sábado, 27 de fevereiro de 2021


27 DE FEVEREIRO DE 2021
LYA LUFT

Nós, os sequelados

(Não quero parecer pessimista com esse título, mas amorosa. Parece que o primeiro golpe, que pode deixar sequelas, é o nascimento. Depois, a família, carinhosa ou violenta; depois, a juventude com esperança ou mortificação; a adultez com seus fracassos ou conquistas, por menores que sejam; a velhice com afetos ainda, mas alguma irrecuperável perda. Hoje homenageio meus leitores condensando em prosa poemas vários, para que sintam que poesia é prazer e magia. E cura algumas sequelas.)

O mar dos meus amores é turvo de desencanto. Não é azul nem verde: é marinho. Na crista do sonho, um raro gesto faz desmaiarem as sereias. No mar das minhas dores, escuro do naufrágio do mundo, espero e escuto: alguém virá? O cavalo da espuma deixa pelo caminho a luz dos momentos que são mais que muito: são tanto e tão fundo. Meu mais secreto destino como o reverso das ilhas; maremoto marinho, calado alado e sonoro: mais que navego, imagino.

Eu pedia licença a Deus, encostava a testa no vão da porta e espiava: lá estavam os mortos, aquietados, cada um em sua gaveta, o rosto eterno que eu não via. (Os mortos, sim, me vigiavam.) Guardados naquele silêncio, dobras de vidro e metal, à noite, eu sabia, eles voltavam às casas onde tinham amado, esfregavam os rostos nos espelhos até sangrar, e seu lamento agudo gotejava no sono dos vivos, como chuva. Eu me retirava devagar pelo caminho de pedra, os olhos dos mortos grudados nas minhas costas.

No jardim moravam todos os segredos: as vozes cantavam entre as folhas, e choravam no vento. No horizonte, morros azuis da tinta que um anjo distraído deixara cair do céu. Nada parecia impossível, nem princesas nem unicórnios, nem fantasmas na noite. Todos os mundos que criei, pessoas que inventei, destinos que tracei, nasceram ali: perderam-se mas persistem, porque o que parece perdido existe.

Naquele tempo sem tempo, a verdade parecia estar nos livros: ali moravam as respostas e nasciam os nomes. Quanto mais procurei, mais me enredei na ramagem das indagações: as respostas não vinham, a verdade era miragem, a busca era melhor que a descoberta - e nunca se chegava. (Viver era mesmo sentir aquela fome.)

Na parede atrás de minha mesa, ombro a ombro, a menina e seu pai, em dois retratos, conversam no escuro da noite. Quando apago a luz e fecho a porta, eles riem baixinho desta que hoje sou: ainda tão distraída e desassossegada, cheia de encantamento, e susto. E dizem, meneando as cabeças: ela nunca vai mudar.

Estou sempre dando adeus: também ao desencontro e ao desencanto. Estou sempre me despedindo do ponto de partida que me lança de si, do porto de chegada que nunca é aqui. Estou sempre dizendo adeus: até a Deus, para o reencontrar em outra esquina de adeuses. Estarei sempre de partida, até o momento de sermos deuses: quando me fizeres dar adeus à solidão e à sombra.

LYA LUFT

27 DE FEVEREIRO DE 2021
MARTHA MEDEIROS

Minhas águas

Watsu é um tratamento que se faz dentro de uma piscina aquecida e que é inspirado nos movimentos do zen shiatsu: você fecha os olhos enquanto o terapeuta segura seu corpo e o conduz com tanta lentidão e suavidade que você entra num estado de quase sedação. Serve para atenuar estresse, insônia ou apenas para relaxar, como fiz recentemente num spa. Desconectei do ambiente externo e vivi uma regressão: eu parecia um feto boiando no útero materno. Não costumo ser viajandona, então me dê um crédito. Nunca havia pensado na minha relação com a água e em como ela também conta a minha história.

Tudo começou no apartamento onde vivi os primeiros anos: no banheiro, tinha um box com cortina, limitado por uma muretinha de azulejos amarelos, e era ali, dentro daquele pequeno espaço onde caía a água do chuveiro, que eu fantasiava ter a piscina que nunca tive.

Mas havia o clube, onde, depois de saltar e correr pela piscina das crianças (enquanto minha mãe advertia: "Devagar para não escorregar!"), eu recebia permissão para entrar na piscina dos adultos, que não dava pé - me agarrava na borda e meu coração saltava pela boca nas vezes em que era levada até o outro lado nos braços do meu pai.

Nas férias, havia o mar gelado de Torres, com ondas irregulares e pouco azul, mas era meu Caribe, onde pegava jacaré com uma prancha de isopor e saía da água com os dedos murchos. Torres faz fronteira com Santa Catarina, e assim que cresci mudei de mar, upgrade celebrado nas areias de Bombinhas: nos meus 18 anos, era uma extensão de praia quase desabitada, onde passei os melhores dias da juventude, numa casa de pescador com amigos da vida toda e um visual que não perdia para o da Tailândia.

Chegamos à idade adulta, onde o oceano se expande e mergulho em cartões-postais: em Koh Pee Pee, vivi uma epifania, nadando ao lado de peixes luminosos enquanto superava medos infundados. Em Fernando de Noronha, o mergulho foi ao lado de tartarugas gigantes, o mais perto que cheguei do universo Jacques Cousteau. No México, duas experiências aquáticas longe do mar: um banho regenerador num cenote (depressão circular inundada de água fresca e cercada por vegetação) e um banho pelas águas esmeralda de uma gruta subterrânea, sob estalactites penduradas no teto: mistério, silêncio e fascínio.

Faltou espaço para falar da companhia dos botos cor-de-rosa nas águas doces do rio Negro, dos banhos de chuva na calçada, de uma tarde de sol dentro do mar do Arpoador e da única cachoeira da minha vida, quase na beira da estrada. Distante de mim mesma nesta longa e árida pandemia, uma simples sessão de watsu veio me lembrar: tão pé no chão, tão terra e fogo, essa também sou eu, de cabelos molhados e alma lavada.

MARTHA MEDEIROS

27 DE FEVEREIRO DE 2021
CLAUDIA TAJES

Saudade do verão de 2021

O verão de 2021 vai ficar na história como aquele que não deveria ter existido. O verão que não deixou só marquinha de sol na pele, também deixou uma triste marca nas UTIs. Óbvio que tanto ajuntamento ia dar no que deu: bandeira preta, amor. Veranistas, os da praia e os da cidade, que se aglomeraram como se não houvesse amanhã, viraram niilistas. Viver em negação pode até ser mais cômodo, mas cobra um preço alto ali na frente.

Isso não inclui quem se recolheu com a família em um lugarzinho isolado, armazenando forças para seguir. Para quem ficou dentro de casa, curtindo a síndrome de abstinência de ar livre, esse foi um verão de lembranças. De pensar em coisas que, na hora, não pareciam tão boas. Mas só porque estavam à feição demais.

Não dar valor ao que vem fácil, quem nunca?

Saudade do congestionamento para chegar à praia. Da areia tão lotada que era quase impossível caminhar entre os guarda-sóis - ao menos, sem enfiar o olho na vareta de um. Saudade do guarda-sol que saía voando, e levando junto as camisetas penduradas nele para secar. Saudade do queijo coalho feito no fogareirinho com resquícios de muitos verões passados. Saudade de tomar um torrão, apesar das recomendações da dermatologista e da aplicação regular de protetor. Saudade da água que só ficava quente e clara quando a gente já estava de volta ao trabalho: fim de semana com cara de Caribe no litoral gaúcho.

Já das inúmeras casas alugadas no escuro, delas é mais difícil sentir saudade. As novas gerações jamais imaginariam que, antes do Airbnb e das imobiliárias que mandam fotos e informações pelo WhatsApp, alugava-se na praia a partir de anúncios classificados - Jesus! - ou de um contato repassado por alguém.

Fulano tem uma casinha ótima e perto de tudo. A casa era até boa, mas o conceito de "perto" se referia mais à serra do que ao mar. Além, claro, de uma vendinha para comprar sorvete quente a 10 quadras dali.

A casa é simples, mas a vista é incrível. E era mesmo, dava para ver o Cruzeiro do Sul pelos furos do telhado. Só era chato quando chovia.

Não é barato, mas vale a pena pela localização, no meio da natureza. Pelo preço, a gente pagava também pelos mosquitos, aranhas, baratas e mais toda a fauna de insetos que nos picava dia e noite.

O local é calmo, sem barulho e com privacidade absoluta. Pudera, ficava tão distante que nem os salva-vidas encontravam o caminho. Pai e mãe se postavam na beira, gritando para os filhos não se afastarem. Cuidado com a rebentação, criatura! Pelo menos, ninguém passava vergonha, já que não havia uma alma em dezenas de quilômetros.

É no morro, basta descer por uma estradinha de terra que chega no mar em menos de vinte minutos. Verdade. O que ninguém considerava era a volta, sol no miolo, carregando as tralhas e o cansaço morro acima.

Não que alugar com fotos e Google Maps garanta que tudo vai dar certo. Em algum verão antes da pandemia, vimos as fotos de uma casa dos sonhos, enormes aberturas de vidro, em uma encosta, e que paisagem. O preço era salgadérrimo, mas puxa daqui e dali, decidimos ir. Pela experiência, a gente repetia, para diminuir a culpa por pagar tanto.

Lá chegando, a casa que fotografava ampla e arejada tinha, quando muito, 30 metros quadrados. Toda de vidro, sem ventilador ou ar-condicionado. Sensação de estar em uma barraca iglu, daquelas em que a pessoa seria sufocada se não vazasse ao nascer do sol. Era uma casa muito engraçada, não tinha lençol, coberta, cama, não tinha nada. Colchonetes encostados nas paredes guardavam memórias dos outros corpos, muitos, que já haviam passado por eles. Aguentamos três dias e meio da estadia que previa 10. Tome frustração, prejuízo e nenhuma história para contar.

Até a coluna de hoje. Porque, nesse fim de fevereiro, tenho sentido muita saudade do verão que não houve. Tomara que quem não sossegou o facho, alegando calor e a própria exaustão, consiga ficar em casa, agora que o outono está a caminho. Com um pouquinho de colaboração e, óbvio, a vacina, a gente pode dar um passo adiante, logo mais.

E, então, o verão de 2021 não vai passar de uma pálida - literalmente - lembrança.

CLAUDIA TAJES

27 DE FEVEREIRO DE 2021
LEANDRO KARNAL

A IDADE DA LÍNGUA

Você sabe que, mais do que rugas ou falta de cabelos, sua fala traz seu ano de nascimento à tona. Entenda fala em sentido amplo. Manda mensagens no celular e coloca acentos ou vírgulas? Escreve muito e abrevia pouco? Não usa figurinhas? Provavelmente, como eu, você viu, emocionado, diante de um televisor preto e branco, o homem chegar à Lua, em 1969.

Existem as coisas óbvias e que já observei por aqui: "Caiu a ficha? Vira o disco!"; tudo indica pouco colágeno. Usa expressões como "dondoca", "de lascar", "fulana é uma dondoca"? Nem precisa mostrar sua carteira de identidade, sei que ela é bem antiga. Claro, entre os "experientes" existem ainda abismos cronológicos. Há uma geração inteira entre "balacobaco" e "putz, grila". Distingamos gente de idade e aqueles de muita idade, claro. Meu pai chamava o blazer de "fatiota". Minha tia Shirley perguntava por que eu estava "borocoxô" quando me via triste. Minha orientadora soltava um "bicho" de quando em vez. São ecos de um português com outra marca de carbono 14.

Uns viram aparecer Woodstock já adultos, outros desejaram ir para lá na juventude e, por fim, alguns nunca ouviram falar do festival. Cada um com a sua "patota".

Não está entendendo "patavinas"? Não fique "grilado". O tema é "supimpa pra dedéu". Não é só a gíria ou a maneira de construir uma frase que envelhecem rápido.

Consideremos, também, como a gestualidade constitui, em si, documento histórico. A língua é viva. Os termos nascem, crescem e morrem. Estava ouvindo Machado enquanto fazia atividade física. O gênio usa muito a expressão "muita vez", que, apesar de corretíssima, deixamos de usar assim. Estou acostumado com "muitas vezes". Empaco no singular. Estranho. "A pedra no meio do caminho" mostra que a pavimentação da estrada da língua depende de usuários diferentes a cada momento. Antes de a Terra assumir sua atual forma plana, ela era bem esférica e rolava em alta velocidade. A língua acompanhava a velocidade da mudança.

Meu pai usava "senhorita, por obséquio", ao chegar a um balcão onde uma jovem atendia. O termo ficou politicamente incorreto. Expressões em francês são sinais de idade. A anglofonia invadiu e massacrou a população anterior da cidadela. Quem ainda suporia que uma casa duvidosa moralmente pudesse ser um estabelecimento de "rendez-vous"?

Vamos para o campo das moradias. Alguém ainda sonha com uma "casa geminada"? Oswald de Andrade teria, hoje, uma quitinete ou uma "garçonnière"? Alguém ainda compraria um "JK" como investimento imobiliário? Em que momento espaços minúsculos foram tomados pela elegante palavra "studio"? Se tudo for apertado e o teto subir um pouco, teremos um "loft"... A criatividade do mercado imobiliário é uma constante universal.

Quase todas as pessoas mais velhas acham que o uso da língua portuguesa está em decadência. Ouvia isso dos meus professores há 40 anos: "Os jovens de hoje falam de forma errada!". A reclamação é tão constante que podemos deduzir que o declínio tem origem no Paleolítico.

Eu comecei afirmando que a língua denunciava nossa idade. Na verdade, ela mostra uma visão de mundo específica de cada geração. Os jovens não falam "pior". As orações subordinadas desapareceram na fala e fenecem na escrita. O modo subjuntivo agoniza (convenhamos que já estava doente quando o estudamos). Se usarmos o subjuntivo na pessoa vós, criamos uma peça arqueológica exótica: "que vós partais"; "se vós partísseis", "quando vós partirdes". Três formas subjuntivas expressando incerteza gramatical e delírio prático de quem as emprega.

Há, no seu eu mais profundo, um desejo caetânico de sentir sua língua roçar a de Luís de Camões? Não se esqueça de que uma hipotética palestra de Camões no YouTube seria, na prática, incompreensível até para ouvidos versados em prosódias antigas. Quase sempre, tal regra valeria para perfumes do século 18, pratos do século 14 ou hábitos em geral de eras passadas. Tudo tem vida, e a estranheza é o abismo do tempo que marca gostos que, ingenuamente, imaginávamos naturais.

O português começou a falar ao mundo com um pequeno nobre, Paio Soares de Taveirós, em algum momento do século 12. Reclamando que nada possuía de dado por sua amada, por menor que fosse, o galego escreveu: "Pois eu, mia senhor, d?alfaia nunca de vós houve nem hei valia d?ua correia!".

A língua de Paio Soares de Taveirós seria compreendida, com alguma dificuldade, três séculos depois, por Gil Vicente. Entre o autor da Farsa de Inês Pereira e o nosso Machado de Assis, outro abismo de metamorfoses, séculos e silêncios. Os três citados não conseguiriam ler uma mensagem de WhatsApp, em 2021.

Então, afinal, me perguntam a querida leitora e o estimado leitor, qual a maldita diferença? As distâncias da mudança entre cada um eram cronologicamente amplas.

Hoje, provavelmente, você, caro leitor e queridíssima leitora, também não leria muitas mensagens eletrônicas de adolescentes. Entre você e sua filha sardenta, existe um abismo maior do que o verificado entre Gil Vicente e Machado. Há hiatos enormes entre falantes de eras diferentes, mesmo que a outra era tenha sido gerada por você e sua esposa... Console-se lendo mais clássicos, ninguém mais lhe entende... É preciso ter esperança ou um bom emoji.

LEANDRO KARNAL

27 DE FEVEREIRO DE 2021
FRANCISCO MARSHALL

WORDS, WORDS, WORDS

Essa foi a resposta do príncipe Hamlet, o herói angustiado, a Polônio, homem da corte, quando este lhe perguntou o que lia:"Palavras, palavras e mais palavras" (Shakespeare, Hamlet, 2.2.183). O príncipe-leitor queria confundir com ironia ao pai de Ofélia, que ora tramava contra ele; faz-se de louco, quando transborda de conhecimento sobre a trama macabra que golpeou a Dinamarca: o assassinato-regicídio de seu pai, o Rei Hamlet, por seu tio Claudius, com a cumplicidade de sua mãe, Gertrude, e sobre as ameaças que o cercam. "Há algo de podre no reino da Dinamarca" (1.4.67), diz Marcellus, amigo de Hamlet, ao parceiro Horatio, enquanto o príncipe trata com o fantasma de seu pai, o rei injustiçado, e todos sentem que lá, como cá, no Brasil-lisarB, há algo muito podre. O que será, que será?

É experiência terrível escrever com sinceridade no duro tempo em que vivemos. A pena-teclado é também radar sensível, e, tal como o fantasma de Hamlet, vêm ao estúdio assopros de assombros tenebrosos dos dramas em que ora soçobramos. Prouvera pudesse o humanista apenas dar vazão a seus e nossos sonhos e compartilhar só belas memórias e imagens, das pinturas mágicas das cavernas de Chauvet e do Piauí aos traços perfeitos de Picasso, do som de danças e fogueiras paleolíticas ao ribombar de tímpanos de Beethoven e Villa-Lobos, dos versos perfeitos de Sófocles aos cantos enigmáticos de Ezra Pound e à modernidade da pedra de Drummond, da ciência que vem das pirâmides e de Pitágoras ao pouso da sonda Perseverance em Marte (18/02/2021), das pulsões e memórias que geram o samba e a bossa nova, de tudo de potente que precisamos rememorar a cada geração, para fecundarmos o tempo com o melhor da humanidade. 

Mas como fazer-se de Poliana, a personagem de Eleanor H. Porter (1913), para quem o mundo era jogo da felicidade, ou emular Pangloss, do Cândido de Voltaire (1759), o otimista ingênuo? Pobre Poliana, nunca soube que o êxtase vem de nó e desenlace, e que a imagem do mundo é feita em chiaroscuro. É compreendendo o trágico da história que podemos avançar mais fortes.

Hoje, com a força de palavras e evidências, está tudo esclarecido, como esteve para Hamlet. A tragédia atual é fruto de uma farsa, a tomada do poder e o desmonte de uma nação, desde 2016, quando o Brasil assassinou sua alteza, a democracia, e a deixou insepulta. A ilusão dos manifestoches desfilou na Sapucaí (Paraíso do Tuiuti, 2018), a tramoia de juizeco, procurador palestreiro e cúmplices conspiradores do Estado e da imprensa veio a furo, e hoje a pátria flagelada mostra aonde poderia chegar o governo de um ignorante raivoso e despreparado: destruição, e montanhas de mortos sem vacina, que podem incluir você e os seus amanhã. A trama mórbida está evidenciada, escrita, lida, mas prevaricadores irresponsáveis, rapineiros (com traje ou grana verdes) e omissos covardes no atacado e no varejo ressoam Hamlet, e fazem nossas palavras parecerem apenas blablablá. É duro escrever em era trágica, em meio à farsa.

Palavras, ide erguer os vivos contra a morte, e dar-lhes a rosa redentora.

FRANCISCO MARSHALL

27 DE FEVEREIRO DE 2021
DRAUZIO VARELLA

CIGARRO ELETRÔNICO NA ADOLESCÊNCIA

A indústria acrescenta sabores ao cigarro para disfarçar o gosto de fumo queimado.

Mentol e as essências de baunilha, morango, maçã, chocolate e crème brûlée têm sido empregadas com o objetivo de tornar o cigarro mais palatável às crianças e aos adolescentes. Tentativas da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) de proibir essa prática criminosa têm fracassado diante do lobby milionário da indústria tabaqueira.

O Food and Drug Administration (FDA), dos Estados Unidos, acaba de banir a adição dessas essências nos cigarros eletrônicos. Sim, eles usaram a mesma estratégia para arregimentar legiões de adolescentes dependentes da nicotina, inalada em dispositivos no formato de pen drives com baterias adaptadas para receber carga nos computadores da criançada.

A quantidade de nicotina presente nos reservatórios desses dispositivos é muito alta. Alguns deles chegam a conter o equivalente à de um maço inteiro.

O impacto dos cigarros eletrônicos foi tão grande no país que, finalmente, atraiu o interesse dos neurocientistas para estudar a ação a longo prazo da droga no cérebro em desenvolvimento.

No mês de fevereiro de 2020, no congresso anual da Academia Americana de Ciências, a neurocientista Marina Picciotto, da Universidade Yale, apresentou os resultados de estudos conduzidos em animais, uma vez que a moda dos cigarros eletrônicos em humanos é recente.

A nicotina tem a propriedade de ressaltar o prazer proporcionado pelos sabores adicionados ao vaporizador, dando origem a associações neurais que a tornam mais desejável. Pelo mesmo mecanismo, ela acentua a sensação de prazer provocada por outros estímulos agradáveis, como ouvir música, tomar café ou ter uma experiência sexual.

Camundongos adolescentes expostos aos vapores de nicotina desenvolvem alterações estruturais em seus neurônios, que modificam o tráfego de informações pelo tecido cerebral. Os camundongos se tornam mais sensíveis ao estresse e passam a responder a estímulos fracos que não chegam a provocar reação nos que não foram expostos à droga.

Assim, choques elétricos de baixíssima intensidade que não chegam a ser percebidos por camundongos não expostos provocam reações exageradas nos que foram expostos.

Comportamentos semelhantes foram descritos em crianças cujas mães fumaram durante a gravidez.

Além da nicotina, o líquido usado nos vaporizadores contém outras substâncias nocivas, algumas das quais são responsáveis pelas 64 mortes e as quase 3 mil internações hospitalares ocorridas nos Estados Unidos. Segundo o Center for Diseases Control (CDC) daquele país, a causa mais provável é a presença do óleo de vitamina E na solução contendo nicotina inalada.

A vitamina E não é o único produto encontrado em alguns dispositivos. Existem outros. Um deles, o polietileno glicol, é parente do dietileno glicol, que provocou a tragédia da cerveja em Minas Gerais.

Viciar crianças em nicotina é o negócio dessa indústria. Não é à toa que a Organização Mundial da Saúde (OMS) considera o fumo uma doença pediátrica.

DRAUZIO VARELLA

27 DE FEVEREIRO DE 2021
MONJA COEN

DESPERTAR

É preciso despertar. Claro que você entende, afinal, se está lendo esta coluna é porque despertou. Será?

O despertar tem um som. Cada palavra tem um som e cada palavra pode ser entendida de forma diferente por cada um de nós em momentos diversos. Acorde. Desperte. Aprecie a vida. A palavra solta no papel solta um grito, um sussurro.

Um som que já não me pertence. Nem a você. Não tem pertencimento. Meus pensamentos não são meus nem seus nem de outras pessoas. Pensamentos pensam pensamentos que passam, flue m.

Fica uma leve memória.

Despertar Inspirado - livro do professor Clóvis de Barros Filho com pequenos comentários meus. Por muitas semanas, todas as manhãs, ao terminar a sexta badalada do sino do Mosteiro de São Bento, o professor Clóvis nos falava de gregos e troianos, de passado no presente e de futuro no agora. Riquíssimo, inspirador. Escrevi algumas poucas palavras para um amigo, que decidiu incluir em seu livro. Está por aí. Da editora gaúcha Citadel.

Pode nos ajudar a despertar ins pirada mente. Fui escrevendo livros durante esta pandemia, e o último a ser publicado, depois de Vida-Morte, da Bella Editora (como separar uma da outra?), é o que estou hoje oferecendo ao mundo: O Bom Contágio, da editora Record (selo Best Seller).

Fui me inspirando e despertando: o livro Vírus (edição independente) saiu logo depois do Ponto de Virada (Ed. Planeta). Este ponto deste instante, neste sábado. Aqui e agora é onde podemos virar o jogo.

Isolamento. Contágio perigoso, danoso, que nos leva a Repensar a Existência - outro livro, em parceria com Dom Anselm Grün, que a editora Vozes vai lançar brevemente. Depois do Bom Contágio, o que vai chegar em abril é a Cura, também da Planeta. Escrevi, pensei e soltei ao vento da impermanência.

Cada livro, cada palavra, cada suspiro ofereço a quem se interesse por amor, alegria, o bem, sabedoria. Construir a paz através da paciência, compaixão e arrependimento, equidade e doação, vida ética - preceitos, silêncio e fala correta, investigação dos fenômenos, meio de vida benéfico e amor incondicional. Topa essa? Contagiar o mundo com o bem?

Ainda é tempo: acorda, tenha um Despertar Inspirado, perceba o Ponto de Virada, cuidado com o Vírus, reconheça Vida-Morte, envolva-se com O Bom Contágio, dê um novo "significado à existência", encontre a Cura e depois só Poesia do Allan, com meus comentários, em construção pela editora Sextante. Para completar, que tal um Quatro por Quatro, da editora Papirus, no qual os professores Leandro Karnal, Mario Sergio Cortella e Clóvis de Barros Filho interagem entre si e dialogam comigo?

Pandemia é tempo de leitura e de escrever. Haverá mais surpresas e novidades, em estudos.

Podemos juntos construir uma cultura de respeito e dignidade, usando máscaras reforçadas, mantendo o distanciamento social, lavando as mãos e os pés, as roupas e as compras, purificando o mundo com doação, solidariedade, ternura e muita saudade.

Fique em casa. Vacinação salvadora. Aceite e facilite a imunização de toda a humanidade. Depende de você e de todos nós. Juntos podemos e vamos curar o mundo.

Mãos em prece. 

MONJA COEN

27 DE FEVEREIRO DE 2021
DAVID COIMBRA

Um virgem de 32 anos de idade

Não demora, chega outro outono, e nós estaremos ainda sitiados pelo corona. O que fazer? Uns, pão. Muita gente aprendeu a fazer pão no confinamento. Outros leem mais, veem mais filmes e séries, e tem também quem não canse de se entediar, afundado no sofá, jogando Candy Crush.

Eu, aqui, no meu tugúrio, há algo que faço diferente, nestes tempos pandêmicos. Não meus hábitos de leitura, esses continuam os mesmos: leio dois ou três livros simultaneamente, cada um de um gênero. Em geral, um de literatura, um de história e uma biografia. De repente, engato num, deixo os outros choramingando no criado-mudo e vou até o fim do escolhido com sofreguidão, especialmente se é um romance policial.

Sei que haverá quem me julgue mal por ler romance policial. Sei que narizes intelectuais ainda se retorcem de preconceito contra esse gênero. O grande Raymond Chandler morreu amargurado por causa disso. No tempo de Chandler, dizia-se que era "literatura noir", "negra", em francês, muito mais chique do que "romance policial".

Chandler, você sabe, foi o criador de um dos detetives mais carismáticos da história da literatura, Phillip Marlowe. Todos que liam Chandler queriam ser Marlowe, eu, inclusive, mas quem acabou sendo foi Humphrey Bogart, o Marlowe perfeito - cínico e humano ao mesmo tempo. Em todos os seus papéis, Bogart foi Marlowe, até no seu mais célebre, em Casablanca. Logo, se você quisesse ser de fato Marlowe, teria de ser também Bogart. O que me fez desistir de ser qualquer outra coisa que não eu próprio, algo que não tem muita graça.

Já Chandler foi, de certa forma, um pouco Marlowe. Ou Marlowe foi um pouco Chandler, faz mais sentido. Chandler era um homem atormentado. Tinha problemas em duas áreas fundamentais da vida: bebidas e mulheres. Com bebidas, ele as bebia demais. Com mulheres, ele as tinha de menos. Até os 32 anos, Chandler foi virgem como uma noviça. Foi, digamos, "deflorado" por Cissy, a melhor amiga de sua mãe. Cissy era 18 anos mais velha do que ele, gostava de sair à noite, dançar, beber e namorar. Namoraram por quatro anos, até a mãe de Chandler, que não aceitava o relacionamento, morrer. Aí, casaram-se.

Chandler era feliz no matrimônio, mas continuou bebendo e fazendo coisas de bêbado, pelo que foi demitido do bom emprego que ocupava. Para conseguir algum, começou a escrever histórias de detetive, e então se consagrou. Você só está lendo sobre Chandler agora porque ele perdeu o emprego devido ao alcoolismo. Um mal e uma perda o empurraram para a imortalidade. A vida é mesmo imprevisível.

Mas estou escrevendo tanto sobre Chandler para dizer que gosto de literatura noir. E cinema noir também. E, por que não?, séries noir. Assim, chego aonde queria chegar. Desde o começo, discorrendo a respeito do outono que virá, queria enaltecer um personagem da sociedade gaúcha que, se você não conhece, deveria. É um cara que tem uma assinatura moderna: Magrolima, assim, tudo junto.

O Magrolima trabalha na Atlântida, participa do Pretinho Básico e de um dos melhores podcasts do sul do mundo, o "Era uma vez no Oeste", com o Potter e o Daniel Scola. Trata-se de uma cabeça privilegiada, capaz de estocar um volume de informação que só o Google emula. Mas o melhor é que ele sabe o que fazer com a informação que guarda. O Magrolima é perspicaz e sensível, o que lhe dá bom gosto e capacidade de saber o que é importante e o que é interessante.

Pois bem. Munido de todos esses predicados, o Magrolima recomendou uma série que tem tornado emocionantes estes meus dias de final de verão encoronado. Babylon Berlin, o título. Está num cantinho da Globoplay e é um diamante de ficção noir. Passa-se na Alemanha de 1929, uma das épocas mais agitadas da História. É alemã e isso é um adjetivo, não um substantivo. Porque a história é narrada com originalidade tipicamente germânica, tanto na forma quanto no conteúdo, com personagens envolventes e uma música que não me sai mais da cabeça.

Cara, como sou grato ao Magrolima por me indicar essa série! Só podia ser ele. O Magrolima sabe das coisas. Assista a essa série que ele indica. Ouça o Magrolima, confinado leitor. Você se tornará uma pessoa melhor.

DAVID COIMBRA

27 DE FEVEREIRO DE 2021
FLAVIO TAVARES

O CAOS NO CAOS

A pandemia transformou o mundo numa ilha cercada de caos por todos os lados. E, nela, nós, humanos, a cada dia temos menos terra firme. A continuar assim, em meses ou anos, não teremos onde pisar. Escrevo "anos" porque nada sabemos sobre o fim da peste, tal qual quase nada sabemos do seu início.

O aumento dos casos de covid-19 em Porto Alegre e em todo o Estado (ou pelo país inteiro) é aterrador por não existir solução a curto prazo. O contágio se alastra e cada um de nós deve agir, não só o poder público. O governador e os prefeitos podem servir de modelo a copiar ou evitar, mas - além da vacina - o cuidado maior está em nossos pequenos gestos, como usar máscaras, lavar as mãos e nunca aglomerar-se.

Basta já a desmobilização da sociedade provocada pelo presidente da República e seu ministro da Saúde, que desdenharam a peste e jamais a enfrentaram. Em vez de nos dividirem na errática burocracia das cores, governador e prefeitos devem evitar que se repita, aqui, o horror de Manaus, onde se aguardava a morte de algum infectado para outro doente ocupar seu lugar num leito de UTI, tentando sobreviver.

Toda morte é brutal, mas, quando alguém próximo nos deixa, a dor se transforma em abismo. Assim me senti com a morte de Ludwig Buckup, um dos nossos raros cientistas verdadeiros, dedicado à zoologia e à botânica e aguerrido protetor do bioma pampa e da natureza. Fomos contemporâneos no curso de Biologia da UFRGS, que não concluí, mas onde conheci sua dedicação à ciência. Agora, a covid-19 o matou, mostrando que o contágio é um assassino que nos espreita em qualquer lugar.

A grande tarefa é evitar que o caos engendre ainda mais caos e crie pânico.

O caos maior, porém, é não perceber o caos ou fantasiá-lo de "inocente" para estendê-lo à administração pública. Ou - indago - não é isto que Jair Bolsonaro anuncia ao prometer atenuar o rigor da lei de improbidade administrativa que, hoje, leva à prisão funcionários corruptos?

O presidente da República alega que a lei atual inibe a atividade dos prefeitos, como se a improbidade ou o roubo encoberto fossem virtudes, nunca um malefício em si.

As grotescas ideias que o deputado bolsonarista Daniel Silveira vomitou pelas tais "redes sociais" mostram a estupidez do caos dominando a política. Mas, em vez de tentar extirpá-la, a Câmara dos Deputados quer mudar a Constituição para impedir que os parlamentares possam ser presos pelo Supremo Tribunal, como agora ocorreu.

Não é o caos no caos?

Jornalista e escritor - FLÁVIO TAVARES

27 DE FEVEREIRO DE 2021
ARTIGOS

TODOS SOMOS RESPONSÁVEIS

É insano o argumento de que os governos culpam as pessoas pela contaminação em razão da covid-19. É preciso muito desconhecimento das informações públicas, ainda mais no Rio Grande do Sul, onde se prima pela transparência, para pensar que o agente público transfere responsabilidade, até porque, no assunto pandemia, a responsabilidade é de todos.

O Estado agiu e age para enfrentar uma doença de fácil transmissão, com ciclos de aumento exponencial de casos e percentual considerável de pacientes demandando UTIs, o que coloca a rede de saúde em risco permanente de colapso. O Rio Grande do Sul se preparou de inúmeras maneiras. Criou um sistema que acompanha diariamente a estrutura hospitalar e, ainda antes do primeiro caso, definiu um plano de contingência em fevereiro de 2020.

Para proteger vidas e mitigar impactos na economia, desenvolvemos uma estratégia mista, modulada e pactuada, equilibrando a prioridade da vida com a retomada econômica, com o modelo de distanciamento controlado com base no histórico do comportamento do vírus e mediante monitoramento de indicadores para a tomada de decisão. É uma ferramenta que aplica medidas conforme o comportamento da doença no território, um mecanismo versátil, ponderado e coletivo.

O governo investiu na ampliação da capacidade de testagem e qualificou a rede de atendimento. Durante 2020, o governo ampliou a capacidade hospitalar em UTI em cerca de 122% e, neste momento, trabalha em conjunto com a rede hospitalar e os municípios para abrir mais 250 leitos para a população. Quanto às vacinas, embora não haja disponibilidade no mercado, o governo articula com empresa e já formalizou interesse na complementação do Programa Nacional de Imunizações.

A soma de todas as ações permitiu a redução de danos, não a eliminação completa dos prejuízos. Foi um longo aprendizado, que se materializou em um esforço diário de técnicos do governo e colaboradores externos. Neste período, o governo cumpriu o seu papel fundamental, o de estar ao lado das pessoas, de uma maneira absolutamente empática.


27 DE FEVEREIRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

PELA CONCILIAÇÃO

Grande parte da efetividade da decisão do governador Eduardo Leite de colocar todo o Rio Grande do Sul sob a bandeira preta por nove dias, deste sábado até o dia 7, vai depender do grau de adesão de lideranças locais, como os prefeitos. Mesmo acertado, um canetaço de cima para baixo não bastará se, nos municípios, vozes dissonantes forem compreendidas pelas comunidades como a sinalização de que os protocolos não precisam ser rigidamente cumpridos. Mais do que não contestar a diretriz do Piratini, tomada a partir da orientação do Comitê Científico do Estado e dos números assustadores da covid-19, é preciso engajamento. Caso contrário, o vírus continuará vencendo, e a quantidade de mortes, se elevando a cada dia, com o colapso do sistema de saúde.

Um caso exemplar de desarmonia é o que envolve Leite e o prefeito de Porto Alegre, Sebastião Melo. Se o que está em jogo são vidas, prioridade absoluta, seria indispensável que o governador e o gestor da maior cidade do Estado aparassem arestas e começassem a agir no mesmo sentido. O vírus é um agente infeccioso que conta com a circulação de pessoas para se disseminar. Não é mais possível tergiversar com medidas cosméticas. É chegada a hora de lançar mão de todos os meios possíveis para minimizar deslocamentos desnecessários nas cidades. Esta é uma questão, hoje, de vida ou morte. O apelo vale para todos os demais prefeitos que, mesmo legitimamente contrariados com as restrições temporárias das atividades, precisam compreender a gravidade do momento e o caos logo ali à frente se nada de sério for feito para diminuir os contágios. Por isso, é adequada a decisão do Piratini de suspender a cogestão, evitando flexibilizações e uniformizando medidas em todo o território gaúcho.

O Brasil conta com um presidente que, por exemplo, é incapaz de compreender ou aceitar a importância das máscaras para evitar as contaminações. Se não é possível ter um alinhamento entre os três níveis dos entes federados, que ao menos os municípios gaúchos se somem aos esforços do governo do Estado, que teve de tomar uma decisão dura, que terá reflexos na economia mas neste momento é inevitável. Basta observar o crescimento assombroso do número de novos casos, internações e buscas por unidades de tratamento intensivo (UTIs). Se há agonizantes filas para o ingresso nas UTIs, médicos já têm de escolher quem poderá ter chances de viver e quem será deixado à própria sorte e a tendência é de piora do quadro, é irresponsabilidade ficar de braços cruzados. O julgamento da História tende a ser implacável.

Ampliar leitos de UTI é importante, mas são reiterados os alertas de que não será uma medida suficiente, tanto pela velocidade dos contágios quanto pela falta de equipamentos e recursos humanos. Os dados mais recentes, inclusive, mostram que 60% dos pacientes internados nas UTIs acabam não resistindo. Para vencer esta batalha, portanto, é vital evitar que mais pessoas precisem de tratamento intensivo. A vacinação, grande arma para derrotar a pandemia, é demasiadamente lenta devido à falta de doses. No curto prazo, infelizmente, não é possível contar com a imunização, pela baixa cobertura. O distanciamento social, portanto, segue como a arma mais eficaz neste momento. Passou a hora de, ao menos o Rio Grande do Sul, deixar de lado diferenças, agir com a ciência como guia e unificar um discurso claro à população, contando com a compreensão de lideranças de todas as áreas. Neste momento, toda a energia deve ser direcionada para salvar o maior número possível de vidas.


27 DE FEVEREIRO DE 2021
CHAMOU ATENÇÃO

Terraço é "Espaço de Deus"

É no terraço do Edifício Santa Tecla que famílias chegadas do Interior ou de outros Estados em busca de atendimento na Santa Casa recebem acolhimento com cama confortável, cozinha, sala e banheiro em Porto Alegre. O endereço - na Praça Dom Feliciano, no Centro - se tornou referência em ajuda a partir da ação da proprietária da cobertura, a engenheira Isabel Mânica Ruas, 54 anos. Em 2017, ela transformou o apartamento anexo, que antigamente era local para moradia de empregados, no que chama de "Espaço de Deus".

Isabel ampliou parte da área para ajudar pessoas que chegam sem conhecer ninguém e sem condições financeiras para se manter em hotéis enquanto familiares passam por acompanhamento no hospital. Tudo nos cerca de 30 metros quadrados é oferecido por ela de graça. Muitos dos auxiliados são pais e mães de crianças que precisam de transplante de órgãos no Hospital Santo Antônio.

Segundo ela, o apartamento sempre foi referência para familiares e amigos que vinham para Porto Alegre, especialmente por ser na frente da Santa Casa. Mas foi em uma ação da igreja que frequenta, a Igreja Mundial do Poder de Deus, visitando famílias em hospitais, que ela deu o pontapé inicial. Percebeu que muitos ficavam em acomodações de más condições ou dormindo nos corredores e bancos do hospital.

Ao longo dos últimos anos, ela calcula ter dado abrigo para mais de cem pessoas - entre pais e crianças -, inclusive moradores de Santa Catarina, Paraná, Espírito Santo, Pará e até da Argentina:

- Todas as histórias me emocionam. São histórias diferentes, é a vida de cada um. Estamos lidando com vidas.

VITOR ROSA


27 DE FEVEREIRO DE 2021
J.R. GUZZO

Licença para trabalhar

Houve um tempo neste país em que se perseguia o "subversivo", considerado então uma desgraça pior que a saúva - ou o Brasil acabava com eles, ou eles acabavam com o Brasil. Hoje, para a esquerda em geral, para a classe médiaalta urbana que reza pelo "verde" e, sobretudo, para milhares de burocratas que habitam a máquina pública, "aparelhada" até o talo nos últimos anos, o inimigo público número 1 do Brasil e do povo brasileiro são o agricultor e o pecuarista.

O agronegócio, neste mundo, não é o setor que mais dá certo em toda a economia brasileira; o único, talvez, que vai realmente bem. Não é o responsável direto por pouco mais de US$ 100 bilhões em exportações em 2020 - isso mesmo, US$ 100 bilhões, sem os quais o país não teria como comprar um prego no Exterior. Não é um criador essencial de empregos, de renda e de impostos. Não é a área mais competitiva, moderna e tecnológica do universo econômico nacional. Nada disso: o agronegócio, no entendimento dos citados acima, é uma doença a ser exterminada a qualquer custo.

O agronegócio, segundo seus inimigos, está transformando o país numa "monocultura" - um "fazendão", dizem os intelectuais da cidade, que só serve para produzir soja e espalhar "agrotóxicos". Está tornando o Brasil "dependente da China". Está acabando com a "floresta amazônica" - mesmo quando as safras são colhidas no Paraná ou no Rio Grande do Sul. Está levando as pessoas, aqui e fora daqui, a comerem mais carne. Está matando as abelhas - enfim, é uma desgraça só.

O último ataque é particularmente estúpido - trata-se de um negócio chamado "zoneamento econômico e ecológico" do Mato Grosso. É uma aberração através da qual os ditadorezinhos ambientalistas que vivem dos impostos pagos por você estão tentando deixar aleijada uma região inteira do Estado que é hoje o principal produtor de grãos do Brasil. Esse "zoneamento" declara que o Vale do Araguaia, uma região com cerca de 20 municípios e 4 milhões de hectares, é uma "zona húmida" - e em zona húmida, segundo propõem os autores da ideia, ninguém pode mexer.

Segundo o "zoneamento" proposto, vai ficar proibido em toda a região, que tem como polo central o município de São Félix, o plantio de soja, milho ou qualquer lavoura intensiva. Vai ficar proibido o cultivo de pastagens para criação de gado. Vai ficar proibida, até mesmo, a criação de peixes em tanques de água - uma atividade de subsistência para assentados da reforma agrária e proprietários de áreas mínimas de terra. Só será permitida a pesca natural, nos rios - provavelmente sob a fiscalização, controle e permissão dos criadores do "zoneamento" e, quem sabe, do Ministério Público do "Meio Ambiente". É uma alucinação.

Um país está com problemas sérios quando quem trabalha no campo, e está dando uma contribuição vital à sociedade, precisa pedir licença para fazer o seu trabalho a um bando de burocratas que não foram eleitos por ninguém.

J.R. GUZZO*


27 DE FEVEREIRO DE 2021
INFORME ESPECIAL

Izquierdo, o homem que falava direito

O professor Ivan Izquierdo sempre é citado quando explico a diferença entre falar difícil e falar bem. Generoso, me concedeu uma dezena de entrevistas no Estúdio 36, programa da TVCOM que teve Lauro Quadros como pioneiro e esse que vos escreve como sucessor, durante quase uma década.

Izquierdo, que morreu em fevereiro, enquanto eu estava em férias, era um dos maiores especialistas do mundo em memória. Mas quando se dirigia a um público leigo, sua maior preocupação era ser entendido. Conseguia, em nome da causa, simplificar ao máximo um tema extremamente complexo. Usava palavras simples e comparações conectadas com a vida cotidiana das pessoas. 

Era encantador ver como um cientista citado no mundo inteiro, argentino de nascimento, fluía em português de um jeito preciso e acessível. Peço licença para uma pequena digressão que me traz boas lembranças. Mais de uma vez comecei nossas conversas, ao vivo, na tevê, como a mesma pergunta: "Sobre que o senhor veio falar aqui mesmo, que eu esqueci?". Ele ria, mais por educação do que pela improvável graça da minha tentativa de piada com o tema ao qual dedicou a vida.

Simplificar é complicado, porque exige o conhecimento total e profundo de um tema. Falar difícil é para qualquer um. Na maioria das vezes, é apenas um exercício de poder e uma ostentação de status. Por medo ou insegurança, boa parte dos especialistas pronunciaria, pomposamente: "O balão de couro branco atravessou a linha que une os dois postes configurando a incidência de um tento". Ivan Izquierdo diria: "É gol". E foram muitos, disso nos lembramos bem.

TULIO MILMAN

sexta-feira, 26 de fevereiro de 2021


26 DE FEVEREIRO DE 2021
DAVID COIMBRA

O Brasil ama odiar

Eu, para falar a verdade, gosto do Temer. Hesitei em fazer essa confissão porque sei que serei xingado e vilipendiado por isso. Mas também sei que as pessoas me xingam e vilipendiam por qualquer motivo, o que acaba sendo maravilhoso. Afinal, se serei xingado e vilipendiado por qualquer motivo, posso escrever o que bem entender - não fará diferença. É uma liberdade e é um alívio. Obrigado, haters.

Então, repito: gosto do Temer. Não como político, como pessoa. Temer é um homem educado, gentil, incapaz de uma grosseria. Hoje, grosseria é confundida com autenticidade, e mau gosto e ignorância se tornaram espécie de precondição para a honestidade. Por alguma razão, as pessoas passaram a raciocinar assim: se ele é mal-educado, deve ser honesto.

Vá entender...

Passei um dia com Temer, em São Paulo, para escrever um perfil dele. Trata-se de uma pessoa agradável, embora seja formal em demasia. No Brasil tosco de hoje, é uma figura deslocada. Todos riam dele, sem achá-lo engraçado. Assim, era fácil desprezá-lo. Temer atingiu um índice de rejeição recorde, quando presidente - algumas pesquisas chegaram a apontar 95%. Na época, esse número me espantou. Parecia-me impossível que 95% das pessoas tivessem a mesma opinião sobre o mesmo assunto.

Mas agora surgiram os percentuais de rejeição dos participantes do Big Brother. Noventa e oito por cento e uns quebrados para o Nego Di; 99,17% para essa moça, Karol Conká.

Mas espere um pouco.

Neste momento, serei obrigado a fazer outra ressalva. Ei-la: não penso que assistir ou não ao Big Brother seja demonstração de sabedoria ou desinteligência. Filósofos kantianos, carroceiros, engenheiros de cibersegurança, taxidermistas, técnicos em contabilidade ou desempregados convictos podem assistir ou não ao Big Brother sem que isso diga qualquer coisa a respeito deles, a não ser acerca de suas preferências televisivas.

Quanto a mim, não assisto por um só motivo: porque não gosto. Se gostasse, assisti-lo-ia, como diriam Jânio e Temer.

Mesmo assim, sei um pouco do que ocorre no programa pela repercussão na mídia e entre várias pessoas que conheço. Logo, entendo que houve campanhas para a remoção do Nego Di e da Karol, algo subjacente ao mundo físico que se moveu pelos corredores etéreos da internet e explodiu na realidade.

E é isso que fascina.

Porque demonstra como o brasileiro se une quando é para rejeitar. O brasileiro ama odiar, ama a iconoclastia, a desmoralização alheia, o reverso do sucesso. No Brasil, há sempre uma palavra negativa a ser dita sobre qualquer pessoa, por melhor que ela seja, por maior o bem que tenha feito.

Nelson Rodrigues dizia que, no Maracanã, vaia-se até minuto de silêncio. O Maracanã é um símbolo: o Brasil é um grande Maracanã.

Sem pretender unir uma ideia a outra, Nelson Rodrigues dizia, também, outra frase, que terminou sendo complementar a essa:

"Que Brasil formidável seria o Brasil, se o brasileiro gostasse do brasileiro".

DAVID COIMBRA

26 DE FEVEREIRO DE 2021
ARTIGOS

SOMOS RESPONSÁVEIS UNS PELOS OUTROS

Sempre que passamos por uma situação difícil, a primeira ação que nos traz conforto é procurar um culpado. No caso da bandeira preta em grande parte do Estado, não é preciso ir muito longe para encontrá-lo. Não é fácil dizer isto, mas tudo o que estamos passando é por nossa culpa. Podemos transferir a responsabilidade e colocar a culpa no negacionismo do presidente. Podemos dizer que o governo do Estado, que tem se mostrado extremamente competente, não fez seu trabalho. Podemos, ainda, terceirizar a culpa, colocando-a nos prefeitos. Em Porto Alegre, por exemplo, a primeira ação do prefeito ao saber da bandeira preta foi abrir mais leitos. É óbvio que nossos governantes têm sua parcela de culpa, sempre lembrando que quem os colocou lá fomos nós. Temos que cobrar dos nossos gestores públicos, mas, neste momento, temos que cobrar mais do nosso vizinho de porta que não respeita as regras de distanciamento. Se existem pessoas descumprindo regras, quem pagará por isso somos todos nós.

Prezado leitor, antes de "aglomerar", pense que com esta ação você estará fechando nossas escolas. Isto significa deixar sem aula 2,3 milhões de crianças e adolescentes, que ficarão sem a possibilidade de aprender, de conviver e, muitas vezes, sem alimentação. Será que o encontro de amigos, a balada e a beira da praia são tão importantes assim? Quando você não usa a máscara, pense que você poderá estar desempregando uma pessoa. Com a bandeira preta teremos restrição no número de trabalhadores e restrição nos horários em nossa indústria e comércio, e isto certamente levará a demissões. Quantas pessoas ainda serão demitidas por nossa dificuldade, como sociedade, de cumprir regras?

É triste dizer, mas tem nos faltado cidadania, falta respeito ao próximo. Neste um ano de pandemia, não fomos capazes de aprender. O fato de fecharmos as escolas mais uma vez vai prejudicar a formação de nossas crianças e este tempo perdido não voltará. A tendência, com esse comportamento inconsequente de parte de nossa sociedade, é de entrarmos em um círculo vicioso, que tenho medo de imaginar como acabará.

Ninguém é imune à covid-19, não existem super-heróis, somos todos mortais e responsáveis uns pelos outros.


26 DE FEVEREIRO DE 2021
OPINIÃO DA RBS

HORA DE AGIR

Se alguém ainda não compreendeu o quadro dramático de esgotamento da capacidade de atendimento a pacientes com covid-19 em situação grave em muitas cidades do Estado, deve buscar assistir ao pungente relato da médica intensivista Thais Buttello, ontem, no Jornal do Almoço, da RBS TV. Em entrevista a Cristina Ranzolin, Thais revelou que, nos últimos dias, tem sido rotina no Hospital de Clínicas de Porto Alegre a dolorosa decisão de escolher quem, em pior situação, será internado em uma unidade de tratamento intensivo (UTI). Enfermos com idade mais avançada ou com comorbidades, que poderiam ter tratamento adequado em uma situação sob controle, acabam sendo preteridos, com chances ainda menores de voltar para suas famílias. A prioridade é de quem tem melhores condições de se recuperar. Emocionada, Thais contou ter ligado para sua mãe, de 77 anos, e pedido para ela não sair de casa. "Se tu ficares doente, não tem UTI pra ti."

Gestores hospitalares e profissionais da saúde como Thais, que estão há quase um ano diariamente atendendo pacientes com covid-19 já fizeram alertas suficientes para que governantes e população compreendam a gravidade da situação atual: hoje, no Rio Grande do Sul, já é preciso escolher quem terá a sorte de contar com amparo adequado em uma UTI para sobreviver ao novo coronavírus.

Era inadiável, portanto, uma resposta firme e capaz de reduzir de forma drástica a circulação de pessoas em todo o Estado. Foi o que fez de forma correta ontem o governador Eduardo Leite, ao suspender por nove dias a cogestão, possibilidade de prefeituras adotarem restrições mais brandas, e anunciar que todo o Rio Grande do Sul terá de seguir a partir de amanhã os protocolos da bandeira preta do sistema de distanciamento controlado elaborado pelo Piratini. Espera-se que prefeitos e demais lideranças contrárias à medida entendam o momento e não se insurjam contra as determinações do governo gaúcho. É urgente frear a aceleração dos contágios e, para isso, é essencial uma ampla adesão às medidas que restringem as atividades de maneira mais ampla.

A quantidade de novos casos, internações em leitos clínicos e em UTIs não para de crescer de forma assustadora, levando o Rio Grande do Sul a uma situação-limite. Tentar aumentar a estrutura de atendimento não será suficiente para acompanhar o ritmo acelerado de disseminação da covid-19 e de casos com piora rápida do estado clínico. Faltam equipamentos e recursos humanos para as UTIs, por exemplo.

É equivocado confundir as medidas previstas na bandeira preta com um verdadeiro lockdown, adotado em alguns países, mas não em qualquer parte do país até hoje. Compreende- se a preocupação com a economia após um 2020 duro, mas tornou-se indispensável lançar mão de ações mais efetivas para diminuir a circulação de pessoas. Para os prefeitos, uma lembrança: a realidade, infelizmente, mudou em relação ao cenário pré-eleitoral, no último trimestre do ano passado. Não é possível manter-se preso a promessas de campanha. Não há justificativa para fechar os olhos para os fatos.

Junto às medidas, é preciso reforçar a comunicação com a população para que faça apenas os deslocamentos inadiáveis, evite aglomerações e use máscara sempre e de forma correta. Tanto quanto imposições e fiscalização de eventuais desrespeitos a normas, funcionarão os esforços que conseguirem a adesão espontânea da sociedade, compreensiva da dramaticidade do quadro atual e do possível agravamento nas próximas semanas, quando o resultado das irresponsabilidades do Carnaval começar a chegar aos hospitais. O Rio Grande do Sul chega a um momento que requer máxima atenção. Com vacinas em volumes insuficientes, só será possível conter a tragédia que se anuncia com ação adequada dos gestores públicos e o apoio maciço de entidades e da população.


26 DE FEVEREIRO DE 2021
COVID-19 EM FEVEREIRO

75% dos pacientes internados em UTIs morreram no Estado

Índice registrado neste mês é o mais alto desde o início da pandemia e ainda não há explicação científica para o agravamento

Ao longo de fevereiro, 75% dos pacientes internados em unidades de terapia intensiva (UTIs) do Rio Grande do Sul com coronavírus morreram apesar de terem conseguido o melhor atendimento disponível nos hospitais.

A cifra registrada neste mês é a mais alta desde o começo da pandemia no Estado, por razões que ainda não são claras para a Secretaria Estadual da Saúde (SES) ou para especialistas. Uma das hipóteses, ainda sem comprovação, é de que novas linhagens do vírus estejam intensificando a gravidade da doença ao mesmo tempo em que há o descuido com medidas de prevenção como o distanciamento social.

A taxa de óbitos costumava oscilar ao redor de 50% ao longo da maior parte do ano passado, e chegou a dois terços dos doentes hospitalizados em estado grave em dezembro e janeiro. Agora, deu um salto que surpreendeu e deixa em alerta máximo os técnicos e gestores da SES.

- Hoje, esse número (proporção de óbitos) está aumentando. Sem considerar que muitos contaminados não chegarão a uma UTI porque não teremos mais leitos - afirmou a secretária estadual da Saúde, Arita Bergmann, em reunião com representantes da Federação das Associações de Municípios do Estado (Famurs) na tarde de ontem, em referência ao rápido agravamento da pandemia.

Motivos

A secretária declarou que ainda não estão claras as razões para esse fenômeno:

- A quantidade de pacientes que se recuperam está caindo em dezembro, janeiro e fevereiro. Algo muito estranho, que (ainda) não conseguimos que a ciência nos explique, está acontecendo.

Uma das hipóteses, segundo o epidemiologista e professor da Universidade Federal do Rio Grande do Sul Paulo Petry, é que o cenário esteja sofrendo o impacto de novas linhagens do coronavírus, como a P1 (descoberta em Manaus e associada a um maior grau de contaminação) e a P2, identificada no Rio de Janeiro e predominante hoje no Estado.

- A elevação na mortalidade pode ter relação com aumento da gravidade da infecção, mas ainda é uma hipótese. Temos equipes extremamente qualificadas que estão sob esgotamento físico e mental, mas que não justificaria aumento tão dramático - avalia Petry.

O virologista e professor da Universidade Feevale Fernando Spilki também avalia que variações do vírus podem ajudar a explicar o momento, entre outros fatores, como o descuido com medidas de prevenção distanciamento social e redução na mobilidade.

- Para mim, resta pouca dúvida de que, associado a questões de falta de cuidado de prevenção, temos provavelmente efeito dessas variantes que estão chegando, principalmente a P1. Ainda não detectamos a variante britânica (outra linhagem considerada perigosa), mas a tendência é que tenhamos em breve. Já encontramos em oito Estados no país. Isso projeta um cenário de uma epidemia de grandes proporções - analisa Spilki.

Os dados da SES indicam que uma política baseada na tentativa de ampliação de leitos não conseguirá evitar um alto número de vítimas.

- Precisamos tentar uma estratégia para salvar vidas. Do jeito que estamos indo, está cada dia mais difícil - sustentou Arita, pouco antes de o governador Eduardo Leite confirmar a suspensão do sistema de cogestão que permitia abrandar as restrições previstas no sistema de distanciamento controlado.

MARCELO GONZATTO