Contrariada por não concordar com a politização dos militares, toda a cúpula das Forças Armadas foi substituída pelo governo Jair Bolsonaro. Os chefes do Exército (Edson Leal Pujol), da Marinha (Ilques Barbosa) e da Aeronáutica (Moretti Bermudez) foram demitidos após reunião no Ministério da Defesa, ontem pela manhã, com o novo titular da pasta, general Walter Braga Netto.
O encontro foi marcado por frases duras e tapas na mesa, segundo apuração do jornal Estadão. Pujol entrou paramentado, com bota de montaria, culote e carregando bastão de comandante, enquanto Ilques e Bermudez usavam fardas sociais. Braga Netto chegou com a ordem de dispensá-los. Abriu a reunião com esse comunicado. Justificou que as mudanças eram para "realinhamento" das Forças Armadas com Bolsonaro e a manutenção do apoio ao governo.
Pujol, Bermudez e Barbosa já planejavam entregar os cargos em solidariedade à demissão do general Fernando Azevedo e Silva do Ministério da Defesa, no dia anterior, mas os chefes da Marinha e da Aeronáutica consideravam até ficar a depender do teor da conversa. Braga Netto, porém, não deu tempo para o anúncio de qualquer decisão. O novo titular da Defesa já tinha as demissões prontas.
A portas fechadas houve várias contestações sobre a forma da dispensa. Um dos oficiais cobrou duramente Braga Netto ao lembrar que as Forças Armadas são instituições de Estado, e não de governo. Em recentes manifestações, Bolsonaro tem se referido ao Exército como "meu Exército", contrariando a caserna.
O Estadão apurou que o mais exaltado era o almirante Ilques Barbosa. Conhecido por colegas por ser um cavalheiro, muito educado, Ilques perdeu a paciência e elevou a voz. Quando o tom subiu e o clima ficou ainda mais tenso, os ajudantes de ordens foram saindo "à francesa" do gabinete.
Os oficiais já haviam combinado no dia anterior, após a demissão de Azevedo, em reunião entre eles, que não dariam nenhum passo que pudesse violar a Constituição ou caracterizar interferência em medidas tomadas por governos estaduais na pandemia. Também deixaram claro que jamais concordariam com ingerência no Legislativo e no Judiciário.
Divergências
Na lista das seis mudanças ministeriais promovidas por Bolsonaro na segunda-feira, a que mais surpreendeu foi justamente a de Azevedo e Silva, definido por seus pares como competente e sensato. Azevedo e Silva foi assessor especial do ministro Dias Toffoli quando o magistrado presidia o Supremo Tribunal Federal (STF). O encontro do então ministro com Bolsonaro, na segunda-feira, durou três minutos. O tom foi seco.
- Preciso do seu cargo - disse o presidente a Azevedo e Silva.
Auxiliares do general afirmam que ele já desconfiava estar na berlinda por ter sido contrário à tentativa de Bolsonaro de substituir Pujol.
O chefe do Exército e Bolsonaro já vinham se estranhando há tempo porque o comandante sempre resistiu a ofensivas do presidente.
Em novembro de 2020, Pujol declarou que os militares não querem "fazer parte" da política. A afirmação ocorreu dois dias após Bolsonaro dizer que, "quando acaba a saliva, tem de ter pólvora", ao se referir à possibilidade de o país receber sanções por conta do desmatamento na Amazônia.
- Não queremos fazer parte da política governamental ou política do Congresso Nacional e muito menos queremos que a política entre no nosso quartel - disse Pujol em evento online.
Um dia depois, o general do Exército voltou ao tema. Em um seminário, ressaltou:
- Não somos instituição de governo, não temos partido. As Forças Armadas cuidam do país, da nação. Elas são instituições de Estado, permanentes. Não mudamos a cada quatro anos.
Após essas declarações, Pujol, Ilques Barbosa e Moretti Bermudez assinaram nota conjunta em que afirmavam que a separação entre políticas e as forças militares é princípio constitucional.
O maior foco de críticas a Bolsonaro nas Forças Armadas, porém, está na Marinha. Integrantes da força sempre classificaram como inadmissíveis a postura do presidente e os erros cometidos por ele na pandemia - incentivando aglomerações e desestimulando o uso de máscaras.
Agora, o nome mais cotado nos bastidores para o lugar de Pujol é o do comandante militar do Nordeste, general Marco Antônio Freire Gomes, segundo o Estadão. Porém, conforme militares que acompanham a negociação, Bolsonaro teria de "aposentar" seis generais mais antigos do que Freire Gomes. Isso porque eles passam à reserva se um oficial mais "moderno", com menos tempo de Exército, for alçado ao comando.
Repercussão
Em entrevista à colunista de GZH Kelly Matos, o ex-ministro do Gabinete de Segurança Institucional da Presidência e general Sérgio Etchegoyen avaliou que as Forças Armadas estão "maduras" e "não se afastarão do papel constitucional". Em rede social, o ex-presidente Fernando Henrique Cardoso se manifestou: "Não bastasse a pandemia e o difícil momento econômico, há inquietação entre chefes militares. Espero que as Forças Armadas se mantenham fiéis à Constituição. Mandamento que vale para todos os cidadãos".