
12 DE JULHO DE 2021
DAVID COIMBRA
A estranha relação entre dois jogadores da Dupla Gre-Nal
As festas da Editoria de Esportes eram as melhores da redação de Zero Hora. O pessoal das outras editorias se assanhava para frequentá-las, e nós não tínhamos problemas com forasteiros, podiam vir. Muitos estavam incluídos permanentemente na nossa lista de convidados. Um deles, o Carlos Urbim. Que figura divertida e querida era o Urbim. Será que algum dia existiu alguém que não gostasse dele? Duvido.
Houve uma festa em que ele foi o destaque. Estávamos meio modorrentos, digerindo o churrasco, e o Urbim, sem qualquer aviso prévio, saltou do banquinho em que estava sentado, jogou os braços para cima e começou a cantar:
- Ó, jardineira, por que estás tão triste...
Nos primeiros 10 segundos, ficamos todos perplexos. Nos segundos 10 segundos, estávamos todos atrás dele, cantando:
- Veeeeem, jardineeeeira...
E a festa pegou fogo.
Mas não ia escrever sobre o Urbim e sim sobre a Editoria de Esportes. Era uma editoria fortíssima, cheia de gente talentosa. Nós vibrávamos não apenas com festas feéricas, mas com textos bem-escritos, com páginas bem desenhadas, com títulos criativos.
Isso do título. Um título, às vezes, salva uma matéria. Ou a enterra. Vale também para os livros. Quem diria que um título estranho como O Apanhador no Campo de Centeio faria tanto sucesso? O título, no livro, é um enigma. Antes de o livro ser lançado, ninguém sabe se um título vai funcionar. A Mulher de 30 Anos foi um que chegou a gerar um adjetivo: "balzaquiana". Mas o romance não é o melhor de Balzac, de jeito nenhum. O título, sim.
Título de livro pode ser meio misterioso. O de jornal é mais complexo: ele precisa informar também. Se bem que hoje, com a internet, o título de jornal ganhou esse mistério do título do livro: ele não entrega tudo, ele quer que o leitor clique na matéria. Então, ele faz suspense: "Grande clube brasileiro está negociando com centroavante de seleção". Que clube? Que centroavante? Que seleção? Você só descobrirá se entrar na matéria.
O negócio é capturar o leitor, mesmo que o teor do texto não seja tão "quente" quanto o título. O texto é sobre a amizade entre um jogador do Grêmio com um do Inter, coisa comum, nada palpitante, e o editor tasca: "A estranha relação entre dois jogadores da Dupla Gre-Nal".
Pronto. Aí vêm os cliques.
Conto tudo isso por lembrar de como festejávamos um título certeiro, na Editoria de Esportes. Tenho alguns dos quais me orgulho. Um, de quase duas décadas atrás, que fiz depois de um Gre-Nal. Naquela tarde, o goleiro Danrlei, jogando todo de branco, praticou pelo menos meia dúzia de defesas impossíveis, e o clássico terminou empatado. Meu título foi: "Danrlei 0 x 0 Inter". Era o que encabeçaria o caderno de esportes. O Marcelo Rech, vendo a capa do caderno pronta, não hesitou: puxou-o para a capa, e meu título virou manchete do jornal.
Agora, 18 anos depois, o goleiro do Grêmio, Chapecó, teve uma atuação parecida com a de Danrlei, e várias pessoas recordaram daquela manchete. "Chapecó 0 x 0 Inter", repetiram, fim de semana afora. Fiquei encantado. Porque um título representa a brevidade do jornalismo. Você vê o título, entra na matéria e, antes de terminar a leitura, já o esqueceu. E, no dia seguinte, nem da matéria lembra mais. Só que não é bem assim. Algumas coisas, pequenas coisas, ficam. Algumas coisas, pequenas coisas, marcam. Mas, essas, você tem de se divertir fazendo. A festa, o amor ou o trabalho só valem a pena se, ao executá-los, houver diversão.
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