quarta-feira, 31 de agosto de 2022


31 DE AGOSTO DE 2022
ALMANAQUE GAÚCHO

Ditador uruguaio entre os laureados da UFRGS

O texto a seguir é uma colaboração do jornalista Luiz Cláudio Cunha, autor do livro Operação Condor: o Sequestro dos Uruguaios (Editora L&PM, 2008), e parte dessa história está no Anexo I, chamado O Uruguai Sequestrado.

Vi a matéria sobre a justa cassação, pela UFRGS, dos títulos honoris causa, concedidos pela universidade, aos generais Médici e Costa e Silva. Um de 1970 e outro de 1967, no auge de suas estripulias como ditadores. Curioso, fui conferir a lista completa dos 231 homenageados no site do conselho universitário (Consun), onde a dupla desfrutava da companhia de gente decente e ilustre como Paulo Freire, Mario Quintana, Raymundo Faoro, Erico Verissimo, José Saramago e Umberto Eco, entre outras figuras memoráveis.

Na lista, para minha surpresa, encontrei o nome de Aparicio Méndez (1904-1988) agraciado com o título de Doutor Honoris Causa da UFRGS, em 7 de maio de 1957. A sessão solene foi em 16 de março de 1959, quase dois anos depois. O homenageado é o advogado uruguaio e professor de direito da Universidad de La República, em Montevidéu, a mais importante do país, onde lecionou entre 1934 e 1955.

Ele deixou de lecionar na universidade depois que os estudantes o acusaram de usar a sala de aula para defender Mussolini e o regime fascista italiano. Ele entrou na História do Uruguai pela porta dos fundos, quando foi nomeado o terceiro dos quatro presidentes enxertados no poder pelos generais na ditadura de 1973-1985. Antes de chegar ao poder, Méndez foi membro do Conselho de Estado, o órgão inventado pelos generais para substituir o Congresso Nacional, fechado pelo golpe militar de junho de 1973.

O antecessor de Méndez no cargo, também nomeado pelos generais, foi o advogado e historiador Alberto Demicheli, um fantoche da ditadura que durou só três meses no posto. Dócil, Demicheli assinou os dois primeiros Atos Institucionais dos nove que a ditadura implantou, repetindo o modelo autoritário do regime que a inspirava, a dos generais brasileiros, que chegaram ao poder nove anos antes, em 1964.

O AI-1 do Uruguai, de junho de 1976, suspendeu as eleições presidenciais previstas para aquele ano. Dias depois, o AI-2 de Demicheli inventou o Conselho Supremo da Nação, composto por cinco civis bem-comportados e pelos 21 oficiais-generais das forças armadas que, naquele momento, mandavam no país.

Nem o manso Demicheli topou assinar o AI-4, que cassava, por 15 anos, os direitos políticos de cerca de 15 mil cidadãos, a maioria políticos - praticamente a elite dirigente do país, os que ousaram disputar no voto a presidência, da direita à esquerda. Demicheli caiu e, naquele mesmo dia, 1º de setembro de 1976, assumiu Méndez, que disciplinadamente assinou o AI-4 exterminador.

Méndez fechou o ciclo autoritário no Uruguai, firmando, entre outros, o AI-7, que extinguia a segurança de emprego de 150 mil funcionários públicos do país e classificava os cidadãos em níveis de adesismo ideológico, a partir de um bizarro "certificado de fé democrática". No seu governo de fachada, Méndez foi derrotado no plebiscito que os generais convocaram, para novembro de 1980, que aprovaria uma constituição esculpida para legitimar a ditadura.

Os generais pensavam que o povo iria escolher patrioticamente a papeleta azul-celeste, impressa na cor da bandeira nacional, onde constava o "sim". Mas a "ingrata" maioria dos uruguaios preferiu a papeleta do "não", impressa em amarelo.

Méndez, um medíocre jurista de 72 anos, para bajular os generais que lhe deram o emprego, poucos dias após a posse de Jimmy Carter na Casa Branca (1977), atacou duramente a inusitada política de defesa de direitos humanos de Carter, que deixava em sobressalto todas as ditaduras do Cone Sul, declarando: "O Partido Democrata dos EUA é uma cova de comunistas!"

Vale lembrar que, no infame período de governo de Méndez, de 1976 a 1981, aconteceu, em Porto Alegre, o sequestro dos uruguaios Universindo Díaz e Lilián Celiberti e de seus dois filhos, executado em novembro de 1978 com a presença clandestina de um comando da repressão do exército uruguaio, atuando em cumplicidade com o Dops gaúcho do afamado delegado Pedro Seelig. Foi o único fiasco internacional da Operação Condor, graças ao testemunho involuntário de dois jornalistas gaúchos que, alertados por um telefonema anônimo, quebraram o sigilo da empreitada, denunciaram o crime e, com isso, salvou-se a vida dos sequestrados.

O comandante do exército uruguaio que cometeu o sequestro em Porto Alegre era o general Gregorio Goyo Álvarez, que sucederia Méndez na presidência, em setembro de 1981, como o último governante da ditadura.

Como os generais revogados, Méndez não merece conspurcar a excelsa lista de personalidades que a UFRGS homenageia."

ADÃO WONS

31 DE AGOSTO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

SAFRA DA RECUPERAÇÃO

Como virou tradição, a Emater divulgou ontem, durante a Expointer, em Esteio, a primeira projeção para a safra de verão do Rio Grande do Sul. O resultado final, na forma de volume de produção e rendimento, como sempre, dependerá em boa medida do clima ao longo dos períodos mais importantes para cada cultura. Mas os números que expressam a intenção de área a ser plantada indicam, mais uma vez, otimismo especialmente para a soja e o milho, lavouras de sequeiro que sofreram perdas severas no último ciclo devido à estiagem que castigou o Estado.

O ímpeto de ampliar a extensão cultivada demonstra que, a despeito de anos pontualmente ruins, os agricultores seguem confiantes no futuro. As perspectivas de mercado são animadoras, suplantando incertezas como o aumento significativo dos custos, caso dos fertilizantes, cujos preços dispararam devido à guerra no Leste Europeu.

Conforme a Emater, a soja se espalhará por 6,56 milhões de hectares, crescimento de quase 3% sobre a safra anterior. A produtividade esperada da lavoura mais importante em termos de valor bruto é de 1.131 quilos por hectare, uma alta de 112%. Caso se confirme, a safra gaúcha chegaria a notáveis 20,5 milhões de toneladas, 124% acima do colhido neste ano e montante próximo ao recorde registrado no ciclo 2020/2021. A ratificação dessa estimativa seria de extrema importância para a economia do Rio Grande do Sul, indicando um potencial de avanço substantivo do PIB gaúcho em 2023. Tanto pelos efeitos diretos quanto pelos indiretos nos demais setores, como indústria, comércio e serviços, gerando mais negócios e renda. Cabe lembrar que, como consequência imediata da seca e da frustração da última safra de verão, a atividade econômica teve um tombo de 3,4% no primeiro semestre no Estado, conforme índice do Banco Central.

O ânimo se repete entre os produtores de milho, cultivo de grande relevância também para o desempenho da cadeia de carnes. A Emater projeta que a área das lavouras destinadas à produção de grãos (há também plantio voltado à silagem) será de 831.7 mil hectares, 6% acima da extensão semeada no ano passado. Confirmando-se a produtividade esperada, a colheita chegaria a 6,1 milhões de toneladas, mais do que o dobro do volume obtido na safra anterior. Como é uma cultura mais sensível à falta de umidade, espera -se que também cresça a abrangência da irrigada no Estado.

A nota dissonante aparece no arroz, devido a problemas de preços e custos. A área com o cereal deve cair quase 10%, mas os produtores tendem a buscar mais a alternativa de rotação de cultura com a soja e o milho, elevando a renda. Mas, no total, a área cultivada com culturas de verão no Estado, incluindo o feijão, tende a se aproximar de 8,3 milhões de hectares, com uma produção estimada de 33,8 milhões de toneladas de grãos. Por quanto, os prognósticos climáticos não trazem qualquer alarme. Assim, salvo algum contratempo inesperado, a dedicação, a capacidade e o profissionalismo dos agricultores gaúchos, que a cada ano incorporam novas tecnologias em busca de maior produtividade, tendem a levar à recuperação dos prejuízos recentes, com uma nova safra recorde a caminho.

OPINIÃO DA RBS

31 DE AGOSTO DE 2022
EDIÇÃO N 23

Noite de celebração com o Troféu Guri

Em evento de plateia lotada, o Troféu Guri foi entregue a 11 personalidades de destaque em suas áreas, dentro e fora do RS. A solenidade ocorreu na noite de ontem na Casa RBS, durante a programação da 45ª Expointer, no Parque Estadual de Exposições Assis Brasil, em Esteio, com presença do governador Ranolfo Vieira Jr.

Receberam as homenagens Baitaca (cantor e compositor de música tradicional gaúcha), Frederico Wolf (produtor rural e agropecuarista, proprietário da Wolf Agricultura e Pecuária e membro da Associação Brasileira de Criadores de Cavalos Crioulos), Iro Schünke (presidente do Sindicato Interestadual da Indústria do Tabaco), Ivane Maria Remus Fávero (turismóloga, mestre e consultora em turismo, criadora de conteúdo digital do blog Viajante Maduro), José Renato Hopf (co-founder & CEO da 4all e presidente do South Summit Brasil), Lauro Barcellos (oceanógrafo e diretor do Museu Oceanográfico de Rio Grande), Liliana Cardoso Duarte (apresentadora, declamadora, patrona dos Festejos Farroupilhas do RS 2021 e autora e curadora do livro A Matriz da Cultura Negra no Gauchismo) e Nadine Clausell (cardiologista, diretora-presidente do Hospital de Clínicas de Porto Alegre e professora da Faculdade de Medicina da UFRGS, com atuação destacada no combate contra a covid-19).

No Troféu Guri - Gaúcho por Escolha, foi homenageado Luiz Eduardo Batalha (empresário paulista que cultiva oliveiras no RS, maior produtor de azeite do país). Também foram concedidas duas homenagens póstumas, em memória de dois grandes nomes do jornalismo gaúcho, que morreram neste ano: David Coimbra e Armindo Antônio Ranzolin. As homenagens foram recebidas pelo filho e esposa de Coimbra, Bernardo e Marcia, e a de Ranzolin, pela filha e apresentadora, Cristina Ranzolin. O troféu busca valorizar pessoas que se destacaram em suas áreas de atuação e que contribuem para o desenvolvimento e a cultura do Rio Grande do Sul.


31 DE AGOSTO DE 2022
ACAMPAMENTO FARROUPILHA

Cachaça foi enterrada como tesouro de pirata no parque

A maior parte dos 230 piquetes já está montada no Acampamento Farroupilha, no Parque Maurício Sirotsky Sobrinho (Harmonia), em Porto Alegre. O acendimento da Chama Crioula, em 7 de setembro, vai inaugurar oficialmente a abertura do evento deste ano, que marca o retorno presencial dos participantes e do público ao Harmonia.

Na segunda-feira, era possível ver os últimos galpões sendo erguidos, o vaivém de pessoas pilchadas carregando material de construção e sentir no ar, entre tantas árvores e verde, o cheiro da carne sendo assada na brasa. Ao mesmo tempo, histórias permeiam o ambiente e são contadas de boca em boca, como a de uma garrafa de cachaça enterrada em local secreto como se fosse um tesouro de pirata.

- Essa história da cachaça começou como uma brincadeira entre dois piquetes: o Laços de Amizade e o Chilena de Ouro - conta o aposentado Milton da Silva Matos, 59 anos, patrão do primeiro piquete mencionado.

Conforme narra, ao final de cada acampamento, uma garrafa de cachaça artesanal era enterrada longe dos olhares de curiosos em um esconderijo situado em algum ponto do parque. O lugar era marcado à faca com um "x" em uma árvore próxima ao buraco no chão. A tradição, que é repetida há uma década, chama atenção de quem visita o piquete. Todos querem provar a tal bebida, garante Matos.

- Com a pandemia, a cachaça ficou dois anos e meio enterrada. Nossa preocupação era ver se a bebida ainda estava onde deixamos da última vez. Foi uma alegria quando vimos que sim - afirma.

Em seguida, agacha-se e solta parte do assoalho de madeira. Lá do fundo, com cuidado, puxa a garrafa com o líquido de cor amarelada. No momento, o esconderijo se encontra dentro do próprio piquete. Mas, ao final desta edição do evento, a cachaça voltará para debaixo da terra, protegida por uma embalagem plástica, e ficará lá até o próximo ano.

Resistência

A última edição totalmente presencial do Acampamento Farroupilha ocorreu em 2019. Em razão da pandemia de covid-19, os dois anos subsequentes do evento foram marcados por programações virtuais.

Agora, o cenário é de retomada. Tanto que a estimativa é de que mais de que 1 milhão de visitantes passem pelo local até o encerramento, em 20 de setembro - feriado que marca a data de início da Revolução Farroupilha. O tema dos festejos deste ano será Etnias do Gaúcho: Rio Grande, Terra de Muitas Terras.

A presidente da Comissão Municipal dos Festejos Farroupilhas, Liliana Cardoso Duarte, acompanha a montagem dos piquetes quase que diariamente no Harmonia e resume o significado desse recomeço:

- O sentimento é de resistência e de resiliência. Cada galpão que se ergue é como um quero-quero altivo no Pampa, sempre de vigília nos dando saúde e força depois de dois anos de perdas e sofrimentos.

 ANDRÉ MALINOSKI


31 DE AGOSTO DE 2022
OITO ANOS DE ABANDONO

Vizinhos do Olímpico vivem uma rotina de insegurança

Prefeitura dará prazo de um ano para que obras comecem. Brigada Militar e Grêmio se esforçam para impedir furtos no local

A inauguração da Arena, em dezembro de 2012, tirou do bairro Azenha uma potência econômica. Entre 1950 e 2010, o Estádio Olímpico foi palco fundamental na construção da marca à frente de uma receita anual na ordem da centena de milhões de reais, fidelizou a sexta maior torcida do Brasil e promovia eventos que levavam em média 20 mil pessoas por semana à região entre as avenidas Carlos Barbosa, Erico Verissimo e Azenha. Mais do que a casa de 5 milhões de gremistas, as cercanias do Largo dos Campeões eram consideradas um bom lugar para morar, apesar do movimento antes e depois de jogos.

Oito anos após a saída do Tricolor da Azenha, a Karagounis, braço da construtora OAS e futura proprietária do terreno de R$ 200 milhões, ainda não conseguiu cumprir o acordo para explorar comercialmente esse ponto central da cidade, originalmente idealizado com condomínio e shopping. Quem ficou por lá, contando com a ação prometida pela empreiteira, atingida na Operação Lava-Jato, sofre com a insegurança trazida pelo abandono do septuagenário "velho casarão".

Hoje, o Olímpico em ruínas virou uma mina de ouro para quem troca qualquer metal por pequenos valores. No último dia 16, o prefeito Sebastião Melo se reuniu com o Ministério Público Estadual para dar um ultimato aos proprietários: se não começarem a construir na área em até um ano, a prefeitura da Capital tomará atitudes que podem chegar à desapropriação do imóvel.

Entre terça e sexta-feira da semana passada, ZH circulou nas imediações do estádio conversando com moradores, comerciantes e trabalhadores que convivem com o abandono da área diariamente. A reportagem flagrou furtos de materiais retirados de dentro das arquibancadas, conheceu histórias de quem tenta sair de lá e de quem aprendeu a gostar da tranquilidade sem jogos.

Os anos de impasse judicial entre a empresa baiana e o clube gaúcho fizeram as barulhentas multidões de torcedores serem trocadas por sorrateiros andarilhos. A equipe de 10 seguranças que circula dentro dos portões do Olímpico - custando, segundo o Grêmio, R$ 100 mil por mês - não é suficiente para impedir que moradores de rua se acumulem nas vias vizinhas ao estádio nem que entrem e saiam do local.

Sem-teto

Quem enxerga o movimento de longe não consegue identificar se quem pula os portões do estádio são de fato usuários de drogas ou moradores de rua buscando abrigo. O fato é que os acampamentos de pessoas sem residência se multiplicaram pelas calçadas e canteiros nos últimos 10 anos.

- Clientes têm se queixado de serem muito abordados por moradores de rua entre o Menino Deus e a Azenha, algo que não acontecia quando o Grêmio estava aqui - diz Heitor Colar, 54 anos, açougueiro da feira de hortifruti que funciona ao lado do estádio desde 1988.

Nos canteiros centrais mais próximos à Rótula do Papa, na Avenida Erico Verissimo e na Rua José de Alencar, lonas, cordas e estruturas de madeira servem de abrigo aos sem-teto. Segundo moradores da região, os esforços das autoridades em retirar as pessoas daqueles locais são superados pelo retorno e remontagem poucos dias depois.

Quando a Carris fez acordo com o clube e estacionou na área do Olímpico seus ônibus fora de uso durante a pandemia, ou quando a Brigada Militar e os Bombeiros utilizaram o terreno para cursos e treinamentos, em junho deste ano, a situação melhorou. O relato dos moradores que têm teto na região mostra que os desabrigados procuram mais o Olímpico e a vizinhança quando o acesso ao interior do estádio é menos difícil. 

ROGER SILVA

terça-feira, 30 de agosto de 2022

 LIBERTE-SE DAS CULPAS DESNECESSÁRIAS

Prof. Marcel Camargo

“Se errar é humano e culpar-se é inevitável, então batalhar é necessário e ser feliz é, no mínimo, o que merecemos.” 

A culpa acompanha marcadamente a humanidade - devem ter surgido juntas, inclusive -, marcando presença nas narrações míticas e mitológicas, nas lendas, romances, poemas, textos bíblicos, novelas, músicas, fatos históricos, filmes, seguindo firme em nosso dia-a-dia. O sentimento de culpa é onipresente, onipotente e onisciente, pois impregna nossa existência e nos remete a eventos significativos de nossas vidas, desde que nascemos, até a nossa morte.

A culpa é o preço que pagamos por podermos escolher dentre as várias opções com as quais nos deparamos, continuamente, em casa, na escola, no trabalho, na rua, ao longo de nossas vidas, pela vida toda. A cada escolha que fazemos, deixamos para trás outras possibilidades, outros horizontes, outros caminhos, sendo inevitável, em algum ponto, questionarmos, cá com nossos botões, se fizemos a escolha certa. 

E, fatalmente, haveremos de ficar imaginando como seria, onde e com quem estaríamos, em que trabalharíamos, caso tivéssemos optado por uma outra alternativa. Inevitavelmente, a culpa traz consigo o remorso, um dos sentimentos mais cruéis dentre todos, pois parece que nada o alivia na sua forma latejante e ininterrupta de se instalar dentro de nós. De forma avassaladora, a culpa e o remorso podem devastar nossos sentidos e quase sempre vencer as batalhas que travamos na tentativa de neutralizá-los. Trata-se, pois, de uma luta diária.

Aquilo que deixamos de fazer, as palavras não ditas ou desditas, o não engolido, o sim forçado, a entrega duvidosa, o abraço recusado, o olhar desviado, o veneno experimentado, o mal destilado: teremos sempre muito do que nos arrepender, pelo resto de nossas vidas, afinal, por mais conquistas que obtivermos, por mais que estejamos felizes - ou não -, nossa vida poderia ter sido diferente; se melhor ou pior, não dá para saber. Porém, desejosos de sempre mais, acabamos, na maioria das vezes, tendendo a achar que, se tivéssemos agido de outra forma, estaríamos bem melhor.

O sentimento de culpa pode ser tão traiçoeiro, que consegue nos atingir em situações nas quais nem se sustenta - quantas vezes nos culpamos pelo que acontece a alguém, por conta do que ele próprio fez, quando na verdade aquele alguém colhe as consequências de tudo o que plantou, sem nossa interferência? Da mesma forma, diante de nossa impotência frente aos imprevistos da vida, por exemplo, como um acidente que tira a vida de um familiar, acabamos por procurar pela centelha de culpa nossa naquilo tudo. Parece que não nos conformamos com o fato de que sobre quase nada temos controle, ou seja, acabamos nos imbuindo de poderes mágicos sobre o curso da vida, atribuindo-nos uma força de controle inverídica sobre os destinos que nos rodeiam.

Logicamente, o sentimento de culpa também tem seu lado positivo, quando nos serve à reflexão sobre algo e consequente aprimoramento de nossos comportamentos. Sentirmos culpa por termos agido de determinada maneira pode nos ser benéfico, levando-nos a mudar nossas posturas e pontos de vista, tornando-nos melhores do que antes. Por isso, a culpa liberta quando ainda há tempo de mudar, de voltar atrás, pedir desculpas, mandar flores, telefonar, sorrir, abraçar e assumir o erro. Se, no entanto, o arrependimento relacionar-se a quem já morreu, já se mudou, já se casou com outro, já foi prejudicado demais, quando já for tarde demais, o remorso será nossa companhia ininterrupta e vencê-lo será árduo e doloroso.

Na verdade, deveríamos entender que agimos de acordo com o que somos e sentimos naquele momento, de acordo com a forma como nos situávamos frente àquele mundo, de acordo com a melodia de nossos sentimentos naquele contexto específico. Com o passar do tempo, a melodia muda, nós mudamos e não somos mais aquela pessoa lá atrás - brindemos a isso! -, pois avançamos junto com a dinâmica da vida. Mudam-se as estações, mudam-se as lutas, os sonhos, as canções. 

Mudamos eu, você, todo mundo e o mundo. Inevitável, aqui, não se lembrar de Peggy Sue, papel de Kathleen Turner, que tem a oportunidade de voltar no tempo e, com tudo o que sabe, ainda assim agir exatamente igual à primeira vez. Embora amadurecida, ela se reinstala num tempo e espaço em que inevitavelmente agiria como sempre o fizera. Retornaram as músicas, os cheiros, as pessoas, os amores, e Peggy Sue acabou sendo ela mesma em meio a tudo aquilo. Não, não teríamos agido diferente; lembremo-nos disso.

Se a culpa é inevitável, urge aprendermos a lidar com ela, de modo que, caso não a eliminemos, ao menos possamos conviver com sua presença, sem que nos machuquemos a ponto de interrompermos nossa progressão e nosso aprimoramento diário nessa jornada extensa que teremos pela frente. Imprescindível, nesse sentido, tentarmos enxergar claramente as culpas sem razão de ser, ponderando nosso papel no fato causador. 

Porque devemos ter a certeza de que, muitas vezes, a culpa não é nossa. Sintomática dessa epifania necessária para que sigamos em frente, resignados e fortalecidos, é a cena em que a personagem de Matt Damon, Will, em “Gênio Indomável”, finalmente se liberta da culpa que carregava pelos maus tratos sofridos na infância, ao ser acuado pela repetição da seguinte frase do psicólogo, vivido por Robin Williams: “Não é sua culpa!” Somente após essa conscientização catártica é que ele pôde partir em busca da realização de seus sonhos, do desenvolvimento de seus potenciais. Essa cena vale o filme todo, pois retrata uma atitude que vale uma vida – a nossa vida!

Devemos, portanto, desatrelar de nossas vidas sentimentos que não nos dizem respeito e enfrentar as culpas e remorsos que valem a pena, que nos mobilizem em direção ao repensar, ao readequar-se, ao enriquecimento moral e ao melhoramento de nossas atitudes e comportamentos. Para tanto, temos de encarar corajosamente nossas angústias, adentrando essa escuridão dentro de nós, vasculhando-a com lucidez e livrando-nos dos pesos inúteis que emperram nosso caminhar. Libertar-se é preciso, para que se torne menos densa e assustadora essa carga de culpa e de remorso, a ponto de usarmos essas batalhas interiores em nosso favor, em prol do enfrentamento da vida em tudo de bom e ruim que há nessa lida.

Haveremos, enfim, de aprender com os erros - assumidos -, de agir enquanto tempo houver, de saber nos situar em relação às vidas alheias, de ter coragem de nos encarar em todo prazer e dor que nos definem. Trata-se de um exercício contínuo, diário, ininterrupto, pois, humanos que somos, erraremos muitas e muitas vezes. Porque, se errar é humano e culpar-se é inevitável, então batalhar é necessário e ser feliz é, no mínimo, o que merecemos.

*Releitura do texto "Às vezes, não é sua culpa".

SOCIEDADE DOS POETAS MORTOS: A EDUCAÇÃO COMO LIBERTAÇÃO

Sílvia Marques

Eu, particularmente, fico com o professor e sua pedagogia afetiva e criativa que desconsidera métodos fechados. Eu fico com a poesia. Com a arte. Com o amor. Com a irreverência inteligente e criativa. Eu rasgaria com gosto aquelas páginas ridículas e inúteis que "ensinam" a mensurar a beleza e a emoção. Eu fico com o direito que cada um deveria ter de escolher o próprio caminho. Fico com a escola que prepara homens e mulheres e não robôs. Fico com escola que prepara cidadãos e não consumidores. Fico com a escola que não prepara a vida, mas que já é a própria vida.

Nada é mais libertador ou tirânico do que um professor. E como diria John Keating, as palavras podem sim mudar o mundo. Obviamente, o mundo tenta nos convencer de que palavras nada mudam pois nada assusta mais do que a mudança.

Muitos de nós preferimos viver condenados a vidas medíocres do que corrermos o risco de cair em uma vida trágica. Entre a mediocridade e a tragédia, a mediocridade parece menos pior. Será mesmo?

Imaginem um mundo em que as pessoas são preparadas para pensar com suas próprias cabeças e acima de tudo, sentirem. Imaginem um mundo em que cada um escolha seus próprios caminhos? Se nos dias atuais já é complicado falar sobre liberdade para decidir o seu destino e autonomia de pensamento, imaginem o quanto era complexa esta questão nos anos 1950, em que pais e professores tinham o dever moral de preparar os jovens para cumprir ordens e padrões de forma completamente obediente?

O que dizer de um jovem que já tem o destino traçado pelo pai, desafiar todo o projeto de uma vida em nome de um sonho arriscado? Lutar pelos próprios sonhos ou se render à realidade sempre foi um dos dilemas mais complexos do ser humano.

Se para alguém com uma linha mais conservadora de pensamento, o professor provocou o caos e desestruturou a vida daqueles jovens estudantes, para alguém com uma linha de pensamento mais libertária, ele promoveu uma mudança essencial, mesmo que o efeito colateral tenha sido a perda de um jovem.

Se por um lado, muitos podem imaginar que o professor provocou mesmo que sem querer o suicídio, por outro, podemos dizer que quem o detonou foi o pai, mesmo que inconscientemente.

Saber onde reside o equívoco é uma questão de ponto de vista. A situação pode ser lida nos dois sentidos e cabe a cada um escolher o seu lado. Talvez o suicídio possa ser lido com um mero gesto impulsivo de desespero. Por outro lado, talvez, o pior dos suicídios é se condenar a uma vida longa e medíocre. Neste sentido, o suicídio do garoto foi uma libertação de uma sociedade sufocante em que o teatro e o professor Keating eram as únicas lufadas de ar fresco.

Eu, particularmente, fico com o professor e sua pedagogia afetiva e criativa que desconsidera métodos fechados. Eu fico com a poesia. Com a arte. Com o amor. Com a irreverência inteligente e criativa. Eu rasgaria com gosto aquelas páginas ridículas e inúteis que "ensinam" a mensurar a beleza e a emoção. Eu fico com o direito que cada um deveria ter de escolher o próprio caminho. Fico com a escola que prepara homens e mulheres e não robôs. Fico com escola que prepara cidadãos e não consumidores. Fico com a escola que não prepara a vida, mas que já é a própria vida.

Sociedade dos poetas mortos faz uma bela homenagem à Shakespeare, mostrando uma montagem teatral da peça Sonho de uma noite de verão. O interessante da escolha desta comédia romântica do cultuado dramaturgo inglês é o fato desta peça apresentar um tom irônico quando mostra todos os personagens encontrando a felicidade no final. A vida real é bem diferente de Sonho de uma noite de verão e Shakespeare parece debochar da nossa triste realidade por meio de uma ficção idílica.

O personagem de Neil vive Puc e um grande sonho durante a montagem teatral. Mas encerrada à apresentação, a realidade se impõe duramente e de forma inegociável e implacável. E da mesma forma que os irmãos do filme Os sonhadores não suportam a realidade , Neil opta por aquilo que para ele era um sonho e renuncia ao pesadelo vislumbrado por seu severo pai, que já traçou todo o seu destino nos mínimos detalhes.

Sociedade dos poetas mortos é uma aula de filosofia e um retrato vigoroso do professor que quase todos nós gostaríamos de ter. Do professor que todos nós deveríamos ter.


30 DE AGOSTO DE 2022
CARPINEJAR

Há um morto no meu banheiro. Convivo com ele fazendo de conta que não existe.

É um morto já totalmente pálido, ocupando um espaço imerecido num ambiente que não é tão grande. Já estava lá quando cheguei, quando comprei o apartamento, e não questionei, não pedi a sua remoção, até porque eu não seria atendido pela antiga proprietária. Tirá-lo seria muito dispendioso. Minha esposa e eu fingimos que é normal a sua existência extinta, sem nenhuma utilidade, sem nenhuma serventia.

O falecido incômodo é o bidê, de origem francesa, comum nas casas de famílias mais abastadas até os anos 1980. Uma privada paralela, atualmente inútil com a sua substituição pela ducha higiênica.

Era usada para a limpeza íntima. Juro que não entendo como alguém poderia se lavar ali, realizando um deslocamento nada natural, ou talvez só natural a um sapo que pula. Trata-se de uma patética dança das cadeiras, tendo que ir ao vaso vizinho para um asseio de duas etapas. Não tem como não se sentir um bife à milanesa, posto na farinha antes de fritar.

Quem se senta no bidê, sem a tampa protetiva, afunda. Tem quem fique encalacrado. Será necessário gritar por ajuda e chamar um guindaste.

Aquilo é um chafariz, um esguicho automático de grama. O jato não tem direção definida e se espalha pelo alto a partir da pequena válvula com furinhos. Vai ensopar o banheiro transbordando líquido pelos cantos. Qual o fundamento do ralo com tampão de metal? Não é uma hidromassagem. Você vai encher aquilo para qual finalidade? Para brincar de barquinho enquanto faz suas necessidades?

Ninguém, em pleno exercício de sua saúde mental, banhará seu bebê naquela estreita redoma sabendo que já foi empregada para fins menos nobres. Nem é cautela, e sim uma questão de nojo retrospectivo.

No formato de bacia, sequer os pés encontram refúgio confortável. É como enfiar o pé na jaca, com a perna de apoio em desequilíbrio pela altura. Já pensei em lavar as minhas solas sempre encardidas por andar descalço pela casa, mas quase caí para trás na posição perneta. Não suportei o alongamento.

Hoje, no máximo, sua superfície seca serve como purgatório do cesto da lavanderia, como um apoio para depositar as roupas sujas antes do banho. Não entendo como se vivia com o bidê. Imagino, imagino, porém não chego a uma conclusão plausível, a uma realidade palpável. Ele é um bebedouro de traseiro. E, como todo bebedouro, você aperta de um lado e a água sai do outro.

CARPINEJAR

30 DE AGOSTO DE 2022
CARLOS GERBASE

Meu patriotismo

Estamos iniciando uma semana da pátria especial. Passaram-se 200 anos desde que o imperador D. Pedro I deu seu grito de suposta rebeldia contra a potência colonizadora europeia que ele mesmo representava. Lembro bem dos festejos dos 150 anos. Tinha até uma musiquinha tocando nas rádios e antes das sessões de cinema. Começava assim: "Marco extraordinário/ Sesquicentenário da Independência/ Potência de amor e paz/ Esse Brasil faz coisas/ Que ninguém imagina que faz". Eu, com 13 anos, realmente nem imaginava o que o Brasil, em plena ditadura, estava fazendo. 

Mas, poucos anos depois, minha consciência estava ampliada. Em 1984, codirigi o filme Verdes Anos com Giba Assis Brasil. Há uma cena em que um bando de adolescentes entra num cinema, em 1972, com a tal musiquinha no fundo. Eles, como nós no início dos anos 1970, nem questionavam se a "potência de amor e paz" era realmente amorosa e pacífica. O filme mostra um ritual de passagem da absoluta alienação para uma aproximação, mesmo que imperfeita, da verdade histórica.

Chegar mais perto da verdade fez muita gente repensar o conceito de patriotismo, que na escola sempre foi mostrado como positivo. Duvido que alguém da minha geração, quando criança, tenha escapado de desenhar a bandeira do Brasil na semana da pátria. Contudo, quando percebi que a musiquinha mentia sobre a realidade da minha pátria, passou a ser impossível amá-la incondicionalmente. 

E, a partir daí, ficou tentador pensar como Samuel Johnson (em 1775) e declarar, com certa raiva, que o patriotismo é o último refúgio dos canalhas. Basta pesquisar um pouco, entretanto, para descobrir que James Boswell, biógrafo de Johnson, registrou que o grande literato inglês não se referia a um amor real pela pátria, e sim ao "pretenso patriotismo que tantos, em todas as épocas e países, têm usado como um manto para os próprios interesses".

Obrigado, Boswell! Matou todas as minhas apreensões! Eu ainda posso me emocionar de verdade durante o Hino Nacional (mesmo que ele seja longo demais e tenha versos quase incompreensíveis). E ainda posso declarar meu amor pelo Brasil, minha nação, meu chão, meu lugar no mundo, meu quintal de brincadeiras e de muito trabalho, meu espaço de comunhão com seres humanos de todos os gêneros, de todas as etnias, de todas as classes sociais, de toda rica diversidade que caracteriza esse país tão cheio de problemas e injustiças, mas que ainda merece ser amado. Meu patriotismo não depende do governante do momento ou de seus interesses espúrios. Amar a pátria é o primeiro passo para torná-la realmente mais amorosa e mais pacífica.

CARLOS GERBASE

30 DE AGOSTO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

O PAPEL DOS DEBATES E SABATINAS

A partir do início da campanha eleitoral, passam a ser mais recorrentes debates, sabatinas e entrevistas dos postulantes especialmente aos cargos do Executivo. Faltando pouco mais de um mês para o primeiro turno, é a oportunidade de os cidadãos se apropriarem melhor das ideias e propostas dos candidatos que disputam o voto dos brasileiros.

Esses encontros, em um momento em que naturalmente se eleva o interesse da população pelo pleito, têm uma característica ímpar: tiram os candidatos da zona de conforto dos discursos sem contestação. Nos debates, são forçados a tratar dos mais diversos temas e questionados por jornalistas ou opositores sobre suas contradições, histórico e posições, com perguntas incômodas e submetidos a réplicas. Esse cotejo, quando feito em nível elevado, é um instrumento essencial para a definição do voto e, portanto, para o fortalecimento e o amadurecimento da democracia do país.

Um bom exemplo foi o debate entre seis concorrentes ao Palácio do Planalto, no domingo à noite, na TV Bandeirantes, promovido por um pool de veículos de comunicação. Um pouco mais restritas, mas também úteis, foram as entrevistas, ao longo da semana passada, no Jornal Nacional, na TV Globo. As pesquisas eleitorais, que devem ser compreendidas apenas como um instrumento que mostra o provável cenário do momento, vêm apontando uma polarização em torno do presidente Jair Bolsonaro (PL) e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT). Mas há alternativas aos polos à disposição. 

A presença de outros desafiantes - de partidos com representação mínima exigida no Congresso - nestes encontros, com paridade de tempo para suas explanações, permite ao eleitor uma chance de conhecer melhor outras opções não tão familiares à grande massa de eleitores. Assim, podem considerar outros caminhos ou mesmo firmar convicção em torno de um dos dois presidenciáveis que hoje mais dividem as paixões dos brasileiros.

Idealmente, no entanto, a escolha deveria ser mais pautada pela razão do que pela emoção, sentimentos despertados e rejeições. O Brasil tem uma série de sérios desafios à frente em áreas como educação, economia, emprego, desigualdade, meio ambiente, ambiente de negócios, reformas e saúde, entre outras. São problemas que, mais do que carisma, exigem competência e propostas viáveis para solucioná-los. Quando o eleitor acompanha de maneira desapaixonada debates e sabatinas, tem melhores condições de formar um juízo embasado em argumentos factíveis.

Estão previstos outros debates e entrevistas até o fim do primeiro turno, tanto para os candidatos aos governos estaduais quanto com os pretendentes ao Palácio Planalto. Em respeito ao eleitor e em nome do interesse público, espera-se que os principais concorrentes não se esquivem de comparecer aos encontros agendados. Aguarda-se, ainda, que em vez de ataques pessoais priorizem propostas para sanar os problemas inadiáveis que inquietam a população. O país precisa ser devolvido aos trilhos de um crescimento mais robusto e sustentável. 


30 DE AGOSTO DE 2022
NÍLSON SOUZA

Histórias para crer no ser humano

Esta primeira circula na internet, talvez seja ficção, mas é tão comovente que decidi recontá-la. O velho professor caminhava pela rua quando foi abordado por um jovem: "O senhor se lembra de mim?". Diante da negativa, o outro informou que havia sido seu aluno e que, por causa dele, também se tornara professor. O mestre então quis saber o que exatamente o havia inspirado. Contou o rapaz:

- Um dia um colega chegou com um relógio novo e bonito. Então, eu decidi roubá-lo. Tirei do bolso dele sem que visse. Quando percebeu, reclamou para você, que parou a aula e pediu que o autor do furto devolvesse o objeto. Como ninguém se manifestou, você fechou a porta, pediu que todos se levantassem e ficassem de olhos fechados para a revista. Você encontrou o relógio no meu bolso, mas continuou revistando todos os demais. 

Quando terminou, apenas anunciou que o relógio fora encontrado, devolveu-o ao dono e não disse a ninguém quem o havia roubado. Naquele dia, o mais vergonhoso da minha vida, você salvou minha dignidade. Nunca me falou nada, não me repreendeu nem me deu lição de moral, mas eu entendi a mensagem e percebi o que é ser um verdadeiro educador. O senhor não se lembra disso?

Respondeu então o professor:

- Lembro-me do episódio e do relógio devolvido, mas não sabia que era você, pois também fechei os olhos durante a revista.

Já esta outra eu atesto como totalmente verdadeira, pois aconteceu com dois jovens da família. Namorados, passaram um fim de semana em Florianópolis e já estavam na rodoviária para voltar a Porto Alegre, com passagem comprada, mas sem dinheiro sequer para o lanche. E teriam que esperar pelo ônibus por mais de seis horas. Famintos, sentaram-se num banco e começaram a conversar sobre o assunto. Poucos minutos depois, um homem que estava próximo (e que certamente ouvira a conversa) levantou-se, agachou-se perto deles e fingiu juntar um dinheiro do chão;

- Vocês deixaram cair isso! - falou, enquanto largava as notas no banco e se afastava sem esperar agradecimento.

Por fim, uma que aconteceu comigo, quando terminava o Ensino Médio na escola pública do meu bairro. Alguns colegas fariam vestibular, mas eu não tinha o dinheiro da inscrição. O professor de História ficou sabendo, me procurou, colocou discretamente um envelope no meu bolso e se justificou:

- Recebi um aumento de salário e não estou precisando.

Tinha exatamente o valor da taxa de inscrição. Foi graças ao professor Harry Bellomo, até hoje um querido amigo, que aprendi a contar histórias.

NÍLSON SOUZA

segunda-feira, 29 de agosto de 2022


29 DE AGOSTO DE 2022
CARPINEJAR

Um milhão de gaúchos na Expointer

A Expointer é o atalho do campo para as crianças urbanas. A infância de apartamento tem a chance de conhecer a lã das ovelhas, a diferença entre touros e bois, como aprumar a sela e montar nos cavalos, quais as estações do plantio de diversas culturas e os efeitos meteorológicos na colheita, numa imersão com os mistérios e os encantos da vida rural. E não é somente uma exposição para olhar, tem-se o direito de experimentar tirar leite de vaca, subir nos tratores, brincar com os coelhos e chorar alto de birra querendo levar um no colo para casa.

Há uma experiência inédita com mais de 6 mil exemplares de animais num único lugar. A cultura gaúcha se abre com os desfiles e leilões das principais raças bovinas e equinas e com as provas de laço.

Mais do que a roda-gigante nas dependências da feira, ingressa-se em diversões reais e inspiradoras do nosso Interior. É sair da virtualidade para pisar no feno, na palha e na grama, para se aproximar do cheiro do celeiro e dos estábulos. Ensina-se o respeito a uma existência prodigiosa que sustenta a nossa agricultura e pecuária.

Eu criei meu filho Vicente na Expointer. Tudo o que faltava para ele de contato e convívio com os bichos, eu busquei corrigir entre três centenas de expositores. Lembro que íamos de trensurb, atravessávamos a passarela de mãos dadas, e seus olhos mudavam de brilho quando avistavam de longe as esferas cromáticas - "as bolas coloridas", como ele chamava. Eu explicava que aquelas estruturas reproduziam as cores da bandeira do Rio Grande do Sul e que vieram da Alemanha, em 1972, ano de meu nascimento.

- Então, são muito antigas, pai - ele me dizia, achando sempre que eu era velho.

Todo pai é sempre velho para os seus rebentos. Mas, durante os nove dias da festa em Esteio, às margens da BR-116, eu me sentia especial, até inteligente, e ultrapassava os limites do meu papel para me tornar um pouco professor de meu filho, repassando a minha vivência em fazendas.

Quem é pai ou mãe não tem ideia do superpoder que ganha dentro de sua residência, com o qual se prova ser capaz de se lembrar daquilo que nem sabia que sabia, das histórias dos avós e dos entardeceres no pampa.

Experimente acordar a memória no sangue: somos centauros na alma, com garupa e pernas de cavalo - por isso fazemos questão de levar nossos pequenos no lombo e nas costas quando eles estão cansados. Somos mochileiros dos nossos eternos bebês.

Talvez tenha sido ali que tive os melhores momentos da minha paternidade, onde dei uma aula de laço nas rédeas, nó que nunca foi desfeito pelo tempo e que firmou meu relacionamento com Vicente.

Além dos negócios, além das cifras, além do aspecto empresarial, além da expectativa de R$ 4 bilhões em vendas no setor de máquinas, a Expointer é o nosso programa familiar preferido.

Começou no sábado e vai até o dia 4 de setembro. Está na sua 45ª edição. Leve o seu lar para o Parque de Exposições Assis Brasil, em Esteio. Não deixe para amanhã. Não fique adiando. A previsão é de 600 mil visitantes, mas acredito que podemos atingir 1 milhão, dois terços da população inteira de Porto Alegre. Um milhão de pessoas para encher a boca de orgulho e mostrar a importância do Estado para o país e para o mundo.

CARPINEJAR

29 DE AGOSTO DE 2022
ARTIGOS

CIGARRO ELETRÔNICO TAMBÉM É CIGARRO

Hoje é o Dia Nacional de Combate ao Fumo. A redução no número de fumantes na população adulta brasileira, hoje em torno de 10%, é um motivo para comemorar. Por outro lado, o uso do cigarro eletrônico por um em cada cinco jovens causa grande preocupação. Apesar de proibido no Brasil desde 2009, o chamado vape pode ser comprado tanto na internet como em algumas lojas físicas.

Na realidade, é uma versão do cigarro em uma "roupagem" mais tecnológica e não é inofensivo à saúde. No cartucho do aparelho está presente a nicotina, em doses que podem ser extremamente altas - muitas vezes acima do descrito na embalagem -, causando dependência. Há ainda inúmeras outras substâncias irritantes ao organismo, algumas delas cancerígenas.

Embora os efeitos do uso do vape em longo prazo não sejam totalmente conhecidos, sabe-se dos efeitos nocivos da nicotina ao sistema cardiovascular. Agudamente, o vapor pode causar constrição dos brônquios, tosse e piorar a evolução de doenças respiratórias prévias. Partículas muito pequenas do vapor chegam aos alvéolos pulmonares e podem, através da corrente sanguínea, atingir outros órgãos do corpo.

Em 2019, uma nova doença, associada ao uso do cigarro eletrônico - que recebeu o nome de evali - foi descrita nos EUA. Mais de 2,8 mil casos de lesão pulmonar aguda grave, principalmente em jovens, foram relatados. A maioria necessitou de internação em UTI e ventilação mecânica. Cerca de 260 morreram. Também há vários relatos de explosões de baterias de cigarros eletrônicos, causando queimaduras, lesões de pele e até fratura de vértebra.

O cigarro eletrônico também não é uma alternativa para quem quer parar de fumar, pois cerca de 80% das pessoas que o utiliza acabam viciadas nele depois de um ano. Tratamentos eficazes, seguros e que quebram o ciclo de dependência à nicotina estão disponíveis para abordagem do tabagismo.

Cigarro eletrônico também é cigarro. É urgente que se iniba sua comercialização. É o momento de pais, professores e profissionais de saúde se unirem na campanha para proteger crianças e jovens desta nova cilada!


29 DE AGOSTO DE 2022
OPINIÃO DA RBS

CONSCIÊNCIA PARA O VOTO

O melhor voto é o voto consciente. Os gaúchos acompanharam nos últimos dias o início da campanha eleitoral, com os candidatos ao Palácio Piratini se apresentando e mostrando as suas propostas para governar o Rio Grande do Sul pelos próximos quatro anos. Na busca por subsidiar os cidadãos para as suas escolhas, veículos da RBS começaram a divulgar, na sexta-feira, a série Vida Real.

Os conteúdos podem ser conferidos em Zero Hora, GZH e no programa Atualidade, na Rádio Gaúcha. A série consiste, basicamente, em expor a posição dos concorrentes de partidos com representação no Congresso acerca de temas concretos que impactam o dia a dia da população ou são controversos e atuais. O material será publicado ou irá ao ar sempre às sextas-feiras, até o final do primeiro turno.

Para sufragar um candidato de maneira consciente, o eleitor precisa estar bem informado. Isso só é factível se conhecer minimamente a opinião dos postulantes sobre os mais variados assuntos. Com este panorama amplo, é possível compreender melhor o conjunto de ideias dos concorrentes ao governo gaúcho e decidir de maneira consistente, com menores chances de decepções e surpresas negativas. As escolhas materializadas nas urnas, afinal, têm consequências.

O primeiro tema apresentado na sexta-feira foi sobre os planos de concessão de rodovias estaduais, um assunto sempre polêmico no Rio Grande do Sul. O Estado tem em curso uma proposta de passar à administração privada a gestão de mais de 1,1 mil quilômetros de estradas por 30 anos. Como é um prazo longo, requer um modelo bem pensado. Infraestrutura é uma matéria que influencia a economia e diz respeito à segurança de quem trafega pelas vias gaúchas. Assim, é essencial saber quem está de acordo com os preceitos atuais, quem vê a necessidade de ajustes nos editais e identificar quem pretende rever os termos. Há ainda a necessidade de debater a questão devido à decisão do Piratini de adiar o leilão do bloco 2, que estava marcado para o dia 2 de setembro.

A série Vida Real vai ainda abordar tópicos como a possibilidade de privatização do Banrisul, a desestatização da Corsan, a distribuição de recursos a hospitais, o fechamento de escolas em localidades com queda na quantidade de alunos e o regime de recuperação fiscal (RRF), entre outros. A iniciativa está alinhada às diretrizes da cobertura eleitoral do Grupo RBS, voltada a melhor informar a população gaúcha e focar principalmente em temas relacionados ao cotidiano da população, nos principais problemas do Estado e nas propostas para solucioná-los, dando especial atenção à exequibilidade das ideias. É uma colaboração para robustecer a democracia e a consciência cidadã, a partir de informações precisas e organizadas que permitam a comparação, ajudando no desenvolvimento do Rio Grande do Sul. 


29 DE AGOSTO DE 2022
+ ECONOMIA

Para pegar o bonde da economia verde

A descarbonização da economia até 2050 é prioridade em países, que, juntos, represen-tam mais de 90% do PIB global. O mercado voluntário de carbono, por sua vez, é um dos eixos de solução. Tem as funções de mitigar emissões de gases de efeito estufa e estruturar modelos de créditos para capturar o que ainda não pode ser abatido no processo.

No Brasil, onde o cavalo parece passar encilhado, sem chamar a devida atenção das políticas públicas e de regulações, um grupo de grandes empresas e organizações uniu forças para destravar esse mercado. São elas: Amaggi, Auren, B3, Bayer, BNDES, CBA, Dow, Natura, Rabobank, Raízen, Vale, Votorantim e Votorantim Cimentos. A meta é contribuir com o cenário global de créditos de carbono, também chamados de offsets (leia na entrevista ao lado).

Nada mais "natural", tendo em vista que, de acordo com dados da McKinsey & Company, que coordena os conteúdos gerados a partir da iniciativa, em um mercado que movimenta US$ 15 bilhões (deverá chegar a US$ 100 bilhões em 2030) só 15% da demanda é doméstica. O restante vem da exportação dos offsets às empresas.

A questão, alerta o sócio e líder da McKinsey & Company, Henrique Ceotto, é que, hoje, os créditos gerados por aqui são os de conservação e os de abatimento de aterros energéticos, quando o real interesse estaria na restauração dos biomas.

Para se ter uma ideia, o potencial nacional chega a 1,9 giga toneladas (GT) de crédito offset por ano - 1,5 GT, ou 80%, originado no reflorestamento, outros 10% na conservação e a sobra na agricultura e aterros. Apenas no agronegócio, há 160 GT de potencial não explorado, muito mais do que em toda a Europa.

- Há grande oportunidade de criar um mercado e ajudar as metas de descarbonização do mundo e a endereçar a mudança climática - resume.

Diante dos números, fica fácil perceber que a temática deixou de ser "papo de ambientalista" e se tornou crucial para a evolução da economia "verde" global. Com tamanhas possibilidades, talvez, o Brasil seja "salvo" pelo próprio potencial. Mas, a julgar pelo interesse da pauta no debate público, até agora, o bonde da história parece correr livre sob os olhos desatentos das políticas e regulações do país. A boa notícia: ainda há tempo de conseguir um lugar para sentar-se à janela.

RESPOSTAS CAPITAIS

Henrique Ceotto Sócio e líder da McKinsey & Company

"País precisa entender seu papel ambiental"

Sócio e líder da prática de sustentabilidade da McKinsey & Company, Henrique Ceotto comenta o que a iniciativa que junta grandes empresas para destravar o mercado de carbono no país pretende entregar nos próximos meses para mitigar barreiras e gerar mecanismos de ativação de oferta e demanda.

Qual é a proposta?

Há dois tipos de mercado de carbono. O regulado, que é o tema de um decreto que passou pelo governo e o voluntário, que é o que as companhias que se comprometeram com a descarbonização usam para acelerar esse processo e até chegar à neutralidade antes com os créditos. O nosso trabalho é focado nesses mecanismos voluntários em que o Brasil é o país que tem o maior potencial de geração desses créditos, também chamados de offsets no mundo. 

Se avaliarmos só as soluções naturais, como reflorestamento, carbono em solo na agricultura, conversão de metano para gás carbônico (gerando energia), o país tem 15% do potencial global, mas explora menos de 1% disso. É um mercado muito pequeno, que gerava em torno de US$ 200 milhões há três anos. No ano passado, atingiu quase US$ 2 bilhões e a projeção é que represente até US$ 100 bilhões em 2030, multiplicando-se em 2050. É uma grande oportunidade para o país e a jornada até o net zero (compromisso de reduzir as emissões de gases de efeito estufa na atmosfera).

E os créditos?

Os offsets ajudam a manter estoques de carbono na atmosfera dentro dos limites do Acordo de Paris (discutido na Conferência das Nações Unidas sobre as Mudanças Climáticas - COP21 - em 2015 por 195 países para reduzir o aquecimento global). O objetivo é sempre a redução das emissões e, só no final, utilizar esses offsets. O objetivo da iniciativa é destravar esse potencial brasileiro e criar mecanismos para que isso ocorra. 

Em um paralelo com o mercado de energia renovável, percebemos que o crescimento está vinculado a legislações adequadas, estrutura de financiamento de projetos, como a inaugurada pelo BNDES (Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social) que permitia aportes em um ciclo de investimento longo, em que primeiro se faz a infraestrutura e a receita só começa a ser gerada em sete anos. Tem-se os contratos futuros para definição de preços que retiram os riscos comerciais, ferramentas de liquidez para o mercado livre, uma empresa de economia mista (CCEE) que o regula. Ou seja, para criar um mercado de carbono no tamanho que estamos projetando, é preciso pensar nesses mecanismos. É nisso que a iniciativa foca.

Quando estará em prática?

A ideia é tornar público esses mecanismos em alguns meses até para receber críticas. Tomamos o cuidado de interagir com os entes do setor, mas, no final, é preciso abrir para consulta e pegar ainda mais contribuições. Isso deverá gerar mais ajustes do que alterações estruturais, mas a ideia é que ocorra ainda este ano. É isso que vai escalar o mercado, na prática. O mercado já existe, mas o ano que vem será muito importante. Gostaríamos que parte dos mecanismos já estivesse ativa em 2023, mas há um processo para isso. O Brasil precisa exercer o papel e entender a grande oportunidade de criar um mercado e ajudar metas de descarbonização.

RAFAEL VIGNA INTERINO

29 DE AGOSTO DE 2022
CHAMOU ATENÇÃO

Viagem à Lua começa hoje

Está prevista para hoje a partida da espaçonave Orion, do portão 39B do Centro Espacial Kennedy, na Flórida, nos Estados Unidos. A viagem do foguete mais poderoso do mundo, tendo a Lua como destino, deve começar entre 9h33min e 11h33min no horário de Brasília e poderá durar até 42 dias.

Se não houver condições para o lançamento, a Agência Espacial Norte-Americana (Nasa) prevê outras duas possíveis datas: em 2 de setembro, quando a viagem duraria 39 dias, ou 5 de setembro, voltando ao plano original de 42 dias.

A Orion permanecerá no espaço pelo maior tempo que uma nave sem humanos já ficou até agora sem atracar em uma estação espacial. 

Quando retornar para a Terra, estará mais quente e mais rápida, por isso, a missão ajudará em ajustes técnicos para a próxima viagem. O foguete vai atingir o período de maior força atmosférica em 90 segundos.

Ao longo da viagem, é normal ver a separação de módulos, que nada mais é do que o descarte de propulsores, painéis e dos motores do estágio principal que, desligados, se separam da nave. A primeira separação deve acontecer cerca duas horas após o lançamento.  

Ainda na órbita terrestre, alguns ajustes são necessários para dar um “grande impulso” para que a Orion consiga continuar o trajeto. Para que a Orion alcance a velocidade necessária, contará com módulo de serviço oferecido pela Agência Espacial Europeia (ESA), que fornecerá o principal sistema de propulsão e energia da espaçonave.

Para falar com o controle da missão em Houston, a Orion mudará do sistema de satélites de rastreamento e retransmissão de dados da Nasa e se comunicará por meio da Deep Space Network. 

A viagem de ida à Lua levará vários dias, e durante esse período os engenheiros avaliarão os sistemas da espaçonave e, conforme necessário, corrigirão sua trajetória. Entre 100 mil e 200 mil visitantes são esperados para o lançamento da missão Artemis 1, hoje pela manhã. 

A “natureza histórica” do voo, o primeiro de vários do programa norte- americano de retorno à Lua, “certamente aumentou o interesse público”, disse à AFP Meagan Happel, do Escritório de Turismo da Costa Espacial.