéria Barcellos, entre outros.

Trazer essas figuras negras ilustres da atualidade nos leva para um espaço simbólico importante, justamente porque a ancestralidade nos coloca num outro tempo. Nos leva para uma outra experiência e para uma outra dimensão: a dimensão do sagrado. Não no sentido religioso, mas num sentido existencial. Quando homens e mulheres negras alcançam postos de destaque numa sociedade desigual e racista, isso significa dizer que sempre chegamos acompanhados dos que lutaram antes. Daqueles que abriram os caminhos e nos trouxeram até aqui. A ancestralidade somos nós: passado e presente. Axé.

JEFERSON TENÓRIO

29 DE JUNHO DE 2022
CARPINEJAR

Lembro o sobrenome dos colegas de escola

Não sei se isso acontece com você. Mas eu tenho, como um bom quarentão, dificuldade de fixar o nome dos outros. Ou me recordo do nome, ou do rosto, não mais dos dois juntos. E nem é uma sequela da covid, porque não contraí a terrível moléstia.

Enfrento o constrangimento de ganhar tempo conversando com a pessoa até surgir alguma iluminação a respeito de onde a conheço.

Odeio quando alguém joga na minha cara que eu não o reconheci - é falta de educação fazer flagrantes da amnésia alheia. Deixe o vivente quieto no seu esquecimento. Se não anoto o nome do contato na agenda do celular, nunca localizo a figura, ela fica boiando no cemitério de prefixos.

Nem o número telefônico de minha esposa, ou dos meus filhos, ou dos meus pais, eu decorei. Tentei fixar, mas confundo um com o outro. Sou Dr. Jekyll fazendo Frankenstein. Acabei de confundir o livro do escocês Robert Louis Stevenson com o da inglesa Mary Shelley.

Minha memória encurtou como um jeans de tanto frequentar a máquina de lavar. Deito-me na cama para fechar o zíper. É que estou tão gordo de recordações, de vida vivida, que nada mais serve em mim.

Uso o recurso de mímicas e risadas para compensar as lacunas e os lapsos nos encontros com conhecidos e aparentar desembaraço e simpatia.

Mas me dei conta de algo estarrecedor e misterioso. Recordo-me do telefone antigo da minha residência quando pequeno: 341162. Ou do trabalho de minha mãe, 324646, ao qual eu precisava ligar se acontecesse algo de urgente comigo ou com os meus irmãos.

Não me lembro deles porque ambos apresentam apenas seis dígitos, diferentemente dos oito dígitos da atualidade, mas porque eu gravava tudo na infância com uma maior facilidade, quando a minha massa cinzenta se mostrava mais colorida e disponível, mais vazia e menos concorrida de preocupações.

Sou capaz de reconstituir a chamada da sala de aula da primeira série do Ensino Fundamental da Escola Estadual Imperatriz Leopoldina, por ordem alfabética, com o nome e o sobrenome dos meus colegas. Eu ocupava o 11º lugar da lista.

Não sofro de nenhum balbucio, de nenhuma vacilação. As palavras sobem da garganta com a altivez de certezas exatas.

As evocações dos meus períodos de formação são as menos adulteradas pela minha experiência. Posso embaralhar as refeições de ontem, porém detalhar o que comia na merenda escolar toda quinta-feira: sagu com creme, numa vasilha azul e com colher de metal.

Talvez tenham sido momentos de emoção à flor da pele, em que não escolhia o que viver como hoje. Meus hormônios e neurotransmissores assinalavam que tudo era novo e importante, ofereciam tratamento especial para essas reminiscências, antecipando saudades, sublinhando os detalhes.

Alguém, pelo menos, dentro de mim, ainda tem uma memória intacta. Devo confiar mais no menino que fui. Não posso jamais esquecer a minha criança interior.

CARPINEJAR

29 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

CRECHES INACABADAS

Lançado em 2012 pelo governo federal com o objetivo de resolver o déficit de vagas para a primeira etapa da Educação Básica, o Programa Nacional de Reestruturação e Aquisição de Equipamentos para a Rede Escolar Pública de Educação Infantil (Proinfância) promoveu avanços importantes na rede de creches, mas também deixou um saldo de obras inacabadas, desperdícios e frustrações.

Dez anos depois do seu lançamento no Rio Grande do Sul, 853 creches das 1.843 previstas não foram concluídas e pelo menos quatro dezenas viraram esqueletos de construções inaproveitáveis. A radiografia dessa incúria foi mostrada em reportagem do Grupo de Investigação da RBS (GDI) publicada na edição conjunta dos dias 25 e 26, evidenciando a má gestão pública na contratação de prestadores de serviço sem a competência e a habilitação necessárias para a conclusão das obras.

Trata-se de um escândalo de dimensões nacionais, tanto que o Tribunal de Contas da União acaba de aprovar auditoria específica para obras interrompidas pelo Ministério da Educação em todo o país. Os recursos (mal) utilizados provêm do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), ligado ao MEC e gestor do programa Proinfância. A maioria das obras do programa é composta por creches e canchas esportivas.

As partes envolvidas no projeto inconcluso se justificam, tentando transferir responsabilidades. Empreiteiras que não cumpriram prazos ou suspenderam trabalhos alegam dificuldades financeiras e falta de repasse de recursos estatais. O governo, na pressa de cumprir compromisso político e apresentar solução emergencial para o problema da carência de creches, apelou para o Regime Diferenciado de Contratações e fez negócio com fornecedores pouco capacitados. O resultado não podia ser outro: desperdício de dinheiro público e de material. Há registros de prefeituras que usaram o dinheiro das creches para outras finalidades e também de governos municipais que tentam recuperar as obras inconclusas com recursos próprios, mas sequer conseguem aproveitar as estruturas abandonadas.

Mas as maiores perdedoras neste episódio foram as famílias prejudicadas pela negligência, principalmente as crianças privadas do aprendizado da educação infantil e do indispensável convívio social fora do núcleo familiar. Sem o recurso que a legislação lhes assegura, pais e mães tiveram que renunciar a oportunidades de trabalho para ficar com as crianças.

A falta de sintonia entre o governo federal e as prefeituras também está entre os motivos do descalabro, no entendimento de organizações sociais como a Transparência Brasil e o Observatório Social do Brasil, ouvidos pela reportagem do GDI. São delas as recomendações para que problemas semelhantes não voltem a ocorrer: maior controle por parte do governo federal, fiscalização sobre os projetos das prefeituras e sobre a execução dos trabalhos, comprovação da capacidade de investimento das empresas vencedoras das licitações e predominância de critérios técnicos sobre as ligações políticas na escolha das empresas prestadoras de serviço.

Que pelo menos os erros do passado sirvam de lição para o futuro.

OPINIÃO DA RBS

29 DE JUNHO DE 2022
CHAMOU ATENÇÃO

Quiosques prontos na Orla

Os móveis e as oito torneiras de chope e de drinques estão prontos. A Alcapone espera apenas receber as chaves para equipar o quiosque de número 6 na Orla Moacyr Scliar.

- Faz bastante tempo que estamos esperando essa oportunidade, desde que começaram a falar da Orla. A gente sabe que essa área tem um potencial muito grande - diz Rafael Basteiro Rodriguez, sócio da cervejaria.

A marca ocupará um dos oito quiosques no nível da Edvaldo Pereira Paiva do trecho 1 da Orla revitalizada. As estruturas foram todas instaladas neste mês no modelo fast flex, que permite que toda construção seja feita na fábrica e apenas a instalação ocorra no local, sem gerar resíduos ou transtorno aos frequentadores.

Cada módulo tem seis metros de largura por 2m40cm de profundidade, e mescla madeira, aço e concreto. Também serão instalados mobiliários para descanso, como cadeiras e guarda-sóis, nos platôs.

A execução e instalação são de responsabilidade da GAM3 Parks, concessionária responsável pelo trecho 1 e pelo Parque Maurício Sirotsky Sobrinho. O projeto recebeu aval da prefeitura e do escritório de arquitetura de Jaime Lerner, arquiteto responsável pela revitalização da Orla, falecido em 2021.

A concessionária ainda precisa providenciar a instalação de energia elétrica em cada um dos quiosques para liberar as operações. Não há data definida para a abertura dos módulos: assim que receberem as chaves, os permissionários poderão ocupá-los e inaugurar ao seu ritmo.

A GAM3 acredita que com os oito equipamentos colocados, mais as operações de bares já presentes, não serão necessários outros. O valor do aluguel não foi divulgado.

 JÉSSICA REBECA WEBER


29 DE JUNHO DE 2022
MÁRIO CORSO

Cante para suas crianças

Você lembra da música Refazenda, de Gilberto Gil? "Abacateiro acataremos teu ato, nós também somos do mato, como o pato e o leão. Aguardaremos, brincaremos no regato até que nos tragam frutos teu amor, teu coração." Segue numa batida nonsense, passando por colagem de partes de versos: "Saiba que na refazenda, tu me ensina a fazer renda que eu te ensino a namorar." E termina de inopino com: "Guabiroba".

Como algo tão descosturado está no imaginário de tantas pessoas? Claro, há uma doçura melódica, como em todas as outras canções do autor. Mas o que significa esta letra, cujo título é um neologismo enigmático? A chave está em que a aquisição da linguagem passa por fases. Esta letra apela e faz sentido para um momento intermediário esquecido. Quando a criança já domina diálogos simples, mas não entende o que seus adultos falam entre si. É quando ela pesca fragmentos da conversa e o resto lhe parece um blá-blá-blá rítmico. Refazenda nos captura porque fala para a criança encantada com a sonoridade misteriosa das palavras que habita o adulto.

As crianças também gostam dessa música. Soube de uma professora que introduziu Refazenda como sinal da hora do lanche. As crianças são ritualísticas, gostam que seus momentos sejam marcados por canções. Elas geralmente estão dispersas, então atendem melhor ao chamado de uma música que previamente significa um novo momento do que a um comando. Tente mandar as crianças pararem de brincar e guardarem seus brinquedos. Veja se não é mais efetivo cantar: - Guarda, guarda bem direitinho?

Júlia, minha caçula, era especialmente rebelde para escovar os dentes. Eu lhe expliquei que os dentes podem ser atacados. As cáries são como os cupins, uma referência que ela conhecia. Não adiantou. Então, nem sei como, inventei uma música com o tema cupim. Pegava a escova cantando a ópera dos cupins. Pelos meus dotes musicais, garanto-lhes, não era grande coisa. Mas funcionava, ela vinha diligente e entusiasmada para a escovação.

A infância das minhas filhas foi marcada pelas músicas do Castelo Rá-Tim-Bum, programa da TV Cultura. Não havia banho sem a cantoria do: Banho É Bom. A música de escovar os dentes era bem melhor do que a minha. As letras grudavam, às vezes vou lavar as mãos e ainda escuto a musiquinha Lava Uma Mão. Havia o Rap da Reciclagem, a Música dos Dedos ensinava rudimentos de matemática, Passarinho, Que Som É Esse? introduzia os instrumentos musicais.

Enfim, as crianças habitam a Refazenda, a musicalidade da palavra chega antes do sentido. Quem não perdeu a magia dessa fase, para nossa sorte, vira poeta, músico. O musical, enquanto gênero, é a tônica na infância. Portanto, cante para suas crianças. Isso melhora o contato com os pequenos, estimula a linguagem, e ainda facilita sua vida.

MÁRIO CORSO

terça-feira, 28 de junho de 2022


28 DE JUNHO DE 2022
LUÍS AUGUSTO FISCHER

Um livro transatlântico

Duzentos anos atrás, em maio, nascia um Johann Georg Klein, numa aldeia que hoje é parte da Alemanha. Acontecimento sem transcendência maior, como qualquer outro nascimento. (Em setembro do mesmo ano, ocorreria o episódio que marcou a Independência do Brasil.)

Este sujeito teve a chance de estudar, a ponto de, aos 16 anos, conseguir escrever um tratado sobre a Bíblia. Um feito notável para sua idade e para sua formação. Luterano, este pretensioso Klein viria a se tornar professor de escola elementar. Mas aos 30 anos, 1852, ele resolve emigrar para o Brasil, no rastro de parentes próximos seus que já viviam na ponta sulina do novo país. Abandonava a região do Reno para viver na região do Sinos, carregando aquele estudo manuscrito.

(Em 1852, saía em folhetim, no Rio de Janeiro, Memórias de um Sargento de Milícias, de Manuel Antônio de Almeida. Em Porto Alegre, começava a circular o primeiro jornal em alemão, Der Colonist, porque havia leitores dessa língua em volume já considerável.)

Klein, com seu trato intelectual requintado para o contexto, veio a ser cunhado da Jacobina Maurer, a figura central da chamada guerra Mucker. Foi considerado pelas autoridades como o cérebro daquele episódio, vindo a ser processado e, após muitos percalços, inocentado.

Evoco aqui essa história impressionante para mencionar Escritos Perdidos - Vida e Obra de um Imigrante Insurgente (Johann Georg Klein - 1822-1915), de João Biehl e Miquéias Mügge, que será lançado em agosto pela editora Oikos, de São Leopoldo. Os autores, antropólogo e historiador respectivamente, nascidos no mesmo mundo do Vale do Rio dos Sinos, são professores em Princeton, EUA. No livro, repassam a trajetória e o contexto dessa impressionante trajetória com delicadeza e precisão, numa narrativa que mantém o encanto digamos romanesco do caso mas sempre controlando as rédeas analíticas do mundo retratado.

O livro traz também a tradução daquele manuscrito, chamado Vom Katechismus, feita por Johannes Hasenack. Para além da visão de mundo do jovem Klein, é comovente acompanhar um dicionário tentativo que ele foi fazendo nas margens do próprio manuscrito. Ele ia aprendendo o português e anotando, organizadamente, em seções divididas entre "Coisas da escola", "Coisas na casa", e bem assim coisas no ar e na água, coisas de pau e de couro.

O excelente livro de Biehl e Mügge é precioso por nos devolver um cotidiano ao mesmo tempo remoto e povoado de sonhos e pesadelos iguais aos que acontecem na vida de qualquer um de nós.

LUÍS AUGUSTO FISCHER

28 DE JUNHO DE 2022
CARPINEJAR

Oito vidas de um adeus

Um doador de órgãos pode salvar oito vidas. Transforma o seu adeus em renascimento de oito gaúchos que se encontram na fila, entre a esperança e a angústia, por uma segunda chance de repor a sua saúde.

O corpo humano é um sudário de milagres, com reaproveitamento de rins, fígado, coração, pâncreas, pulmões, córneas, pele, ossos, válvulas cardíacas, cartilagem, medula óssea e sangue de cordão umbilical.

O que me assusta é que estamos experimentando o desprestígio da doação no Rio Grande do Sul. Nossos números vêm despencando. De 243 doações em 2019, passamos para 182 doações em 2020, e descemos para 96 doações em 2021. Se prosseguirmos no ritmo do medo e não adotarmos uma nova postura, caminharemos rumo a uma estatística parca de algumas dezenas.

Enquanto as autorizações caem, a lista de necessitados somente aumenta. De acordo com os dados da Secretaria de Saúde do Estado, 1311 pessoas aguardam um rim, 958 pessoas aguardam uma córnea, 151 pessoas aguardam um fígado, 13 pessoas aguardam um coração.

Uma das minhas suposições para o retrocesso é a falácia popular, superando as restrições dos cânones religiosos. Acredito que a superstição de que o falecido continuará no corpo do paciente não ajuda em nada na campanha de incentivo. As famílias ficam ainda mais assustadas com a crendice da permanência do seu ente querido em outro corpo.

Novelas e filmes reforçam a romantização de um coração doado. Como se o coração carregasse a memória do morto e transferisse o que ele sentia para o beneficiado do transplante.

Se fosse assim, enviuvados sofreriam o baque de uma ressurreição e se veriam obrigados a se aproximar dos sobreviventes como extensões de seus amores. Tal teoria não colabora com o luto e agrava a obsessão de todos os que perderam alguém em procurar indícios de intimidade nos encontros futuros com os transplantados.

Forma-se o medo místico de que o transplantado assumirá os antecedentes de seu doador ou de que este, dependendo de como viveu e de qual o seu caráter, influenciará as decisões do transplantado.

É um eugenismo pós-morte, corrente de pensamento que inspirou a segregação e o extermínio nazistas. Ou seja, transmite-se a ideia de controlar as qualidades genéticas e biográficas de quem dá ou recebe.

Não seriam aceitos órgãos de um assassino ou não seriam repassados órgãos a um assaltante. Haveria uma necessidade de entender para onde vai, de onde parte, antes de firmar a transferência.

Ideologizamos a doação e negamos a ciência. Medicina não é poltergeist. O doador não vai prosseguir no transplantado nem substituir a sua existência. São apenas órgãos, não são fantasmas. Não ocorre uma migração de almas.

Os preconceitos letais se valem de distorções. Quem está à espera da sobrevivência não tem tempo a seu favor para desfazer mal-entendidos. No pulso, diferentemente de nós, não carrega um relógio, e sim um cronômetro, numa galopante contagem regressiva. É capaz de morrer pela falta generalizada de informação e de objetividade.

A doação não depende de sensibilidade, ou de gratidão à vida, ou de generosidade. Decorre da cidadania mais autêntica e despojada que existe, de ser compatível com a coletividade, de ser útil para a sociedade, de ajudar não importa a quem.

Quem está à espera da sobrevivência não tem tempo a seu favor para desfazer mal-entendidos

Fabricio Carpinejar


28 DE JUNHO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

A FILA DA FOME

O Brasil que faz quatro refeições diárias precisa resolver com urgência o problema do Brasil que passa fome. Sob o rótulo mais palatável de insegurança alimentar, o tema já é pauta obrigatória da campanha eleitoral que se avizinha. Mas os cartazes de papelão erguidos nos semáforos das grandes cidades, os barracos armados nas calçadas e os acampamentos improvisados sob marquises escancaram o crescimento exponencial da população vulnerável. A fome não pode esperar pela burocracia nem pela demagogia dos discursos políticos.

Só no Rio Grande do Sul, o número de famílias que buscam o Auxílio Brasil subiu de 21 mil para 96 mil em quatro meses. A procura quase desesperada pelo programa social criado para transferir renda a famílias em situação de pobreza e de extrema pobreza evidencia o agravamento da situação num contexto de inflação persistente, preços crescentes e falta de oportunidades de trabalho.

O irônico deste quadro desolador é a constatação de que o país produz alimentos suficientes para suprir um sexto da população mundial, como lembrou o presidente Jair Bolsonaro na última reunião da Cúpula das Américas. Ao mesmo tempo, um informe do 2º Inquérito Nacional sobre Insegurança Alimentar no Contexto da Pandemia da Covid-19, elaborado pela Rede Penssan, que reúne pesquisadores de universidades e instituições nacionais, registrava que o contingente de brasileiros passando fome já ultrapassa 33 milhões de pessoas. Até mesmo a FAO, agência de alimentos da ONU, considera vergonhoso e contraditório que um dos maiores produtores de comida do mundo não consiga erradicar a fome de sua população.

Sobre a insegurança alimentar dos brasileiros, é sempre importante esclarecer que não se trata de milhões de pessoas famélicas e subnutridas, mas predominantemente de indivíduos que, mesmo quando conseguem se alimentar, não sabem se terão comida no dia seguinte ou na refeição seguinte. Evidentemente, isso em nada atenua a gravidade do problema nem diminui o tamanho do desafio.

E o desafio certamente não é apenas prestar ajuda emergencial, seja através de auxílios sociais do terceiro setor ou de programas oficiais de transferência de renda. Ainda que tais ações sejam necessárias e indispensáveis no momento, o país precisa encontrar também soluções estruturais duradouras para a população vulnerável, o que só poderá alcançar com políticas públicas centradas na educação, na formação profissional e na criação de empregos.

Nesse contexto, programas assistenciais como o Auxílio Brasil e o Bolsa Família são oportunos, mas devem manter abertas as portas de saída para que as pessoas não fiquem dependentes nem percam a esperança de conquistar uma vida mais digna. Além disso, é fundamental que sejam executados com planejamento e transparência, de modo que os brasileiros que trabalham e pagam impostos tenham a certeza de que os recursos públicos estão sendo utilizados para uma causa justa e não apenas para promover eventuais ocupantes do poder.

O enfrentamento da fila da fome exige ações conjuntas e permanentes do poder público, do poder econômico e de organizações da sociedade civil.

OPINIÃO DA RBS

28 DE JUNHO DE 2022
ECONOMIA E SUSTENTABILIDADE

Líderes do G7 fazem acordo por energia limpa

Os líderes do G7, grupo dos países mais ricos do mundo, reunidos ontem na cidade de Elmau, na Alemanha, concordaram em trabalhar juntos para acelerar uma transição "limpa e justa" no setor de energia, almejando a neutralidade no clima, mas também garantindo a segurança dele.

Em comunicado, o G7 afirma que as autoridades reconheceram as "imensas oportunidades" para desenvolvimento social e econômico nessa transição, além de reafirmar o compromisso com o Acordo de Paris e o Pacto Climático de Glasgow, para limitar a alta na temperatura global abaixo de 2°C e, inclusive, almejando que essa alta seja limitada a 1,5°C acima dos níveis pré-industriais.

Compromisso

Os líderes se comprometeram a trabalhar para acelerar a descarbonização das economias, tendo como alvo emissões líquidas zero, além de garantir acesso a benefícios e oportunidades de desenvolvimento com custo razoável e sustentáveis no setor de energia e para obter benefícios socioeconômicos e oportunidades de desenvolvimento, em linha com a Agenda 2030.

As autoridades concordaram em avaliar opções para reduzir as emissões de carbono no mix de energia e acelerar a transição da dependência de combustíveis fósseis, bem como uma expansão rápida das fontes de energia limpa e renovável.

Essa medida inclui reduzir o uso do carvão, enquanto se aumenta a parcela das energias renováveis no mix energético, diz o comunicado.

A nota informa ainda que os líderes do G7 reforçaram seu compromisso de trabalhar com a Argentina para atingir a neutralidade climática até 2050. O país sul-americano está na cúpula do G7 como convidado.

 


28 DE JUNHO DE 2022
INFORME ESPECIAL

Concurso para cantoras líricas

O Plaza São Rafael Hotel, em Porto Alegre, recebe de hoje a quinta-feira o 1º Concurso Zola Amaro para Cantoras Líricas. O evento é organizado pela Orquestra de Câmara da Ulbra e a Agenda Lírica. A competição homenageia a soprano gaúcha Zola Amaro, a primeira sul-americana a cantar no mítico Teatro Alla Scala de Milão, templo mundial da ópera.

Será o primeiro concurso de canto lírico da Capital. Outra novidade é o fato de premiar exclusivamente mulheres. As 20 candidatas, pré-classificadas, vindas de vários Estados e dos EUA, concorrem a premiação em dinheiro, a uma bolsa de estudos com a soprano internacional Carla Maffioletti, destaque da orquestra holandesa André Rieu, a vaga na seleção prévia da semifinal do Concurso Brasileiro de Canto Maria Callas 2023 e a uma viagem a Milão.

O evento faz parte das comemorações dos 250 anos de Porto Alegre. Começa às 13h e é aberto ao público. No domingo, a partir das 19h, o haverá um concerto de premiação, com a Orquestra da Ulbra, na Associação Leopoldina Juvenil.

Quantidade x qualidade

O deputado federal Jerônimo Goergen traz mais uma contribuição para o debate relacionado a produção parlamentar, a partir de nota publicada na semana passada sobre os membros da Assembleia que mais apresentaram propostas de projetos de lei durante a atual legislatura. A partir da visão de quem foi relator da Lei da Liberdade Econômica, Goergen faz uma ponderação: para ele, quanto mais leis, mais desorganizada seria a sociedade, pela criação de mais burocracia.

Para o deputado, como também ressaltaram leitores em mensagens à coluna, qualidade é mais importante do que quantidade, junto à conscientização dos cidadãos. Goergen reúne alguns estudos recentes sobre o tema. Um deles é um trabalho da Fundação da Liberdade Econômica (FLE). A conclusão foi de que cerca de um quinto dos atos normativos aprovados pelo Congresso desde o início do ano passado elevou a burocracia de serviços públicos.

CAIO CIGANA INTERINO

segunda-feira, 27 de junho de 2022


27 DE JUNHO DE 2022
CARPINEJAR

Capitais do nosso Estado

Gaúcho tem que se gabar. Acredito que até é modesto perto da sua riqueza cultural. Não há nenhum outro Estado brasileiro com tantas capitais. Cada Estado no país tem uma solitária capital - o que é uma tristeza, uma avareza cósmica, uma economia sem necessidade.

Rio Grande do Sul, pelo contrário, não tem municípios, só capitais. Eu me filio a fatos incontestáveis.

Porto Alegre é apenas uma delas. Qualquer cidade gaúcha é capital de alguma coisa, de uma prática, de uma mentalidade, de um sentimento, de um produto. As localidades dividem irmãmente seus dons quando partilham vocações comerciais e agrícolas parecidas.

Baco fez uma divisão justa. Bento Gonçalves é a capital do vinho, Caxias do Sul é a da uva e Garibaldi é a do champanhe. Os títulos são complementares. São as mesmas parreiras para fins diferentes. Na Serra, não se pisa nas uvas alheias.

Do mesmo modo, Arvorezinha e Venâncio Aires entraram em consenso. A primeira é a capital da erva-mate e a segunda, do chimarrão. Ninguém mexe na bomba do outro.

Há ainda as capitais dos frutos, como Bom Princípio, representando os morangos; e Vacaria, as maçãs, a segunda maior produtora do país. Em ambas as cidades, há monumentos para os seus símbolos, festas típicas e escolha da rainha e das princesas. Quando vou para Montenegro, sempre saio com uma sacola de bergamotas, já que lá é a capital das tangerinas.

Existem as capitais dos grãos, como Cachoeira do Sul (arroz), Tupanciretã (soja), Santo Ângelo (milho).

Não poderia faltar ao nosso acervo a capital do churrasco, Lagoa Vermelha; eu fui lá e provei com meus próprios beiços, lambendo os ossos da costela e depois o que sobrou do "courinho" nos meus dedos. Designação mais do que merecida, pois a carne é assada inteiramente, no chão, com lenha, sem espetos. Mas, se quiser somente ovelhas, seu destino é Livramento, capital do rebanho dos ovinos. Se não é fã de lã, e sim de linho, a parada é na fronteira com a Argentina, em São Borja.

Se vem precisando de um colar especial para a esposa, pegue a estrada para Soledade, capital das pedras preciosas. Se chegou a hora de renovar o estoque de sapatos, dê um pulo em Novo Hamburgo, capital do calçado. Se o seu interesse é aumentar os níveis de glicose, apareça na capital do doce, Pelotas. Se está com vontade de rir, dirija-se para Nova Bréscia, capital da mentira, com um festival que atrai Pinóquios e contadores de anedotas de toda América do Sul. O vencedor sai do palco com a chave de um carro zero quilômetro. E não estou mentindo.

Existem também cidades emocionais, que encantariam o italiano Italo Calvino, autor de Cidades Invisíveis, como Erechim, capital da amizade; Passo Fundo, capital da literatura; Carazinho, capital da hospitalidade; Dom Pedrito, capital da paz.

Muito além do turismo, os batizados afetivos indicam nosso jeito exagerado de ser e de amar, o orgulho da nossa tradição, o apego aos costumes. Oferecemos 497 capitais para todos os gostos e estilos. Não somos um país por uma questão de princípio: não aceitaríamos simplesmente ter uma única capital.

CARPINEJAR

Fatos e patos

O primeiro romance sobre fake news foi escrito há quase 200 anos. Na época, as informações falsas, distorcidas ou exageradas tinham um outro nome, "canard" (pato, em francês), mas o princípio era o mesmo: vender gato (mentira) por lebre (notícia). O livro é Ilusões Perdidas (1837), e a nova adaptação para o cinema, dirigida pelo francês Xavier Giannoli, é uma boa desculpa para ler, ou reler, o melhor romance da extensa obra de Balzac (publicada pela primeira vez no Brasil, sempre é bom lembrar, graças ao dream team de editores e tradutores reunido pela Editora Globo, de Porto Alegre, a partir dos anos 1940).

A história se passa na Paris dos anos 1820, para onde o jovem e ambicioso poeta Lucien de Rubempré se muda com a esperança de fazer carreira em literatura. Na primeira conversa com um editor experiente, Lucien descobre que, antes de ser publicado, precisa ficar famoso. E a melhor e mais lucrativa vitrine para um jovem homem de letras em busca de fama, naquele momento, era a redação de um jornal.

Nessa primeira fase do jornalismo (entre 1789 e 1830), como nas redes sociais nos dias de hoje, o negócio era lacrar a qualquer preço. Eram os tempos das penas de aluguel e do jornalismo partidário. Quanto mais polêmica fosse uma opinião, quanto mais indignação causasse nos leitores, quanto mais réplicas e tréplicas provocasse, mais conhecido ficaria o autor - e mais caro ele poderia cobrar para atacar ou elogiar quem quer que fosse.

Em Ilusões Perdidas, Balzac retrata de maneira crítica esse momento em que os jornais se tornaram um novo tipo de força política. Discussões sobre os limites da liberdade (a certa altura, alguém define a liberdade dos jornalistas como "a liberdade da raposa dentro do galinheiro") e o impacto da nova tecnologia na esfera pública eram novidade. Tudo era confuso, anárquico e aparentemente incontrolável - como agora.

A boa notícia é que, desse caldo original turbulento retratado por Balzac, eventualmente surgiria o jornalismo que se dedica a vigiar os governantes, informar o público com equilíbrio e zelar pelos valores da democracia. A má notícia é que as "canard" (conhecidas na França hoje como "les" fake news) e as "penas de aluguel" não apenas nunca deixaram de existir como ganharam novo fôlego com a tecnologia do século 21.

Resta saber se daqui a 200 anos, quando examinarem os caóticos anos 2020, nossos descendentes sentirão pena ou inveja das nossas ilusões.

CLÁUDIA LAITANO 

27 DE JUNHO DE 2022
INFORME ESPECIAL

Conheça a gaúcha considerada a "mãe da internet" no Brasil Ainda esperançosos

Com uma produção acadêmica vasta, a professora de pós-graduação da UFRGS Liane Margarida Rockenbach Tarouco, 75 anos, acumula 209 artigos publicados em periódicos, outros 375 em anais de eventos, 22 prêmios e 154 orientações entre doutorado, mestrado e especializações. A sua contribuição na formação de tantos profissionais, aliás, foi um dos motivos que a fizeram integrar o Hall da Fama da Internet. Ela foi a primeira brasileira a ganhar a distinção, concedida pela Internet Society, em reconhecimento aos que colaboraram com os avanços da tecnologia. Não é à toa que Liane é chamada de "mãe da internet", apelido que ela considera carinhoso.

Em 1977, ela foi a primeira autora a publicar um livro sobre internet no Brasil. Vale lembrar que, ainda hoje, grande parte da literatura sobre tecnologia tende a ser em inglês, dificultando que o conhecimento chegue a todos.

- Naquela época, a gente nem usava a palavra internet. Nós chamávamos de redes de computadores - conta, bem-humorada.

Hoje, a professora se dedica aos estudos de mundos virtuais imersivos e mobile learning. Tentando traduzir, os esforços dela estão voltados para facilitar a aprendizagem de física, matemática e química nas escolas, para que os alunos possam, através da tecnologia, ter uma experiência mais palpável (e interessante) sobre como essas matérias se aplicam na prática.

Pioneira em um ramo predominantemente masculino, Liane conta que teve que batalhar principalmente pelos cargos de chefia que ocupou:

- Nós temos que bater na porta de alguém para dizer "eu quero esse cargo porque sou qualificada". Para a mulher ascender, além de tudo, ela precisa ser proativa.

Sobre a falta de mulheres no segmento da tecnologia, ela acredita que faltam estímulos na primeira infância e equidade para as que ingressam na carreira.

- As meninas são educadas para serem bem-comportadas, gentis, alegres, suaves. Os meninos, para serem ousados. Isso faz com que as meninas tenham problemas sempre que reagirem diferente do esperado. Depois, o problema é a dupla jornada. Uma mulher não quer ter carreira às custas de sacrificar uma vida familiar agradável - defende.

O desemprego é um drama que também aflige imigrantes que vieram para o Brasil em busca de oportunidades, mas encontram dificuldades de colocação. A prefeitura de Canoas estima que, no munícipio, vivam hoje cerca de cinco mil pessoas vindas de países como Senegal, Venezuela e Haiti. A estimativa é de que cerca de 10% desse contingente ainda enfrente dificuldade para encontrar uma vaga.

Quando chegam no Brasil, a regularização dos documentos demora cerca de 90 dias. A prefeitura de Canoas está com uma ação voltada à agilização dos papeis, atualização de currículos e cadastramento no Sine/FGTAS. Na quinta-feira, entre as pessoas que esperavam atendimento estavam José Gregório Cambera, 56 anos, e a filha Bárbara Paola Cambera Armada, 22 anos (foto). Vieram de Maracay, na Venezuela. Cambera trabalhava como eletricista em uma estatal, mas conta que não recebia pagamento. Depois da morte da esposa, decidiu se aventurar no Brasil para deixar de passar necessidade e fome. Mas estão há sete meses desempregados em Canoas. Ela é publicitária e designer de moda.

INFORME ESPECIAL

27 DE JUNHO DE 2022
EM DIA

UM LUGAR ONDE POSSO USAR O QUE TENHO

Lisboa. Logo que cheguei aqui, conversei com amigos residentes, pessoas que vieram tentar uma vida melhor, e todos foram unânimes: "Aqui se vive bem!". É por isso que Portugal - e especialmente Lisboa - atrai tanta gente do mundo inteiro. Em cada lugar a que se vai, a variedade de línguas é incrível. O dia a dia é a grande diferença. A vida acontece nas ruas. Aqui o cidadão é o dono da rua, as faixas de segurança são de segurança mesmo, as crianças vão sozinhas para a escola. Aniversários, festas populares, shows, apresentações de orquestras são comuns nas praças. Aqui podemos usar e desfrutar do que temos.

A saúde e a educação públicas e privadas são boas.

A cidade tem uma variedade de meios de transporte acessíveis - metrô, ônibus, bonde, barco, bicicleta elétrica, patinete. O metrô é limpo, bonito, com paredes que mais lembram uma galeria de arte. Os portugueses trabalham para viver, e não vivem para trabalhar. O ritmo é tranquilo e eles não têm a nossa urgência. O convívio com a família é prioridade.

Estar diante de todas essas possibilidades reais de um viver mais tranquilo, no primeiro momento, causa estranheza. Em seguida, passamos a perceber que o estado de alerta - de luta ou fuga - que temos ligado o tempo todo no Brasil vai aos poucos sendo desinstalado. É triste ver que muitos de nós acreditam que esse modo de viver é o normal e que não há o que fazer. Portugal nos lembra que podemos viver de forma diferente.

Tudo começa com menor desigualdade social. Os supersalários e os salários de fome são raros. Há uma grande classe média. O salário mínimo é de 705 euros (R$ 3.842,25). E a vida, mesmo com o mínimo, é digna. Por incrível que pareça, é possível comprar muito mais comida do que no Brasil, um dos maiores produtores de alimentos do mundo. Há uma rede de proteção social, para quem não quer ou não pode usar serviços privados, que deixa a população segura. Ninguém fica sem assistência. Não vi nenhum morador de rua, nem alguém catando latas para sobreviver. 

Não é preciso usar carro blindado, encher os prédios de câmeras, grades, seguranças armados, nem sair pela rua com medo de ser assaltado. É proibido andar armado. É importante que cada um de nós saiba que viver inseguro, sem suas necessidades básicas de vida atendidas não é algo normal. Não vai ser armando a população que vamos nos proteger da violência, e sim diminuindo essa diferença entre pobres e ricos. A dignidade de uma vida humana com suas necessidades atendidas é um direito de todos. Viver bem e poder usar o que se tem é um direito de todos! 

ALFREDO FEDRIZZI CONSELHEIRO E CONSULTOR