quarta-feira, 30 de setembro de 2020


30 DE SETEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Briguei com amigos por causa da política

 Criança, para ser amiga de outra criança, basta morar perto. Um guri bate na porta da casa do outro e propõe: "Vamos brincar?"

E eles vão. Nunca se falaram antes, e brincam e riem e é como se fossem irmãos.

Tenho ainda amigos deste tempo. O Amilton Cavalo, por exemplo, eu o conheci não brincando; brigando. Vinha da aula com minha pastinha debaixo do braço e ele estava ajoelhado no chão, jogando gude com outros guris. Passei meio distraído por eles e, de repente, o Amilton, que eu nem sabia quem era, se levantou de um salto:

"Tu chutou a minha joga!" "Hein?" "Tu chutou a minha joga!"

"Eu não!" "Chutou!" "Não chutei!" "Chutou!" "Não chutei!"

"Seu WolfrembaerKRAPTs@#@!"

"Tu é que é um WolfrembaerKRAPTs@#@!"

E nos pegamos na porrada. Só que o Amilton cometeu um erro: atacou rápido demais e deu chance para o contragolpe. Desviei-me do soco e o gravetei. Apertei-lhe o pescoço com a firmeza de um Maciste. Dali ele não sairia por mais que esperneasse. Então, ele gritou:

"Eu me rendo! Eu me rendo! Me solta!"

Soltei-o, feliz que tinha vencido a briga. E ele, traiçoeiro, BUM!, deu-me uma bomba bem no meio da cara. Antes que voltássemos a rolar pelo chão, chegou a turma do deixa disso e nos separou. Meio a contragosto, acabamos apertando as mãos. Então, nos apresentamos, viramos amigos e amigos somos até hoje.

Ainda mantenho contato com vários dos meus amigos de infância. Tivemos trajetórias diferentes, temos histórias diferentes e, em muitos casos, pensamos de formas diferentes, mas a amizade continua firme e boa.

Em dois casos, porém, tive desentendimentos e me afastei de velhos amigos. A política foi a origem dos atritos, mas não o motivo dos afastamentos. A prova é que um caso ocorreu com um amigo de esquerda, e o outro, com amigos de direita.

Os amigos de direita começaram a espalhar fake news num grupo de WhatsApp a respeito de uma colega jornalista. Pedi-lhes que não fizessem isso e dei os motivos: tratava-se de uma infâmia que atingia a família da minha colega, que é uma profissional correta, uma mãe zelosa e uma pessoa decente. Eles prosseguiram com os ataques. Eu saí do grupo de WhatsApp.

Já o amigo de esquerda fez o que sempre fazem petistas e bolsonaristas quando não concordam com algo que ouvem ou leem: insinuou que eu estava emitindo determinada opinião para agradar à empresa na qual trabalho. Não me importo quando este insulto parte de um leitor ou um ouvinte que nem conheço ou de um conhecido que é militante de partido, mas se isso vem de um amigo de infância, bem, aí há problemas sérios com nossa amizade. Decidi dar um tempo nas interações com meu amigo de esquerda.

Repare: não fiquei chateado com meus amigos por razões políticas. Fiquei chateado por coisas que eles fizeram por razões políticas. Porque não me interessa se meu amigo gosta do Bolsonaro ou do Lula. A mim interessa se ele é uma pessoa leal e se seu afeto é genuíno.

O que estou dizendo é que a tão citada polarização política não é a causa real das dissensões e das amarguras de hoje. A causa real são os valores que as pessoas usam para avaliar o mundo e suas relações com as outras pessoas. O que é mais importante para você? Uma ideia? Um partido? Uma causa? Uma religião? A luta em favor dos desvalidos ou contra os preconceitos? Ou um amigo? Seguirei no tema, mas, por enquanto, digo que conheço muitos canalhas com boas ideias, muitos manipuladores que fazem caridade, muitos dissimulados com consciência social. Nem sempre discursos corretos são feitos por pessoas corretas.

DAVID COIMBRA

30 DE SETEMBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

A PEDALADA DE BOLSONARO

Tão grave quanto a inapropriada alternativa de recorrer a uma nova contabilidade criativa para financiar o programa agora chamado pelo governo de Renda Cidadã, fixação do presidente Jair Bolsonaro, é a constatação cada vez mais nítida de um abandono pelo Planalto da agenda liberal e de responsabilidade fiscal para se abraçar à do populismo, que tanto mal fez ao país nas gestões petistas. Em nome de interesses eleitoreiros, parece não haver mal algum em rifar o futuro com mais irresponsabilidade com as contas públicas, sem que sequer o Brasil tenha se recuperado da crise anterior gerada pelas mesmas motivações.

A saída esdrúxula de tentar dar um calote nos precatórios e desviar verbas do Fundeb, destinadas à educação, para turbinar o programa, com a burla do teto de gastos, é uma excrescência e cheira a truque, como bem retratou o ministro do Tribunal de Contas da União (TCU) Bruno Dantas, em reação imediata à proposta do governo bombardeada por todos os lados. O ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco também interpretou de forma precisa a pedalada que o governo Bolsonaro teve a ousadia de propor com a suspensão do pagamento de precatórios. "Calotear um calote é uma reincidência", definiu.

Com a queda contínua da aprovação ao longo de 2019 e durante os primeiros meses da pandemia, Bolsonaro se deslumbrou com a melhora de sua avaliação graças ao pagamento do auxílio emergencial a quase 70 milhões de brasileiros, que nem sequer foi uma ideia gestada no governo. Agora, quer a qualquer custo - literalmente, parece - manter e aumentar a sua popularidade, obstinado apenas pela reeleição em 2022, enquanto terceiriza responsabilidades e foge de decisões que são difíceis mas necessárias, movido apenas pelo cálculo eleitoral.

O problema é que, apesar de o programa até ter seus méritos, a situação fiscal e orçamentária do país faz com que quase inexista margem para destinar mais recursos para o Bolsa Família vitaminado de Bolsonaro. O Planalto, por outro lado, segue resistindo a cortar gastos. Outras alternativas, como aumentar impostos, redirecionar recursos ou se endividar e imprimir dinheiro, da mesma forma, são péssimas.

A nova barbeiragem aumenta ainda a percepção de falta de rumo do governo, que se especializou em soltar balões de ensaio em seguida esvaziados pela repercussão negativa e, de forma cíclica, acena constantemente com uma nova CPMF, privatizações e reformas que não andam. O benefício da dúvida se esgota também perante os agentes do mercado, como mostram as quedas da bolsa nos últimos dias e as altas do dólar e dos juros longos - estes, um sintoma de desarranjos maiores em um prazo mais longo.

O governo deveria entender que não há mágica e assim se concentrar em temas como uma reforma administrativa de verdade que cortasse os privilégios da elite do funcionalismo atual. Ao mesmo tempo, gerar um clima de distensão no país e de confiança internacional, algo hoje distante pelas constantes crises políticas e a gestão ambiental desastrosa. Seria um primeiro passo para a economia deslanchar e, assim, de forma natural, atrair investimentos, encorajar negócios, criar emprego e renda e elevar a arrecadação. Contabilidade criativa e pedaladas fazem parte do roteiro de um filme de terror a que os brasileiros já assistiram, e uma reprise seria catastrófica. 


30 DE SETEMBRO DE 2020
PERIMETRAL

Pode ou não pode? 

Uma faixa contra o presidente Jair Bolsonaro, pendurada em uma sacada no quarto andar de um prédio, divide vizinhos da Cidade Baixa, em Porto Alegre. A síndica do edifício pediu na segunda-feira que a mensagem seja retirada, mas a moradora do apartamento se nega a cumprir a ordem.

- Falei que não ia tirar. É uma área da minha residência, sempre botei faixas ali. Uma coisa é pendurar roupas, vaso de flor, que podem cair e machucar alguém, mas agora há uma questão política por trás disso - acredita a bancária aposentada Almeri Espíndola de Souza, 70 anos, que há quatro dias fixou a lona branca com a inscrição "Anula eleição 2018. Fora Bolsonaro".

Quem circula na Avenida Aureliano de Figueiredo Pinto, onde fica o prédio, consegue enxergar os dizeres lá de baixo. A síndica solicitou a remoção depois que outro morador reclamou da faixa, recorrendo à convenção do condomínio.

No texto que dita as regras do edifício, a fachada é mencionada como uma das "partes de propriedade comum". Essas áreas, segundo a convenção, "deverão estar sempre livres e desimpedidas, nada podendo ali ser depositado, mesmo que momentaneamente".

- O que está sendo discutido não é o conteúdo, já que todos têm sua liberdade de expressão. Mas há um regramento específico que precisa ser respeitado - diz Alexander Farias, da imobiliária Portal Imóveis, responsável pelo atendimento ao prédio.

Alexander diz que a síndica, que prefere não falar, tem sido agredida nas redes sociais desde que a moradora Almeri decidiu divulgar o caso. Almeri afirma que a convenção do condomínio foi redigida em 1990, quando ela era síndica - hoje, segundo a bancária aposentada, "os artigos não têm a clareza necessária e dão margem para interpretação".

- Eles começam assim. Depois, vêm tirar os nossos livros e todo o resto que já vimos na história. Vou lutar por meu direito de expressão - avisa a moradora.

Segundo a imobiliária, ela poderá ser multada caso insista em manter a faixa.

PAULO GERMANO


30 DE SETEMBRO DE 2020
+ ECONOMIA

Nasce uma gigante nacional da nuvem

 Especializada em produtos de TI para o mercado corporativo e poder público, a gaúcha Teevo se uniu à LGTi Tecnologia, de Ribeirão Preto (SP), para criar a SOU.cloud. A nova operação será 100% focada em tecnologia de nuvem da gigante Microsoft.

Ambas já ofereciam esse serviço, que permite acesso a programas, arquivos e serviços armazenados em sistemas remotos. Juntas, atendem a cerca de 1,2 mil clientes no país, como a rede de varejo Havan e o Aeroporto Internacional de Viracopos, em Campinas (SP). Com a união, a SOU.cloud vai centralizar os serviços antes oferecidos pelas empresas separadamente. A sede fiscal será em Ribeirão Preto.

- Atuamos nesse mercado há tempo. Percebemos que a nuvem cresceu mais nos últimos três anos. No final de 2019, surgiu a ideia de criar uma empresa especializada. Como tínhamos relação próxima com a LGTi, investimos juntas - explicou Fábio Junges, CEO da Teevo.

Negociada antes da pandemia, a SOU.cloud teve parte da construção sob o distanciamento social.

- Usamos só ferramentas digitais, fizemos muitas reuniões online. Somos um bom case (risos), conseguimos abrir uma empresa nova dessa forma.

pontos é o resultado do Índice de Confiança de Serviços da FGV em setembro. Avançou 2,9 pontos, na quinta alta seguida, mas desacelera desde julho, após alta de 11,2 em junho.

ENTREVISTA: CARLOS KAWALL Economista-chefe do ASA Investments

Ex-secretário do Tesouro Nacional e diretor de pesquisa econômica do ASA Investments, Carlos Kawall afirma que o uso de precatórios para financiar o programa Renda Cidadã pode, sim, ser chamado de pedalada, mas também de calote e até sequestro. Avalia que a melhor solução seria a retirada da proposta por parte do governo, mas se isso não ocorrer, haverá dificuldade de aprovação no Congresso e, em caso de surpresa no Parlamento, será brecado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

O financiamento da Renda Cidadã é uma pedalada?

Sim, mas é quase um eufemismo. A pedalada ocorre quando se transfere uma despesa obrigatória para o exercício seguinte. No impeachment de Dilma, virou rótulo para várias irregularidades que redundaram em crime de responsabilidade. Mas agora vai um pouco além. É o descumprimento de uma decisão judicial transitada em julgado.

Faz sentido o governo dizer que segue Estados e municípios, ao limitar o pagamento a 2% da despesa corrente líquida?

De jeito nenhum. Nos Estados, virou uma dívida que nunca é paga. Em 2009, foi aprovada a emenda constitucional 62, dando prazo a Estados e municípios. Como se estendeu demais, o STF considerou essa emenda inconstitucional em 2013, por ferir cláusulas pétreas, incluindo o descumprimento de decisões de outro poder. Nas notas que encontramos da decisão do STF, os ministros acharam adequado chamar a 62 de "emenda do calote". Então, quem diz que é calote está bem acompanhado no lado jurídico.

Há outra solução?

Como o líder do governo disse que não é calote, porque um dia vai devolver, pode-se comparar ao sequestro da poupança no governo Collor. É um sequestro do precatório. Grande parte dos precatórios vem do INSS, de aposentados, pensionistas. Em vez de buscar o ajuste por meio da redução real da despesa, o governo investe contra um grupo difuso de cidadãos. Deveria enfrentar o corporativismo aprovando a PEC Emergencial ou a do Pacto Federativo, que permitem redução de jornada dos funcionários públicos. A reforma administrativa para os atuais servidores tem bastante apoio no Congresso. Deveria eliminar as férias de dois meses do Poder Judiciário, evitar que servidores ganhem acima do teto com penduricalhos, aumentos de salários retroativos.

Há sustentação legal?

Aparentemente carece de base jurídica. A comparação com os Estados é completamente inadequada. O governo federal quer adotar como paradigma entes da federação em situação falimentar. A Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF), que ainda está vigente, reza que quando se cria um programa ou gasto permanente, é preciso ter redução permanente de gasto e/ou aumento permanente de impostos. Essa medida tenta burlar o teto de gastos, não cumpre o que a LRF exige. Como essa redução de gastos não vai ocorrer lá na frente, configura calote puro e simples.

O Renda Cidadã é problema?

É meritório criar um programa de renda básica que de fato chegue aos mais pobres. Mas como foi concebida, a medida é indefensável. Do ponto de vista de responsabilidade fiscal, abre um precedente extremamente perigoso. Equivale a reconhecer dívida e dizer que não vai pagar. É quase inacreditável que alguém leve esse tipo de argumento para debate. Causa indignação. Se enviar ao Congresso, enfrentará resistência. Se o Congresso aprovar, vai ser derrubada no Supremo. Denota viés marcadamente populista do governo, que parece ter gostado do aumento de popularidade gerado pelo gasto emergencial.

MARTA SFREDO

30 DE SETEMBRO DE 2020
CHAMOU ATENÇÃO

Check-in para comprar 

Distante dos áureos tempos, o Hotel Everest viveu ontem um dos seus últimos capítulos na Rua Duque de Caxias, na área central de Porto Alegre. Se no passado o local fervilhava de hóspedes instalados em seus aposentos, ontem o motivo do movimento foi a venda do mobiliário e de objetos, depois do fechamento do hotel. Foram 56 anos em atividade, encerrados durante a pandemia.

Ao menos oito caminhões com os baús abertos estavam estacionados em frente ao prédio, com trabalhadores acomodando as compras nos veí- culos. No saguão, um grande número de pessoas carregava objetos recém adquiridos - mobílias, colchões, bancadas, televisores, talheres, equipamentos de frigobar, cadeiras e copos, entre outros.

A família responsável pelo hotel contratou uma empresa para organizar a venda. O profissional encarregado, Júlio Lovato, destacou que a negociação está ocorrendo em etapas. Primeiro, familiares e funcionários adquiriram itens. Ontem, foi a vez de abrir para pessoas jurídicas. Hoje, a venda será para o público em geral, com expectativa de grande quantidade e até preocupação por causa disso.

- Se hoje (ontem), com um público bem restrito, já tivemos fila e grande procura, nesta quarta-feira (hoje) o movimento será bem maior. Mas estamos respeitando todos os cuidados aqui dentro em relação ao distanciamento - destacou Lovato.

Ontem, a liberação de novas entradas no prédio só era permitida quando um cliente saísse. Hoje, a abertura para a entrada de clientes está prevista para começar às 9h. O número de itens à venda não foi informado pelos organizadores.

EDUARDO PAGANELLA

30 DE SETEMBRO DE 2020
MÁRIO CORSO

Vacina bagualona 

Nossos meios de comunicação, surpreendentemente, dedicam páginas às vacinas russa, chinesa, de Oxford, e se calam frente às pesquisas locais. Não há uma linha sobre a joint venture "Los Guascas", que junta pesquisadores da fronteira na busca da vacina contra o coronavírus. Para sanar isso, Zero Hora entrevista o Dr. Rodrigo Cambará, que chefia a missão.

Rodrigo, como andam os testes?

Difícil foram os voluntários. Os xirus daqui não pegam qualquer bicheira. Por isso, testamos em gente de cidade grande, guri de apartamento, catarina, paulista, enfim, gente que nem sabe o que é pão com banha. Soubemos que os testes foram suspensos.

Retomados. Não tem cachorro na cancha. O problema foi no grupo de controle, não na vacina verdadeira. Os queras tratados com água da sanga de Santo Izidro ficaram com uma vontade de comer lambari frito. Então, há um protocolo científico rigoroso?

Sim, com uso de experimento duplo cego, triplo cego, grupo de controle, grupo de descontrole, enfim, tudo o que é do último grito em serigote chapeado científico nós usamos.

Os insumos são nacionais ou dependemos de importações?

Infelizmente ainda há a dependência momentânea do chimichurri argentino. O deles fornece uma resposta imunológica mais duradoura. O desafio teórico do momento tem sido?

O da contribuição da cachaça com butiá no processo. Não sabemos se o benefício é do efeito cardiotônico da pinga ou dos antioxidantes do coquinho. Estamos trabalhado nisso.

Existe uma reclamação de falta de transparência nos estudos.

Mas é proposital! Se eu te disser que estamos usando leite de égua tobiana passarinheira, amanhã tá mais caro no mercado.

E enquanto a vacina não chega?

Usa a máscara e não compartilhe a bomba. Vai de chimarrão uruguaio. Olha como está melhor lá. E acrescenta um chá de carqueja com guaco.

Mas, Dr. Rodrigo, não há evidência científica do uso desse chá.

Da cloroquina e da ivermectina também não. O chá é mais barato, sem efeito colateral e traz exatamente o mesmo nenhum efeito sobre o vírus. Então estamos no lucro.

Não tem sido fácil o...

Fácil é peidar na bombacha, o resto custa esforço. Escuta o que eu te digo: estamos, os médicos, os enfermeiros, toda a tropa dos hospitais, trabalhando feito mulas para salvar os contaminados. Sem problema, é nosso entrevero de ofício. Mas se esforçar porque uns chambão não usam máscara por capricho, esses lasqueados não têm mãe idosa em casa? Não sabem que esse vírus esgualepa por dentro o vivente. Dá vontade de usar um gato morto como rebenque na cabeça desses taipas, até fazer o bichano miar.

MÁRIO CORSO

terça-feira, 29 de setembro de 2020


29 DE SETEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Surgiu uma rivalidade 

O eixo do debate desta segunda foi o confronto entre Marchezan e uma dobradinha formada por Fortunati e Fernanda Melchionna. Ali houve uma discussão consistente e uma troca amarga de acusações. Foram eles que protagonizaram os momentos mais tensos do programa.

Marchezan e Fortunati levam certa vantagem sobre os demais candidatos porque um é e o outro foi prefeito. Ou seja: eles têm intimidade com a administração, com processos burocráticos, com números e com problemas localizados da cidade. O debate, quando ocorre entre eles, se torna mais sólido e menos subjetivo.

Essa condição, mais a rivalidade que partilham, deve fazer com que eles polarizem a campanha. O que não significa, necessariamente, voto. Não foram poucas as eleições em que dois estão brigando e um terceiro corre por fora, pela suavidade da sombra, e vence. No Rio Grande do Sul, isso é até tradição. Germano Rigotto, Yeda, Sartori e até o atual governador, Eduardo Leite, se beneficiaram dessa aparente falta de exposição.

Faz sentido: se você não é visto, não é criticado. Se você não é criticado, seus defeitos demoram mais a aparecer.

RS fez história nesta segunda

 Em algum lugar do mundo, em alguma eleição, algum dia já foi realizado um debate em formato drive-in, com os candidatos dentro de seus carros?

Duvido. Eu, pelo menos, nunca ouvi falar de algo sequer parecido.

O debate desta segunda-feira entre os candidatos a prefeito de Porto Alegre, transmitido pela Rádio Gaúcha e por GZH, portanto, foi histórico. Se você é gaúcho, pode se orgulhar dessa façanha que certamente servirá de modelo a toda terra.

Mas o melhor é que a forma não prejudicou em nada o conteúdo. O debate foi ótimo, apesar de ser pulverizado entre 13 concorrentes. Eu, pessoalmente, consegui fazer um desbaste de candidaturas. Eliminei uns quantos já no meio do segundo bloco.

Se estivessem todos amontoados no estúdio, talvez não fosse tão bom. Compreensível: quando eles estão frente a frente acabam se interrompendo, falando fora de hora, atrapalhando o raciocínio do outro. O debate presencial fica sujo pela emoção do confronto visual.

Todos os debates poderiam ser assim, cada um no seu compartimento, mesmo quando terminar a pandemia. Seria mais civilizado.

Ou o contrário. Se você gosta de selvageria, vamos juntar todos numa sala e deixá-los lá sem mediação, sem juiz e sem regras. Ninguém é de ninguém. Todo mundo é de todo mundo.

Ou, talvez, façamos uma espécie de Big Brother eleitoral, eles presos numa casa durante dois meses, e o eleitor acompanhando pela TV, enquanto come pipoca no sofá.

Que alianças seriam formadas?

Quem iria para o paredão?

Que casais se homiziariam debaixo do edredom?

Seria a melhor eleição de todos os tempos.

DAVID COIMBRA

29 DE SETEMBRO DE 2020
NILSON SOUZA

Fratelli tutti? 

Leio que o papa Francisco lançará sua terceira encíclica no próximo dia 3 de outubro, data em que também celebrará uma missa nas proximidades do túmulo de São Francisco, em Assis. Inspirado no santo do desapego e do amor à natureza, de quem adotou o nome quando foi escolhido para liderar a Igreja Católica, o pontífice argentino aproveitou o isolamento da pandemia para escrever sobre o que chama de "globalização da solidariedade" - na sua visão, o rumo necessário para a superação da crise por que passa a humanidade.

- Quantas divisões tem o Papa? - perguntarão incrédulos e céticos como este escriba, repetindo o histórico e debochado questionamento de Stalin.

Não há dúvida de que a análise papal é coerente e bem-intencionada: em princípio, o vírus fulminante está mostrando que somos todos iguais, independentemente de nacionalidade, raça, crença religiosa e posição política, ainda que, lamentavelmente para os grisalhos, pareça ter predileção por determinada faixa etária. Também acho que estamos todos no mesmo barco, como argumenta o Papa. Mas daí a crer que remaremos juntos para um porto seguro, e que sairemos "todos irmãos" desta aventura dolorosa, me parece, com todo o respeito à Sua Santidade, uma santa ingenuidade.

- Ele não é ingênuo, é idealista - me socorre o amigo Armindo Trevisan, com sua erudita paciência. Conhecedor profundo das coisas da Igreja, ele me esclarece que Francisco é um evangelizador e que usa a palavra como arma de persuasão em massa. Porém, pressionado pela minha desconfiança, o poeta reconhece que o mundo já passou por crises semelhantes ou até piores, como guerras, escravidões e holocaustos, sem que se notasse uma evolução coletiva do ser humano. Ainda assim, meu conselheiro faz questão de dizer que crê no poder da oração.

Oremos, então, para que pelo menos uma parcela da tribo humana saia mais consciente e solidária deste momento aflitivo que estamos vivendo.

Duvido da nossa espécie, mas também torço pelo vaticínio do hermano célebre. Uma vez perguntaram para Caetano Veloso se ele acreditava em Deus. Ele respondeu com ironia e inteligência:

- O Gil acredita em Deus. E eu acredito no Gil.

Pois eu também acredito no Armindo Trevisan.

O município de Restinga Seca, na região central do Estado, perdeu um morador de estimação na madrugada de ontem. O cão Bidu morreu aos 13 anos por problemas cardíacos e também pela idade.

Bidu ficou conhecido por ajudar na oficina de seu dono, o mecânico Ernesto Schwert, buscando ferramentas e fazendo outras tarefas. Por causa dessas habilidades, passou a ser chamado nas redondezas de "cão mecânico". Depois, o prendado animal ganhou a companhia de Diana, sua irmã, e Fritzz, seu filho.

O trio de parceiros de Ernesto foi tema de diferentes reportagens, tanto em programas de televisão quanto em veículos de imprensa, a exemplo de GZH - e até mesmo fora do Brasil.

Os cães habilidosos inclusive atraem visitantes para a oficina de seu dono. Envolvido com a comunidade, ele aproveita para deixar uma caixinha para gorjetas, que todos os anos são destinadas à Associação de Pais e Amigos dos Excepcionais (Apae) de Restinga Seca.

No perfil de Ernesto em uma rede social, há diversas manifestações de carinho e de luto pela morte do cão, que é uma mistura de rottweiler com golden retriever. Ontem, o mecânico faria uma cerimônia para a família se despedir do amigo de mais de uma década. Depois, o cão seria sepultado no jardim da residência onde morava.

Em reportagem de GZH publicada em janeiro de 2019, Ernesto explicou como desenvolveu um técnica para estabelecer conexão massageando o umbigo dos cachorros. Foi assim que se deu a sua aproximação com Bidu:

- É o primeiro passo de uma grande conquista. Aí, pode começar a pedir tarefas que ele faz por você. É emocionante.

NÍLSON SOUZA


29 DE SETEMBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

À ESPERA DE MELHOR CONTEÚDO 

Mesmo em tempos normais seria trabalhoso realizar um debate produtivo entre 13 candidatos, pelos desafios técnicos e de roteiro, entregando aos eleitores a possibilidade de melhor conhecer as ideias e propostas daqueles que tentam conquistar seus votos. Mas o formato inédito e inovador do encontro organizado pela Rádio Gaúcha entre os postulantes à prefeitura de Porto Alegre, ontem pela manhã, no estacionamento do Grupo RBS, certamente entrou para a história do jornalismo por ser o primeiro conhecido em modelo de drive-in, com cada concorrente dentro de um veículo, sem contato com os demais, uma forma de proporcionar a esgrima de argumentos e projetos sem riscos sanitários. Apesar da complexidade tecnológica e operacional, o evento funcionou à perfeição. Infelizmente, o mesmo não se pode atestar em relação ao conteúdo emanado pelos candidatos.

A largada na corrida à prefeitura da Capital mostrou que, de uma forma geral, as candidaturas ainda trazem poucas novidades e menos ainda propostas que poderiam ser consideradas consistentes para um projeto com visão de futuro para Porto Alegre. É inegável que, com 13 candidatos, não seria fácil extrair planos detalhados e sólidos, mas mesmo no pouco tempo disponível o que se viu pareceu a reprise de filmes do passado, com clichês, provocações, acusações e escassez de projetos capazes de gerar uma confiança que produza otimismo em um momento em que a população atravessa um período crítico causado pela pandemia, com consequências sociais, econômicas e educacionais sem precedente na historia recente.

Apesar da grande importância do tema, as formas de se lidar com os reflexos da crise do novo coronavírus na cidade foram apenas tangenciadas. Ao mesmo tempo, boa parte das perguntas ficou sem resposta porque muitos dos postulantes ao Paço Municipal preferiram recitar as suas pregações particulares, em vez de se ater ao que foi questionado. Viu-se também o velho vício de muito diagnóstico e poucas propostas palpáveis e, principalmente, exequíveis diante da dura realidade financeira de Porto Alegre e do país.

Embora ontem o conteúdo não estivesse à altura da engenhosidade e inventividade da Rádio Gaúcha para pôr o debate de pé sem riscos a candidatos e assessores, deve-se considerar também que foi o primeiro encontro coletivo da campanha, que se iniciou no domingo. Em benefício do esclarecimento do eleitor, que até novembro estará em busca da melhor opção, é de se esperar que as candidaturas evoluam na substância dos temas de interesse da sociedade e deixem discursos mofados e agressões de lado para se focar naquilo que realmente interessa: o que cada um pretende fazer para gerar, de fato, sem fantasias, mais saúde, educação, segurança, renda e, principalmente, um futuro animador pós-pandemia para Porto Alegre. Sem esquecer de explicar de forma convincente como será possível chegar lá.

 


 29 DE SETEMBRO DE 2020

INFORME ESPECIAL
Corações vigilantes

A Sociedade de Cardiologia do RS aproveitou o Dia Mundial do Coração - comemorado hoje - para investigar como anda a saúde cardíaca dos gaúchos. Depois de ouvir moradores da Capital, da Região Metropolitana e de cidades no Norte do RS com idades entre 18 e 49 anos, os resultados chamam atenção para a queda do interesse pelo cigarro e para a inclinação ao consumo de alimentos saudáveis, à prática de exercícios físicos e a outros hábitos que ajudam a diminuir o risco de doenças.

- Um dos melhores aspectos está relacionado ao cigarro, já que 77% dos entrevistados nunca fumaram. É ainda mais positivo por sabermos que Porto Alegre constuma estar entre as capitais com mais fumantes no país - afirma o cardiologista Carlos Ferreira, diretor da Sociedade de Cardiologia do RS.

O estudo foi feito em setembro com 300 pessoas. A maioria dos participantes (47,7%) são jovens adultos entre 18 e 25 anos de idade, seguida pela população que tem entre 34 e 41 anos (20,3%).

- Surpreende termos pessoas jovens buscando melhorar a qualidade de vida e seus hábitos precocemente. Acreditávamos ser raro encontrar essa população tão preocupada com temas como o colesterol e a pressão alta - complementa Ferreira.

Nos resultados abaixo, em alguns itens a soma não chega a 100% porque apenas as respostas mais citadas foram incluídas.

O debate drive-in funcionou 

Para o ouvinte da Rádio Gaúcha, parecia que o mediador e os candidatos estavam em um estúdio. A qualidade do som e o primor técnico da transmissão fizeram esquecer que os candidatos estavam em um estacionamento, cada um em um carro. Garanto, não é fácil. Não basta ter equipamentos e tecnologia, é preciso saber usá-los.

Para o eleitor, foi possível ter contato, pela primeira vez, com as estratégias e os jeitos de cada um no ambiente da campanha. O grande número de vozes diluiu o foco, é verdade. Mas o tom geral dos discursos e os temas centrais estão postos à mesa: pandemia, transporte público, abastecimento, empreendedorismo e contas públicas. A mediação de Daniel Scola encontrou o tom certo, leve, sério, descritivo quando necessário, dando ao ouvinte o ambiental de um debate inédito, feito de dentro de carros estacionados lado a lado.

É só o começo. E foi um baita começo.

TULIO MILMAN

segunda-feira, 28 de setembro de 2020


28 DE SETEMBRO DE 2020
DAVID COIMBRA

Médicos que conhecem o mal, não a cura 

Sei exatamente o que faltou ao Grêmio no jogo de sábado à noite. Sei o que o time teve no Gre-Nal e não teve contra o Atlético Mineiro. Foi o seguinte:

Eu. Eu não escrevi nenhuma crônica criticando o Grêmio e, assim, os jogadores ficaram sem o que ler no vestiário, seus brios não foram titilados, eles não encontraram motivação suficiente para a partida e foram derrotados miseravelmente. Foi 3 a 1, poderia ter sido mais.

É verdade que Paulo Victor falhou em dois dos três gols, é verdade que Matheus Henrique atravessa uma crise técnica pantanosa, que o faz useira e vezeiramente perder a bola na intermediária e patrocinar o contragolpe do adversário, é verdade que Lucas Silva não atingiu o mesmo nível de concentração do clássico, tudo isso é verdade, mas a falência do time foi mais de comportamento coletivo do que das individualidades. O Grêmio, de novo, não incomodou o adversário, deixou o Atlético jogar. No Gre-Nal, o time marcou no campo de ataque, impediu o Inter até de respirar e se assenhorou da partida. Em Minas, o time foi de novo molenga e sem coordenação, todo desconjuntado, como tem sido na maior parte do ano.

Do jeito que o Grêmio está, só mesmo com superação, com dose extra de vontade. Terei de providenciar outras crônicas.

Quanto será que devo cobrar pelo meu trabalho de coach?

Assisti ao jogo do Inter da minha casa, e o Potter, da casa dele. Aos 18 minutos do primeiro tempo, Moisés recebeu a bola livre pelo lado esquerdo e entrou na área com autoridade de conquistador, como se fosse Maomé II devassando as muralhas de Constantinopla. Alguma coisa importante ia acontecer. Aí ele se atrapalhou com as próprias pernas, a bola bateu no pé que não deveria bater e escorreu melancolicamente pela linha de fundo. Fiquei imaginando a cara do Potter ao ver aquele lance, já que ele é um analista severo das atribuições que cabem aos laterais-esquerdos.

Mandei uma mensagem para ele perguntando se havia quebrado algo em casa e, assim que terminei de enviá-la, Moisés recebeu a bola de novo na mesma posição, só que enquadrou o corpo com graça, como se fosse uma Gisele, e cruzou na testa de Thiago Galhardo: gol.

Mandei outra mensagem ao Potter, dizendo que Moisés se redimira, e não é que, enquanto conversávamos, ele não tomou a bola outra vez e mandou um chute torto em direção à avenida, o que me fez temer pela integridade física de um dos velhinhos do Asilo Padre Cacique? O Potter comentou:

"Pronto, ele já voltou ao normal".

Depois do jogo, Coudet deu entrevista comentando não especificamente a respeito de Moisés, mas a propósito da qualidade do grupo do Inter em geral. Segundo ele, não há recursos suficientes para jogar o Campeonato Brasileiro e a Libertadores ao mesmo tempo.

Duas horas depois, a 1.725 quilômetros de distância, Renato fez um comentário parecido, para justificar a derrota do Grêmio: "É o preço de se jogar duas competições".

Quer dizer: ambos os treinadores identificam o problema. Nenhum dos dois apresenta soluções. É como o médico que diagnostica o mal, mas não sabe ministrar a cura. O doente não tem esperança de salvação, mas sabe do que está morrendo. Não sei se é uma compensação.

DAVID COIMBRA

28 DE SETEMBRO DE 2020
OPINIÃO DA RBS

UM DIA PARA O JORNALISMO 

O fato de mais de 150 redações de todo o mundo, entre as quais GZH e Zero Hora, se juntarem neste 28 de setembro para demarcar o Dia Mundial do Jornalismo (do inglês World News Day) não é razão para comemorações festivas. Sempre que se cria uma data do gênero, é porque, de alguma forma, a sociedade se vê convidada a prestar atenção a um tema relevante e de interesse coletivo.

É o caso de hoje. Talvez nunca antes na história, o jornalismo esteve sob tal grau de ataque. Em muitos países, jornalistas e veículos são silenciados pela força da violência, da censura e das prisões, como ocorre rotineiramente no México, em Cuba, na China, na Turquia e na Venezuela, entre tantos outros. A esse modo clássico de impedir que as notícias e opiniões circulem, bloqueando o direito da população de se informar e formar seus próprios julgamentos, somam-se duas novas ameaças.

Numa delas, procura-se neutralizar o mensageiro por meio de sórdidos e anônimos movimentos de difamação a partir das redes sociais. Em grande medida, o objetivo dos fabricantes de desinformação é desmerecer notícias, denúncias e investigações que, de alguma forma, possam prejudicar seus objetivos políticos. Ao tentar abalar a credibilidade dos meios e dos jornalistas - o maior patrimônio de um veículo -, abre-se um campo fértil para a plantação de mentiras ou distorções com vistas a capturar a opinião pública. 

Na outra ameaça, o progressivo enfraquecimento ou desaparecimento de meios independentes, ou seja aqueles sustentados por assinantes ou receitas publicitárias, vem ampliando os chamados "desertos de notícias", vastas regiões do mundo, no Brasil inclusive, onde já não há mais jornalismo profissional. Nestas terras de ninguém, florescem as fake news e pseudojornalistas cujo objetivo central é defender objetivos partidários, quando não usar a artilharia digital para extrair vantagens indevidas.

É por isso que, muito mais do que os jornalistas, devem as sociedades registrar no calendário o World News Day. Uma sociedade sem jornalismo é presa fácil da desinformação e daqueles que fazem da improbidade sua profissão de fé. No sentido oposto, como demonstram as reportagens e notícias compartilhadas hoje pelos mais de 150 veículos, um jornalismo sério e responsável pode ter enorme efeito positivo multiplicador. Quando feito com idealismo e independência, o jornalismo se converte não apenas em narrador cotidiano da história mas também em um certificador da realidade.

Neste papel, o jornalismo, lastreado em técnica e fontes confiáveis, verifica declarações e supostos fatos que circulam por meios digitais e estabelece onde está a verdade. Nem sempre esta será uma atividade compreendida ou amada por todos, especialmente por aqueles contrariados pela exposição dos fatos. Mas em um novo mundo no qual quaisquer governos, partidos, organizações ou indivíduos, com boas ou más intenções, podem criar conteúdos e espalhá-los ao quatro cantos da Terra, o jornalismo que apura e confere o que outros fazem, falam ou divulgam torna-se um bem mais essencial do que nunca. É essa atividade, assentada em todo o mundo por valores e códigos de ética comuns, que está sendo justamente lembrada hoje - com liberdade, fatos e notícias verdadeiras, como deve ser.

OPINIÃO DA RBS

28 DE SETEMBRO DE 2020
CLÁUDIA LAITANO

Metamorfose ambulante 

Copiadas com hidrocor e coladas com durex na parede do meu quarto, entre cartazes e recortes de revistas, duas frases anunciavam minhas afinidades eletivas a eventuais visitantes e invasores - mais ou menos como posts em um Instagram de concreto, com as vantagens e desvantagens do alcance restrito. Uma delas era de Caetano Veloso: "De perto ninguém é normal" (Vaca Profana, 1984). A outra era de Raul Seixas: "Eu prefiro ser essa metamorfose ambulante do que ter aquela velha opinião formada sobre tudo" (Metamorfose Ambulante, 1973).

A durex perdeu a cola, eu cresci, saí de casa e, puff!, quase 40 anos se passaram. Em melhor forma do que boa parte das minhas paixões de adolescência, aqueles dois versos conseguiram resistir bem ao teste do tempo. A constatação singela de que "de perto ninguém é normal" me ocorre cada vez com mais frequência agora que a noção de "perto" ganhou novas dimensões. (Hoje estamos todos lendo as frases escritas nas paredes dos quartos uns dos outros - o que pode ser motivo de satisfação, mas também de raiva, decepção e susto.)

O grande desafio, para alguém da minha idade, talvez seja continuar acreditando em Raul Seixas. Aos 15, "dizer agora o oposto do que eu disse antes" sugere um pensamento ganhando músculos. Depois dos 50, pode ser sinal tanto de inquietação quanto de inconsistência intelectual. Raul Seixas não chegou lá ("Se hoje eu sou estrela amanhã já se apagou"). Caetano, ainda bem, envelheceu e continua testando as dores e delícias das metamorfoses. Experimentou estilos, errou, acertou, deu opinião, voltou atrás, avançou. Tudo isso em praça pública, sem se poupar e sem perder a relevância como artista (sua live do dia 7 de agosto bateu recorde de audiência no formato).

Em uma entrevista recente ao jornalista Pedro Bial, Caetano contou que um autor o fez mudar de ideia sobre um determinado assunto. Você pode concordar ou não com suas opiniões, mas isso não tem tanta importância. O que é espetacular - e ainda comove aquela menina que recortava frases para fazer girar o mundo mais rápido dentro do seu quarto - é ver alguém, aos 78 anos, admitir que mudou de ideia depois de ler um livro. Um livro.

Pra fora e acima da manada, Caetano Veloso continua em movimento.

CLÁUDIA LAITANO


28 DE SETEMBRO DE 2020
CHAMOU ATENÇÃO

O menino escritor de NH 

Era para ser um jogo de RPG, mas a história do menino que constrói uma casa na árvore e vive uma grande aventura, escrita pelo estudante do terceiro ano do Ensino Fundamental Samuel Erhart Robinson, de Novo Hamburgo, nove anos, acabou ganhando 99 páginas e 500 exemplares, publicados com a ajuda de uma vaquinha virtual. Escrita entre março e junho, como uma atividade para encarar a pandemia de coronavírus, a obra também foi publicada na plataforma de leitura digital Árvore.

O Menino e a Casa na Árvore: entre Sonhos e Pesadelos é o primeiro de uma trilogia e conta a história de Gabriel, que depois de construir uma casa na árvore com a ajuda do irmão mais velho e de três amigos, encontra um misterioso botão dentro da construção que o leva a novas e emocionantes experiências.

- Gabriel é inspirado em mim, porque sempre quis ter uma casa na árvore - revela o pequeno escritor.

Três bibliotecas de Novo Hamburgo ganharam a obra. Outros 180 livros já foram vendidos e há exemplares em livrarias da cidade. A família está comercializando a R$ 20 cada exemplar pelo Instagram @mucarobin.

Incentivadores da criatividade de Samuel, a mãe, Michele Erhart Robinson, e o pai, Guilherme Robinson, ambos com 34 anos, afirmam que o filho tem liberdade para seguir ou não escrevendo.

Animado com a possibilidade de explorar ainda mais as aventuras de Gabriel, o pequeno escritor garante ter ideias para a segunda obra:

- Já tenho o começo do segundo, que pretendo terminar ainda neste ano, e o final do terceiro. Imagina quantos livros eu vou ter escrito até o final da faculdade?

ALINE.CUSTÓDIO

sábado, 26 de setembro de 2020


26 DE SETEMBRO DE 2020
LYA LUFT

Conviver, o aprendizado

Um dos problemas de conviver, em casa, no trabalho, em qualquer lugar, é a nossa impaciência com o outro.

Porque conosco mesmos em geral somos bem condescendentes: estou cansado, sobrecarregado, o patrão é um tirano, a mulher é uma chata, os filhos uns demônios, meu pai bebia, minha mãe me batia, não tenho sorte na vida... por isso tenho tolerância comigo mesmo.

Acontece que, nestes tempos confusos e às vezes assustadores, o convívio fica quase obrigatório, pois existe uma pandemia, existe uma doença que em alguns casos fica muito grave, existe a necessidade de ficar em casa junto com pessoas que, antes não sabíamos, amávamos muito ou detestávamos.

A habitual correria do cotidiano da maior parte das pessoas, a urgência do tempo, o medo do desemprego, a necessidade de competir e ser eficiente, nossa própria falta de algo que chamo de "filosofia ou sabedoria de vida" (porque não nos permitimos o tempo da reflexão), nos levam a usar a casa não como lar, refúgio, lugar de afetos e parceria, mas lugar de comer, tomar banho, dormir, brincar com o cachorro, passar a mão na cabeça dos filhos, e dar aquele beijo distraído na mulher. Atualmente, eu diria também "no marido", porque mulheres trabalham, correm e competem, se exaurem.

Hoje temos licença de também chegar em casa com pressa, notebook na pasta, horários, compromissos, e o resto que até alguns anos atrás atormentava os homens. Porque a entrada da mulher no universo antes dito masculino trouxe consigo, além de todas as coisas positivas, como dinheiro próprio, autoestima, convívio social e de trabalho, realizações, também essa sobrecarga que muitas vezes não permite refletir, contemplar, curtir o tempo de não fazer nada além de estar com a família, as amigas, os velhos pais, ou consigo mesma - o que é essencial.

Nestes dias meio insanos, com notícias pesadas de todos os lados, e campanhas pró e contra cuidados com o vírus, além de tudo, ficamos confusos, muita contradição, muita ciência boa ou nem tanto, opiniões e sentenças sem tempo para sérios estudos científicos, que em geral levam tempo, ah, o tempo.

Estou há seis meses em casa, desço de vez em quando para a garagem, de máscara, entro no meu carro e vou para nossa casinha de Gramado, onde também fico quieta. Sinto uma enorme falta de conviver com família, netas, netos, amigas, a vidinha simples, e normalzinha, de antes. Mas me cuido porque sei que, além de ser preciso mesmo, sou de alto risco, 82 anos e enfartada. É ruim, é meio sem luz no túnel tão cedo, mas cumpro. Porque gosto de viver, em resumo. E não entro no elevador sem máscara porque também respeito os outros. De vez em quando a gente esquece, ah, a minha máscara. Por sorte, sempre tenho uma na bolsa.

Escrevo esta matéria já repetida porque em tudo há um lado positivo, ou em quase tudo. Nesse convívio forçado, talvez a gente descubra que, afinal, como algumas pessoas têm me dito, o parceiro até que é interessante, a mulher é divertida, os filhos companheiros, e a casa, por mais simples que seja, é o nosso lugar no mundo.

Quem sabe, de uma obrigação penosa, conviver se torne uma arte, ou, melhor ainda, um prazeroso aprendizado.

LYA LUFT

26 DE SETEMBRO DE 2020
MARTHA MEDEIROS

O dilema das redes 

Não sou das mais obcecadas por redes sociais. Se, ao sair de casa, percebo que esqueci o celular, não volto, nem sofro. Aceito apenas amigos no meu perfil no Facebook. Não deixei de ler livros. Não levo o celular para a aula de pilates nem jamais o deixo em cima da mesa de um restaurante. Quase não compartilho o que vejo no perfil dos outros, e quando o faço é algo relacionado à cultura - raramente passo adiante comentários sobre política. Ainda assim, o diagnóstico universal serve pra mim também: fiquei viciada, como qualquer outro usuário. Consulto os meus perfis com frequência para contar quantas curtidas, quem curtiu, o que comentou, essa egotrip vergonhosa que nos estimula e limita ao mesmo tempo. Doping, sem dúvida.

É disso que trata o documentário The Social Dilemma, da Netflix, que mistura um pouco de dramaturgia com impressionantes depoimentos de ex-diretores de Google, Facebook, Twitter, Instagram e demais empresas que lidam com inteligência artificial. Enquanto assistia, me dei conta de que meu coração disparava, parecia que estava diante de um filme de terror.

Quando a gente era criança, nossas mães nos proibiam de aceitar balas de estranhos: vá que dentro houvesse alguma substância tóxica. Dessa maneira, evitavam que nos tornássemos vítimas de traficantes imaginários. Mas foi questão de tempo até que outro tipo de intoxicação nos contaminasse. Somos a última geração a vivenciar a era analógica antes de entrar na era digital. As crianças de hoje não tiveram a mesma sorte, se lambuzam com tecnologia desde cedo, e quem vai tirar o doce da mão delas? Tente.

Não desgrudamos das redes por medo de perder alguma coisa, seja um convite, uma cantada, uma fofoca, um elogio, como se não pudéssemos ser alcançados de outra forma e dependêssemos de gigas para existir. O problema é que a perda já se deu - não dentro das redes, mas fora. Conversas presenciais, observação do entorno, contato visual com outras pessoas, ouvido atento para os ruídos externos, tempo para leitura e introspeção, capacidade de chegar a conclusões por raciocínio lógico, e não por indução. Perdemos a paz. Somos fisgados e manipulados de manhã, à tarde e à noite, freneticamente. Vídeos, fotos, memes, propaganda, todas essas postagens "casuais" são programadas para atender a corporações que comandam o mundo através de nossas clicadas. Não sou eu que estou dizendo. São os especialistas que criaram o bicho e desistiram dele ao ver que o monstro estava fora de controle.

Alarmismo ou não, assista ao documentário, você não ficará tão aterrorizado a ponto de jogar seu celular no lixo depois dos créditos finais. Mas já será uma grande coisa se aprender a diminuir a ansiedade e mostrar quem é que manda.

MARTHA MEDEIROS

26 DE SETEMBRO DE 2020
CLAUDIA TAJES

Aos olhos de Ana 

A cineasta Ana Luíza Azevedo passou longos anos desenvolvendo o projeto do filme Aos Olhos de Ernesto - que fala, em sua essência, sobre envelhecer. "É um assunto que me encanta pelos desafios, pelas escolhas difíceis, pelas limitações impostas e pela possibilidade de, mesmo com tudo isso, viver."

O filme conta a história de Ernesto, um velho uruguaio solitário, fotógrafo que quase não enxerga mais. O que tira dele as imagens, os livros e a correspondência que troca com um ex-amor que permaneceu no Uruguai. "Eu tenho uma relação com a velhice muito positiva", diz Ana. "Meu pai está com 94 anos, minha mãe com 89, e eles são pessoas que seguem fazendo projetos de vida. Independentemente das tuas limitações, tu precisas ter projetos. É muito triste deixar de ter vontade. E, às vezes, não precisa chegar na velhice para desistir da vida."

A essas questões, dramaticamente muito ricas, Ana juntou a ideia de um estrangeiro vivendo longe de sua terra. "O psicanalista Contardo Calligaris, italiano, disse que, uma vez estrangeiro, sempre estrangeiro. Mesmo que tu adotes outro país, ele não é o teu. E, se tu voltas para o teu país, também não pertences mais àquele lugar. Então esse é um sentimento que eu quis trabalhar no meu personagem, um uruguaio que está aqui, tão perto, como tantos outros uruguaios e argentinos que vieram para o Brasil em decorrência da diáspora provocada pelas ditaduras militares, e que ficaram. Eu quis trazer isso para o personagem, e também trabalhar a cultura uruguaia, que é tão próxima de nós, tem tanta coisa em comum, e é tão pouco vista no cinema brasileiro."

O ator que interpreta Ernesto foi, desde sempre, a primeira e única opção de Ana Azevedo. Jorge Bolani, o maior ator uruguaio, já havia encantado a diretora no teatro e em filmes como Whisky. "Mandei o argumento e fomos a Montevidéu, eu e a (produtora) Nora Goulart, conversar com o Bolani. Ele não tem nada a ver com o Ernesto, mas entendeu perfeitamente o que eu queria. Era como se o personagem estivesse ali, na minha frente." A admiração pelo escritor uruguaio Mario Benedetti foi outro ponto de contato entre os dois. "Bolani tinha montado no teatro A Trégua, do Benedetti, e quando leu uma referência ao livro no roteiro, imediatamente já gostou."

Aos Olhos de Ernesto mostra a cumplicidade entre dois abandonados, o senhor de mais de setenta e uma garota de pouco mais de vinte. "Eu sempre pensei na Gabriela Poester, que é uma excelente atriz, para fazer o papel da Bia. O entrosamento entre o Bolani e ela foi perfeito. Eles são extremamente generosos e curiosos. O Bolani tem uma larga estrada de trabalho e de vida, mas em nenhum momento demonstra qualquer pretensão. Ele parece estar sempre aprendendo, jogando com o parceiro, para o parceiro, o que é muito bonito - e nem sempre é comum no trabalho do ator."

Produzido pela Casa de Cinema, com roteiro de Ana Luíza Azevedo e Jorge Furtado e colaboração de Vicente Moreno e Miguel da Costa Franco, Aos Olhos de Ernesto estava pronto para ser lançado quando veio a pandemia. "Ninguém sabe quanto tempo isso vai durar, e pior, sem uma política sanitária no Brasil." Sem políticas públicas em geral, como se vê em praticamente todos os setores. "A gente está vivendo a destruição das universidades, da educação, da ciência, do meio ambiente, da cultura. É tão absurdo que se fica sem reação. Há quanto tempo nós estamos nisso e ainda somos surpreendidos a cada dia com o que acontece?"

Ana cita o caso da dentista que vai dirigir o Centro Técnico do Audiovisual, que já foi um importante instrumento para a viabilização do cinema brasileiro. Sem falar na Cinemateca Brasileira, aquela que foi prometida como prêmio de consolação para a ex-secretária Regina Duarte, hoje fechada, sem direção, sem funcionários. "Nós corremos um sério risco da memória do cinema brasileiro, do audiovisual brasileiro, se perder."

"Dói ver políticas de incentivo que levaram décadas para serem implantadas desaparecendo assim. Destruir é muito rápido. É como passar na frente de uma casa, imaginar quanto tempo ela demorou para estar ali, com toda uma história, com os seus significados, e saber que em um dia é possível botar tudo abaixo. É isso que está acontecendo com a política cultural brasileira. Só que a nossa cultura é muito mais forte que qualquer governo, e vai sobreviver."

Para assistir a um filme que não termina quando o FIM aparece na tela, é só entrar nas plataformas Now, Vivo Play e Oi Play. Para sorte do público, Aos Olhos de Ernesto entrou em cartaz no streaming - e, desde 18 de julho, também está em exibição em várias salas no Japão. O que, por enquanto, está mais longe que o Japão para nós.

Apague as luzes e boa sessão.

CLAUDIA TAJES