quarta-feira, 31 de outubro de 2012



31 de outubro de 2012 | N° 17239
MARTHA MEDEIROS

Poesia e cerveja

Inspirada pelos ares que sopram da Praça da Alfândega, lembrei de um e-mail que recebi. Um rapaz contou que estava num churrasco com amigos quando acabou a cerveja. Foi escalado para ir ao supermercado buscar mais. Meia hora depois, retornou sem nenhuma latinha, mas com um livro de poemas meu. “Fui quase linchado.” Pô, trocar cerveja por poesia, até eu lhe daria uns beliscões.

Mas não posso negar que fiquei toda boba por meus versos terem seduzido um garoto de 20 anos em plena sexta à noite num corredor do Zaffari. Na verdade, não sei se ele tinha 20 anos, se era uma sexta e se foi no Zaffari, mas não resisti em formatar aqui um cenário mais completo. A cena é boa demais para ficar sem detalhes.

Aproveitando a Feira, uma dica: abrace os poetas. A começar pelo nosso patrono, Luiz Coronel, e mais Ferreira Gullar, Alice Ruiz, Antonio Cícero, Fabrício Carpinejar, Adélia Prado, Armindo Trevisan, Celso Gutfreind, Elisa Lucinda, Affonso Romano de Sant’Ana, Thiago de Mello, Viviane Mosé, todos em atividade. Não, Stella Artois não é uma poeta. Querendo prestigiar um talento novo, anote: Gatos Bravos Morrem pelo Chute, do gaúcho Tiago Ferrari.

Afora a poesia, selecionei 11 títulos entre os muitos que li este ano, entre romances, crônicas e ensaios:

Por Favor, Cuide da Mamãe, de Kyung-Sook Chin. Os segredos e sentimentos de uma família sul-coreana, numa história universal e belamente escrita.

O Caderno de Maya, de Isabel Allende. A autora escreveu uma história contemporânea e impressionante, inspirada na barra-pesada vivida por seus enteados.

Sunset Park, de Paul Auster. Após um acidente familiar ocorrido na adolescência, um garoto procura colar seus cacos junto a outros desgarrados que moram em uma casa abandonada. Excelente.

A Borra do Café, de Mario Benedetti. Relançamento de uma de suas obras mais tocantes. O autor uruguaio mescla memória e invenção ao narrar sua infância em Montevidéu.

Resposta Certa, de David Nicholls. Diálogos ótimos, do mesmo autor de Um Dia. O título poderia ser Diversão Certa.

Tempo é Dinheiro, de Lionel Shriver. Suicídio, câncer terminal, mortalidade, humor negro. Só mesmo a autora de Precisamos Falar sobre Kevin para transitar sobre esses assuntos sem nenhuma condescendência e arrebatar o leitor.

A Vida Gritando nos Cantos, de Caio Fernando Abreu. Crônicas publicadas no jornal O Estado de S. Paulo entre 1986 e 1996. O mesmo texto charmoso e provocativo que deixa saudade até hoje.

A Queda, de Diogo Mainardi. Impossível ficar indiferente. A secura convivendo com a docilidade de uma forma única e emocionante.

Como Ficar Sozinho, de Jonathan Franzen. Do mesmo autor do aclamado Liberdade. Ensaios sobre a solidão, a nicotina, a literatura, a invasão de privacidade e outros temas que ganham uma nova perspectiva sob o olhar astuto desse mestre da prosa.

Alta Ajuda, de Francisco Bosco. Ensaios de um jovem filósofo que tem o talento no DNA. Filho do músico João Bosco, é articulista do jornal O Globo, no qual escreve sobre cinema, futebol, amizade, sexo, política.

Pequenos Contos para Começar o Dia, de Leonardo Sakamoto. Breve e belo, até parece livro de poesia – olha ela, de novo. Uma palhinha: “Os professores de matemática dizem que a menor distância entre dois pontos é uma reta. Menos pro meu avô: ‘Besteira! A menor distância é aquela em que a gente se diverte mais’”.



31 de outubro de 2012 | N° 17239
INTERNET

EM RITMO mais lento

ESTUDO REDUZ ESTIMATIVA DE AUMENTO DO NÚMERO DE USUÁRIOSDE REDES SOCIAIS NA AMÉRICA LATINA

A empresa de consultoria eMarketer revisou para baixo o número de usuários de redes sociais na América Latina em razão do menor acesso dos internautas brasileiros. A empresa estima que 175 milhões de internautas da região farão uso de redes sociais este ano, ante uma expectativa anterior de 191 milhões.

A previsão do número de usuários das redes sociais no Brasil foi reduzida pela companhia em cerca de 12 milhões de pessoas. Estima-se que 63 milhões de internautas usarão as redes sociais no país em 2012. A eMarketer também prevê crescimento da base de usuários do Brasil mais lenta do que anteriormente, passando de um ganho de 14,4% neste ano para 13,5%.

De acordo com o estudo, uma proporção de mais de dois em cada três usuários de internet na América Latina terá acessado as redes sociais neste ano. No caso específico do Facebook, a companhia também afirma que o crescimento tem sido menor do que o esperado na região, também por conta da influência do Brasil.

A eMarketer projeta uma base de 41,5 milhões de usuários da rede de Zuckerberg no país em 2012, ante 45,4 milhões na estimativa anterior. Os motivos da expansão menor do Facebook no país, porém, não foram apontadas pela consultoria.

A pesquisa afirma, porém, que o Facebook continuará a ser uma rede social forte nos próximos anos e que, em 2014, uma pessoa em cada três na América Latina estará conectada à rede social.


31 de outubro de 2012 | N° 17239
JOSÉ PEDRO GOULART

Orgasmo no vácuo

Sasha Grey é linda, culta, dada a ter ideias; e escolheu o caminho asséptico das sombras. Você leu o que eu escrevi? Vou repetir: caminho asséptico das sombras. Sombra porque fazer sexo de todas as formas explícitas diante das câmeras pode muito bem ser tratado como algo obscuro, e asséptico, porque a indústria americana de filmes pornográficos é cheia de regras sobre conduta e saúde dos participantes.

Pois bem, recentemente o imponente The Guardian fez uma matéria com Sasha: ela conta que se aposentou do sexo atuado e passou para a música cantada. Porém, encontrou uma cena bem parecida com a da pornografia, algo como terra de ninguém, um verdadeiro oeste selvagem, cujos bandidos são os orçamentos micados e, principalmente, a pirataria. De modo que a linda Sasha não sabe se dança ou segura a criança.

Pornografia e música, protagonistas da internet, duas poderosas indústrias se esvaindo à mercê do descontrole total e absoluto. Na web, tudo jaz, cinema, literatura, jornalismo. Por mais que a indústria do entretenimento esperneie, tente criar barreiras, o fato é que cada vez mais parece entregue, nocauteada, um bicho sangrando em cima de um formigueiro.

Bom, mas isso nós, as formigas, já sabíamos, não precisávamos da Sasha para nos contar. O que a gente quer aqui é fazer um exercício da futurologia. Aonde isso vai dar? No caso dos filmes XXX, o pessoal está tendo que largar o bastão (desculpe). Há tanta pornografia disponível na internet que a gente ia precisar de umas 50 adolescências só para cruzar a fase anal.

Então, chegamos no grande busilis, ei-lo: ao que parece, excetuando eventuais documentos ainda não revelados pelo Wikileaks, tudo, absolutamente tudo, está catalogado, escaneado e disponível. Há não muitos anos (ok, algumas centenas), um sujeito podia olhar para o mar do outro lado do mundo e “imaginar” o que será que havia do lado de cá – se a Terra acabava numa valeta, essas coisas.

Ou algo mais prosaico: se ia chover, se ia ter trânsito na ida para praia, ou se aquilo que gente via numa revista sueca era realmente possível. É um problema um mundo conhecido, sem mistérios, a vida civilizada necessita de ilusão. Imaginar descobertas é ter esperança num sentido.

E ainda por cima, sabemos o tempo inteiro o que cada um está fazendo, onde está, com quem; ou pior, pensando. Há um quê de pornografia nisso, sendo a pornografia um jorro no vazio, orgasmo no vácuo. Ao que parece, essas partículas bilionésimas de seres, todos os dias procurando e emitindo dados e contra-dados, funcionam como um grande reator a produzir energia para... nada.


31 de outubro de 2012 | N° 17239
PAULO SANT’ANA

A morte de um jornal

Circula hoje pela última vez, creio que por falência múltipla dos órgãos, um dos melhores jornais brasileiros de todos os tempos: o Jornal da Tarde, com sede em São Paulo.

A maior manchete que li entre todas as famosas manchetes do Jornal da Tarde deu-se quando tomava posse no Chile o presidente comunista Salvador Allende.

Travou-se um dilema entre o presidente eleito e o protocolo para a cerimônia de posse: ele se recusava a usar casaca para o ato e também, como comunista convicto, não queria que se rezasse missa, o que sempre foi ritual de todas as posses presidenciais.

Houve uma negociação entre Allende e o protocolo e chegaram a um meio-termo: ele não usaria casaca mas seria rezada a missa.

O Jornal da Tarde, na véspera da posse, estampou a seguinte manchete: “Amanhã, depois da missa, o comunismo no Chile”.

Outro título célebre do Jornal da Tarde aconteceu quando em uma partida noturna disputada pelo Santos no interior paulista, pelo campeonato estadual, o time de Pelé venceu por 8 a 0, os oitos gols de autoria de Pelé.

O Jornal da Tarde lascou o seguinte e genial título: “Noite negra de Pelé”.

O Jornal da Tarde foi uma universidade do jornalismo, seus textos eram apurados, foram levados para trabalhar lá grandes repórteres e, acima de tudo, algumas das pessoas que melhor escreviam no país.

Meu amigo Marcos Faerman foi um dos melhores jornalistas que trabalharam no Jornal da Tarde e obteve reportagens espetaculares.

O Jornal da Tarde foi criado durante a ditadura militar e eu me lembro que não deixava de lê-lo por um só dia.

Um jornal, quando é extinto, significa a tristeza do pensamento, a desolação das ideias. Desejo que este jornal em que escrevo, a Zero Hora, que tem 48 anos de existência e na qual trabalho há 41 anos sem tirar férias, nunca seja extinto.

O que eu mais desejaria é que daqui a 52 anos, quando Zero Hora completar o seu centenário, em algum canto da edição comemorativa fossem lembrados para os pósteros alguns pensamentos que esculpi nas mais de 17 mil colunas que já escrevi neste jornal.

E que fossem lembrados todos que passaram por Zero Hora e construíram este periódico glorioso em que a História do Brasil se confundiu num êxtase de informação e opinião que tornaram nosso jornal forte como um rochedo.

É muito triste que tenha morrido o Jornal da Tarde.

Jornais não deveriam morrer assim como as espécies. Eles tinham de ser tombados para a eternidade.

terça-feira, 30 de outubro de 2012



30 de outubro de 2012 | N° 17238
FABRÍCIO CARPINEJAR

Quanto mais .............. pior

Meu amigo Daniel superou 40 dias de luto da separação, aguentou no osso o divórcio, chorou horrores e debulhou suas lágrimas em copos de bourbon, parou de atender ao telefone e se trancou no quarto.

No 41º dia, ele ressuscitou. E voltou a sair e se divertir. Já estava esquecendo o quanto amava sua ex. Já estava esquecendo que foi amado pela ex.

Um homem somente apaga um amor no momento em que encontra outro. Daniel se enamorou por uma bancária. Badalou vários finais de semana com Heloísa, ria com a franqueza de um adolescente.

Apaixonado? Sim, mas seria o último a saber. Todo apaixonado é o último a saber que está apaixonado. O mundo inteiro sabe, menos o próprio apaixonado. Não adiantava contar a Daniel que ele estava apaixonado, ele jamais me escutaria. O apaixonado é surdo também.

Para comemorar a nova fase de sua vida, Daniel convidou Heloísa para almoço em restaurante francês nos fundos de um casarão.

Ele pediu cordeiro com purê de beterraba; ela, filé mignon com acompanhamentos silvestres.

Ele pediu um vinho chileno; ela avisou que não poderia beber (pois ainda iria trabalhar), e se contentou com uma Coca-Cola.

– Coca-Cola light?

– Não, senhora, só temos Zero – avisou o garçom.

– Ok, não vou me desesperar por um detalhe – replicou.

O casal soltou os braços sobre a toalha para diminuir a distância das cadeiras, ambos se olhavam firme e forte numa hipnose infindável, hipnose à moda antiga, de relógio de bolso balançando.

A mesa estava sobrando entre os dois. Ele se debruçava no prato para arrancar um beijo, ela se levantava para acariciar sua testa. Nada poderia estragar aquele bem-estar. Quase nada.

Mas quando a Coca pousou na mesa, Heloísa gelou, derrubou o arranjo de flores e fugiu para o banheiro soluçando a seco.

Ele olhou a Coca com calma: Será que tinha uma barata?

Não achou coisa alguma, até que leu um nome. A marca decidiu homenagear seus consumidores nas latinhas.

Era o nome de sua abominável ex: Carolina.

“Quanto mais CAROLINA melhor”

Heloísa não aguentou a provocação, ardia de ciúme do passado dele.

Quando um refrigerante faz uma campanha dessas, não cogita de que existem desafetos no mundo, ódio familiar, revolta interior, tristeza reprimida, viuvez, gente que levou o fora ou foi corneado ou enganado. Imagina apenas que todos se gostam e que todos vão adorar ver seu nome ou de sua namorada na embalagem.

Daniel amaldiçoou o azar, criou teorias da conspiração, não duvidou da perseguição da megera, cogitou a hipótese de ela subornar o garçom para trazer aquele refrigerante.

– Como, entre milhares de opções, surge em minha mesa logo o nome daquela vagabunda?

Não poderia responder. Heloísa recusou carona e seguiu sozinha para o emprego. Não havia mais felicidade para ser dividida.

Do copo dela, só ficou o limão.


30 de outubro de 2012 | N° 17238
CLÁUDIO MORENO

O sol e a sombra

Dentre as inúmeras histórias, verdadeiras ou inventadas, que a Antiguidade nos legou, talvez nenhuma seja tão conhecida quanto a visita que Alexandre Magno fez a Diógenes, o filósofo maltrapilho, no ano de 336 antes de Cristo.

Nunca teremos um relato definitivo deste encontro notável, já que nem um, nem outro deixaram qualquer registro das palavras que trocaram naquele dia. Foi a partir do depoimento de algumas testemunhas que escritores, pintores e historiadores construíram, ao longo dos séculos, uma verdadeira teia de versões, que diferem no detalhe mas concordam no principal.

A divergência entre os vários relatos não conseguiu diminuir a importância da cena, pois ali se encontraram, frente a frente, um grande filósofo e um grande guerreiro. Nada podia ser mais simbólico: de um lado, um dos maiores sábios de toda a Grécia, que passou a vida demonstrando sua aversão por qualquer espécie de poder; do outro, o jovem macedônio, que seria conhecido e respeitado por todo o Mundo Antigo como o maior chefe militar de todos os tempos.

É Plutarco quem conta: tendo conquistado a Grécia, Alexandre, que já conhecia o renome de Diógenes, foi a Corinto para vê-lo. Os políticos locais receberam-no com honras de chefe de Estado, assim como os filósofos – menos Diógenes, que parecia não dar a mínima para sua presença na cidade.

Alexandre, magnânimo, não se importou em inverter o protocolo, indo ele mesmo, com uma pequena comitiva, procurar o filósofo, que tomava sol no meio da rua, num subúrbio da cidade. Ao ver o grupo que se aproximava, Diógenes soergueu-se sobre os cotovelos e fitou serenamente o rei, que o saudou polidamente e perguntou se poderia fazer alguma coisa por ele.

“Sim”, respondeu Diógenes, “sai da minha frente, que estás fazendo sombra para mim”. Alexandre ficou tão impressionado com aquele despojamento e aquela corajosa altivez que, no caminho de volta, teria confessado aos companheiros, que riam da excentricidade do filósofo: “Pois eu, se não fosse Alexandre, juro que gostaria de ser Diógenes”.

Lições como esta sempre deixaram bem claro que, para os antigos, a sabedoria na vida não significa necessariamente profundos conhecimentos teóricos, mas antes um inconfundível espírito soberano, capaz de resistir serenamente às sereias do poder e da ambição, que sempre atraem os incautos para os recifes da incerteza.

Alexandre, que, antes de ser soldado, tinha sido discípulo dileto de Aristóteles, deve ter compreendido perfeitamente o que Diógenes, à sua maneira, acabara de lembrar: o conhecimento é um sol que nos aquece; o poder, este, sempre será uma sombra.


30 de outubro de 2012 | N° 17238
PAULO SANT’ANA

Eu sou um imbecil

Resolvi parar um pouco para pensar.

Será que não estou com a razão?

Acontece que recebi cerca de 40 mensagens de leitores que afirmam categoricamente que aprovam que os presidiários gaúchos morram de doenças ou enforcados por seus colegas.

Não são poucas nem eventuais as mensagens, elas se posicionam de modo enérgico a favor do morticínio nos presídios.

Muitas dessas mensagens dizem taxativamente que “são poucos os presos que morrem nos presídios do RS” (120 por ano, segundo ZH).

Declaram que tinha de morrer muito mais pelos crimes que cometem contra a população.

Não há nenhum equívoco, elas querem que os presos sejam maltratados, que morram por doenças e sejam enforcados (a maioria dos que morrem assassinados pelos outros presos dentro da prisão é pela via do enforcamento).

Eu preciso realizar uma profunda reflexão. Certamente, essas pessoas que me escrevem desse jeito são gente de bem, trabalhadora, têm família etc.

Então eu penso: será que não sou eu que estou errado? Será que os governantes e as autoridades penitenciárias estão com razão ao permitir esse holocausto?

Sinceramente, estou duvidando dos meus princípios e de que eles não são de humanidade.

Eu devo estar errado. Essa gente toda que me escreve é que está certa, preso tem de ser escorraçado e tem de morrer.

É muita gente escrevendo com este ponto de vista. A maioria, já que escrevi que não durmo direito com essas milhares de mortes em 10 anos, respondeu-me dizendo que eu não tenho de dormir direito por causa das pessoas assaltadas e assassinadas pelos presos.

Nem sei quem são os presos que morrem nas prisões, não sei que crime cometeram, podem ter sido delitos leves.

Mas os que escrevem aprovando o genocídio não querem nem saber que crimes cometeram os presos mortos ou assassinados. Eles não só querem que eles continuem a morrer por doenças e assassinatos como também acham que são poucos, que muitos mais deveriam morrer por essas razões.

Dou-me finalmente por vencido. Eu é que estou errado e os que me escrevem estão certos.

Porque chega uma hora em que a gente, que pensa de um jeito, tem de refletir que está errado e certos são os que querem os presos torturados, doentes de morte e assassinados.

Esta gente é respeitável e sou obrigado a acatar a sua opinião.

Não adianta mandar contra a maré. Se isso é o que pensa a sociedade, é assim que tem de ser feito. Deve-se respeitar a maioria. E a maioria prega a desgraça dos presos. Eu já tinha de ter desconfiado disso quando só encontrei indiferença entre os gaúchos, durante 41 anos, quando eu defendi bons tratos para os presos, o que não queria dizer absolutamente que não tinham de pagar por seus delitos.

Ou eu fui educado erradamente, ou, então, eu estou pensando errado, o meu raciocínio não está batendo certo. Afinal, chega um dia em que a gente tem de fazer um exame de consciência e ter a humildade de considerar que se está errado.

Está bem, vocês venceram, os presos têm de passar fome, têm de morar em esgotos, têm de ser maltratados, têm de não ser atendidos em suas doenças e têm de ser assassinados.

E eu me declaro solenemente um imbecil.


30 de outubro de 2012 | N° 17238
DAVID COIMBRA

Um urubu na sacada

Um amigo meu tomava café da manhã, dia desses, quando viu um urubu olhando para ele. Um urubu, por Deus. Estava empoleirado na sacada do apartamento, com olhar atento, como atento é o olhar das aves, porém sereno, quase imóvel. Você já viu um urubu de perto? É um bicho de aparência ameaçadora – grande e muito feio. Não tem a fama que tem à toa. Só a torcida do Flamengo gosta de urubu.

Então, lá estava aquele urubu observando o meu amigo. O apartamento dele fica ali na Bela Vista. É novíssimo, meu amigo comprou não faz muito tempo. Ele é um homem bem postado na vida, é um ser urbano, não está acostumado com animais que não sejam convictamente domésticos, sobretudo se forem aves de rapina de bom porte. O que fazer com aquele urubu?

Se tentasse enxotá-lo, como ele reagiria? Um urubu, em situação de estresse, torna-se agressivo? Como enfrentar um urubu em fúria? O urubu o debicaria e lhe meteria as garras? Meu amigo não tinha arma em casa... Por via das dúvidas, optou pela segurança máxima. Escorregou até a porta da sacada e a fechou cuidadosamente, torcendo para que o urubu se transferisse para outra sacada ou galho de árvore, o que aconteceu mais tarde.

Mas nos dias seguintes o urubu, ou algum amigo ou parente dele muito parecido, voltou. Meu amigou tomou-se de aflição. Ele não sabia que a cidade era frequentada por urubus. Saiu pelo prédio a investigar o que estava ocorrendo. Por que um apreciador de carniça rondava seu prédio? Haveria alguma vaca morta nas vizinhanças?

Acabou descobrindo. Ocorre que aquele é um prédio realmente novo. Muitos dos proprietários demoraram meses a se mudar. Foi num desses apartamentos vazios que uma jovem família de urubus fez seu ninho. Quando o dono humano do apartamento chegou, deparou com aquele ninho de urubus instalado na sacada. Desagradável.

Muito consciencioso, o ser humano decidiu que não iria simplesmente retirar o ninho e atirá-lo no lixo, como faria um homem que não respeitasse a Natureza e os animais e a vida, toda aquela coisa. Chamou a Secretaria do Meio Ambiente para que fosse adotado o procedimento correto. Decerto as autoridades saberiam o que fazer com um ninho de urubu construído em uma sacada de apartamento.

Resultado: a secretaria o notificou. Por algum motivo, os urubus são animais protegidos pela lei ambiental. Remover seus ninhos é crime. O dono humano do apartamento terá de conviver com os urubus até que os filhotinhos cresçam, se desenvolvam, ganhem independência e se mudem de lá por vontade própria, processo que a secretaria calcula que se dará em três ou quatro meses. Seria menos grave dar um tiro no fiscal da secretaria do que remover a família de urubus da sua casa.

É justo isso com o dono do apartamento? É correta tamanha atenção com urubus? Eles, os urubus, merecem toda essa consideração? Precisam ser preservados, afinal? E o investimento do ser humano no apartamento e a sua tranquilidade e o seu dia a dia e, afinal, a sua paz, isso tudo também não deve ser preservado?

Como são delicadas essas questões legais...

No caso do gol com a mão de Barcos que a arbitragem anulou com auxílio da TV, o que vale mais: o Direito ou a Justiça? O que é legal? Ou o que é certo?

A anulação do gol foi incorreta do ponto de vista técnico, mas pelo menos serviu para corrigir uma injustiça. Talvez seja ruim para a lei do futebol, mas foi bom para o futebol.

segunda-feira, 29 de outubro de 2012



29 de outubro de 2012 | N° 17237
ENTREVISTA

Uma escola para inglês admirar

Com base no Design Thinking, moderno conceito aplicado em empresas, escola municipal gaúcha que adota práticas inovadoras recebe hoje visita de um dos grandes defensores do método, o professor britânico Andy Hargreaves, que está na Capital para disseminar conhecimentos sobre uma das grandes tendências da educação

Na escola Gilberto Jorge da Silva, na Capital, os alunos são protagonistas da própria educação, nem sempre há provas, mas métodos personalizados de avaliação. Essa descrição, segundo o inglês Andy Hargreaves – um dos mais importantes estudiosos da área –, é o exemplo do que seria uma escola inovadora.

A adoção de princípios de autonomia, a realização de assembleias escolares e a adoção de práticas inclusivas são outras estratégias da escola inovadora apontadas pelo especialista no livro The Global Forth Way (ainda sem previsão de lançamento no Brasil), escrito em parceria com Dennis Shirley – outro renomado professor de Educação, também da Lynch School of Education, da Boston College, assim como Hargreaves – em 2009. Baseadas no método do design thinking, as pesquisas atuais de Andy estão ligadas a estratégias bem sucedidas de mudança educacional em escolas de alta performance.

Convidado para dirigir organizações internacionais como o Banco Mundial, a Unesco e a União Europeia, Hargreaves já palestrou sobre desenvolvimento pessoal em 37 estados americanos, em 42 países e em todos os estados australianos e províncias canadenses.

Um dos grandes desafios do ensino brasileiro, segundo ele, é manter os alunos na escola e qualificar os professores. Envolver a comunidade e os próprios alunos no processo educacional não seria uma estratégia, mas uma necessidade. O outro objetivo seria qualificar e melhorar a remuneração dos professores.

– Todos os lugares têm desafios de desenvolvimento. Educação é apostar na próxima geração. O primeiro passo é ver a educação não como custo, mas como um investimento.

lara.ely@zerohora.com.br



29 de outubro de 2012 | N° 17237
KLEDIR RAMIL

Volta Schmidt!

Querido Schmidt, eu confesso: não sei viver sem você. Estes dias de estrada, cumprindo a agenda de shows sem a tua companhia, têm sido desastrosos. Sim, eu sei que você pegou gripe A, passou por vários hospitais e precisa descansar. E que não dá pra descansar num assento de avião, num banco de van, num quarto de hotel na fronteira com a Bolívia. Portanto, fica bom logo. Bora pra estrada, agitar um pouco. As viagens sem você são um porre. Isso aqui tá um tédio.

Outro dia passamos perto de Farroupilha, e eu levei todo o pessoal – músicos e equipe técnica – para fazermos uma prece no Santuário de Nossa Senhora de Caravaggio. Cheguei até fazer uma promessa: se você ficasse bom logo, todos nós iríamos parar de fumar. Todos toparam, menos o Gazzaneo. Casualmente, o único que fuma do grupo.

Não quero fazer intriga, mas não custava nada ele fazer um esforço. Com um amigo desses, ninguém precisa de inimigo. Desde aquele episódio da parada gay, ele anda meio depressivo, passa os dias fazendo palavras cruzadas. Temos que ter uma conversa com ele.

Na tua ausência, tenho procurado me comportar direito, mas, sinceramente, essa estagiária que veio pra te substituir é péssima. Na primeira viagem, se aborreceu porque não gostei do lugar no avião. Você sabe que só viajo no corredor. Chegando no hotel, tive que trocar de quarto. Claro, tinham me colocado de frente pra uma avenida barulhenta, fora dos padrões de 80 decibéis estabelecido pela NBR. Aí fomos jantar e, acredite se quiser, tive que pagar minha própria conta! Nunca vi uma coisa dessas. Eu sou um artista, não ando com carteira no bolso.

Tudo bem. Na viagem seguinte, a empresária resolveu ir junto. Essa, você sabe como é, está sempre no celular fechando altos negócios e não tem tempo pra cuidar do básico, como o camarim dos artistas. Resultado, a água mineral estava gelada. E você sabe que eu me recuso a cantar se a água não estiver na temperatura correta. Não vou nem comentar os outros detalhes fundamentais para a realização de um espetáculo, como as toalhas brancas, o ar-condicionado desligado e o Gatorade de bergamota. Conclusão, tive que cancelar o espetáculo.

E o pior é que, no dia seguinte, na hora de descer do quarto pra ir pro aeroporto, a estagiária pediu pra eu bater no meu irmão. Aí, bati e deu a maior confusão. Como é que eu ia saber que era pra bater na porta?

Portanto, Schmidt, volta logo! The show must go on!!! Não dá pra viver sem você.


29 de outubro de 2012 | N° 17237
PAULO SANT’ANA

Esperteza na gasolina

Leio uma notícia inacreditável: “A Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis irá investigar se houve aumento generalizado no preço da gasolina nos postos do Rio Grande do Sul.”

Investigar o quê? Todos os postos gaúchos aumentaram os preços, não precisa investigar. Isto é um escândalo.

E a Refinaria Alberto Pasqualini tem o dever de indenizar todos os gaúchos que estão pagando a mais pela gasolina, já que ela foi responsável pelo desabastecimento que provocou o aumento e a ação de aproveitadores.

O povo brasileiro está indefeso ante esses espertalhões e várias patifarias de cartéis. Dá engulhos ser brasileiro.

Isto é um desgoverno total.

E, para mal dos pecados, vem aí uma paulada maior: anuncia-se, calculem a maldade e a esperteza, aumento de 10% no preço dos combustíveis, “depois do segundo turno das eleições”, segundo se apurou junto a fontes governamentais e da Petrobras.

Mas não é cretinice oficializada?

Locupletam-se os infames à custa da economia popular.

Se houvesse governo dinâmico e operoso, o povo não seria assim explorado. E se houvesse método eficiente de Justiça, os consumidores não seriam assim indefesos a essa sanha desastrosa.

Já estou favorável a que voltem a ser tabelados os preços dos combustíveis.

Em terra de canibais mercantis, não funcionam preços liberados. Livre concorrência num país bagunçado?

Já ensinei mil vezes ao meu motorista que ele tem de dirigir prevendo os erros dos outros motoristas no trânsito.

Então, levo um susto porque quase acontece o acidente, e o meu motorista se defende: “Mas foi o outro que errou!”.

Ora, se eu já tinha observado a ele que os outros motoristas iriam errar, tinha de se acautelar com os erros dos outros.

Não adianta, meu motorista nunca vai aprender isso.

Até no sinal verde para ele, advirto-o, tem de prever que um japonês possa atravessar no vermelho.

Um motorista é vário, tem de dirigir por si e pelos outros.

Não há profissão que mais exija do seu titular, nem a de cirurgião, do que a do motorista.

Um dia fui depor na Justiça sobre um acidente de trânsito em que me envolvi.

Na hora do meu depoimento, eu disse ao juiz: “Excelência, não tive nenhuma culpa no acidente, bati no carro desse senhor que está aqui e foi ele quem errou. No entanto, devo confessar a Vossa Excelência que me sobravam razões para eu adivinhar que esse senhor iria cometer o erro que cometeu. Nesse ponto, errei.”

Bendito sejam os modelistas de calçados que fazem sapatos destinados ao conforto dos pés dos adquirentes.

E que sejam malditos e jogados no inferno os modelistas de calçados que causam desconforto ou dor aos pés dos usuários.


29 de outubro de 2012 | N° 17237
J. A. PINHEIRO MACHADO

A vitória do bife com ovos e batata frita

Paris

Na França, a boa gastronomia não é uma pose. Sentar à mesa para uma boa comida e um copo de vinho, antes de tudo, é um fator de unidade nacional. É o prazer que, desde sempre, estabeleceu uma invisível mas poderosa linha de aproximação entre os reis mais poderosos e os plebeus mais desafortunados. No país, não há preconceito contra nenhum tipo de comida. Não por acaso, a segunda maior operação mundial do McDonald’s, depois dos Estados Unidos, é exatamente na França.

Da mesa real ao banquete republicano, os franceses perceberam, há séculos, o poder universal da boa mesa, nas ceias tardias e nas refeições mais íntimas, para a troca de confidências e a expressão de sentimentos. Jean-Robert Pitte, um historiador ilustre, não hesita em colocar a boa gastronomia como pilar essencial da grandeza do país. A propósito, Pitte lembra Brillat-Savarin que aconselhava os reis: “As refeições podem ser um meio de governar”.

Poucos franceses compreenderam tão bem esse fenômeno nacional como o chef Joël Robuchon, que, além da sua “oficina” na Etoile e do Atelier da Rue Montalembert, no 7º arrondissement de Paris, comanda restaurantes em Mônaco, Tóquio, Macau, Las Vegas, Nova York, Londres e Hong Kong. Mas, atenção: não são franquias.

O comando é pessoal, com virtudes evidentes, mas obriga-o a passar mais tempo em aviões do que propriamente na cozinha. O esforço vale a pena. No conjunto, seus restaurantes já conquistaram 28 estrelas na avaliação implacável dos tribunais mais temidos do país: os guias de restaurantes, Michelin à frente.

Na semana passada, um documentário na TV francesa fez a justa celebração desse ícone nacional. Começando nos anos 1980, Joël conquistou a glória máxima das três estrelas do Michelin apenas três anos depois de abrir as portas. Em 1994, seu restaurante foi consagrado com o título de Melhor do Mundo pelo International Herald Tribune.

É difícil apontar uma só das razões do triunfo desse trabalhador infatigável. Talvez uma delas seja o fato de jamais ter abandonado a sua raiz popular, transformando um simples purê de batatas numa das elaborações mais espetaculares das mesas mais refinadas do mundo.

Outro best-seller das mesas de Robuchon é a surpreendente geleia de caviar e couve flor, com adeptos fervorosos em todos os continentes, cujo sabor já foi considerado pelos críticos mais severos como “inexcedível”.

Talvez o sucesso dessa delicada especialidade seja realizar uma síntese pessoal do famoso chef, combinando o caviar, uma iguaria clássica da aristocracia, com a couve flor, um legume que o proletariado adora. Coerente com essa síntese admirável, diante das câmaras da TV, Joël Robuchon não se constrangeu em revelar seu prato favorito, sua escolha diária, no almoço e no jantar: bife com ovos e batata frita. Um cardápio que, muito mais do que caviar e couve flor, sem dúvida aproxima príncipes e plebeus.

L.F. Verissimo está de férias e retorna dia 8 de novembro

domingo, 28 de outubro de 2012

http://cristaldo.blogspot.com.br/2012/10/ser-corrupto-nao-e-para-qualquer-um.html

SER CORRUPTO NÃO É PARA QUALQUER UM 

Conheci em São Paulo, há alguns anos, uma pessoa de posses, inculta mas viajada e cozinheiro emérito. O que me gerava um problema. Ele me oferecia jantares requintados e eu, que não sei nem fritar ovos, não tinha como retribuir-lhe. Até que um dia encontrei a fórmula. Ofereci-lhe um jantar. Ele escolhia os ingredientes, eu os comprava e ele vinha cozinhar em minha casa. Deu certo. Ele veio com avental e chapéu de cuca e passamos uma bela noitada. Mas não era disto que pretendia falar.

Ele tinha algum apreço por mim. Viajante, gostava de ouvir falar sobre viagens e gastronomia. Gostava de minhas crônicas e pediu-me que eu lhas enviasse diariamente. O que fiz com muito prazer. Até que um dia surgiu o impasse. Ele não suportava meus artigos sobre o Lula e o PT. Pediu-me que continuasse enviando as crônicas, menos aquelas sobre o capo di tutti i capi e seu partido.

- Não entendo – objetei -. Existiu algum partido mais corrupto na história do país? Quem dá cobertura e orienta esse esquema corrupto? Estou escrevendo alguma inverdade?

- Não. Mas ele teve sucesso.

Eis o supremo critério de uma certa elite abastada e inculta: o tal de sucesso. Este critério vale tanto para Lula como Maluf, Sarney ou Collor. Seja Hebe Camargo ou Sílvio Santos. Paulo Coelho ou Chico Buarque. Vale também para o povão. Pouco importa nesta São Paulo que gerou tanto Lula como Maluf, que o líder petista se abrace com o criminoso procurado internacionalmente pela Interpol. Maluf só está livre porque está no Brasil. Se der um passo no estrangeiro, pode ser preso. Lula se abraça com o mafioso, em seu jardim, e consegue eleger seu candidato em São Paulo. A cúpula do PT foi condenada pelo mensalão e os criminosos portam uma aura de mártires. 

Acabei me afastando de meu amigo milionário. Se havia assuntos proibidos em nossas conversas, melhor não conversar mais. Se não aceito censura em jornais, não vou aceitá-la em meu pequeno círculo. Esta técnica é muita usada por pobres de espírito que fazem psicanálise. Já aconteceu comigo e não foi uma vez só: “se voltas a tocar nesse assunto, eu vou-me embora e não pago a conta”. Tudo bem, querida, pago a conta com prazer.

De fato, o sucesso tudo absolve. Como dizia Nelson Rodrigues, os idiotas se deram conta de que são maioria. Às vezes recebo abaixo-assinados conclamando a mudar este país. Santa ingenuidade. Os idiotas jamais permitirão tal heresia. Isso não quer dizer, no entanto, que todos os brasileiros sejam canalhas.

O psicanalista Luis Felipe Pondé, na Folha de São Paulo de hoje, defende uma tese insólita. Que quando se fala de corrupção, todo mundo mente. Quase todo mundo prefere um pai ou marido corrupto a um honesto, mas pobre. Para resistir à corrupção, você tem que ser radical, ou religioso, ou moral ou político.

Segundo o psicanalista, “o julgamento do mensalão não significou nada para o eleitor, mesmo para aquele que se julga "crítico". Ninguém dá bola para a corrupção do seu partido do "coração". Também foi importante para ver o modo de operação da corrupção ideologicamente justificada inventada pelo PT: só faltava dizer que foi a direita de Marte que inventou tudo”.

Nem tanto à terra nem tanto ao mar. Verdade que ninguém dá bola para a corrupção do seu partido do "coração". Mas há alguns milhões de brasileiros honestos. São os sem partido. Nestas eleições, 22,7 milhões de eleitores não votaram. É um número considerável. São 22 milhões de pessoas que não são cúmplices da corrupção, seja de qual partido for.

Segundo Pondé, “quase ninguém quer ter um pai ou marido pobre, e sim prefere um pai ou marido corrupto, mas que dê boas condições de vida. Esta é a verdade que não se fala”. O advérbio de modo “quase” – quase salva o cronista. Digo quase, pois o país está cheio de pessoas honestas. O problema é que não se reúnem em partidos nem constituem maioria.

No item bem-estar da família, Pondé arrola desde roupa, comida boa, escola dos filhos, melhor casa para morar, ajudar os sogros doentes e idosos, viajar para Miami e Paris, apartamento na praia, até iPhone, viajar de avião, comprar coisas nos EUA, ter TV de 200 polegadas, iPads, enfim, "ter uma vida". Enfim, aquilo que meu amigo gastrônomo chamaria de sucesso. E concluí: “No dia a dia, isso tem outro nome: honestidade não vale nada, o que vale é ter uma "vida decente": segurança para os filhos, uma esposa feliz porque pode comprar o que quiser (dentro do orçamento, claro, mas quanto menor o orçamento menor o amor...), enfim, um "futuro melhor".

Ora, há centenas de milhares – senão milhões – de pessoas neste país que chegaram a boas condições de vida sem corromper-se. O país permite o acesso a uma vida razoável sem precisar apelar à ilegalidade. Quem apela à corrupção nem sempre é o pobre, ao qual viriam muito bem estas benesses. Curiosamente, o corrupto de modo geral emerge das classes ricas, que querem ainda mais do que têm.

Sem falar que, para ser corrupto, algum acesso se precisa ter ao poder. Este acesso o pobre não tem. Ser corrupto não é para qualquer um. É para quem pode. E mais: exige trabalho. Por mais dura que seja sua jornada, certamente Carlinhos Cachoeira, Zé Dirceu, Maluf, Delúbio, Marcos Valério suaram mais a camiseta que você. Não se constrói uma quadrilha eficiente sem esforço e dedicação. São centenas de milhares de horas-homem de trabalho. O mensalão, por exemplo, começou a ser montado em 1980, no colégio Sion, em São Paulo. Foram mais de vinte anos de trabalho de consolidação da quadrilha. Ser honesto pode não compensar muito. Mas sem dúvida é menos trabalhoso.

Em meu pequeno círculo de amigos, tenho pessoas de origem modesta. (Para começar, este que vos escreve). Ninguém nasceu em berço de ouro. Mas nenhum deles está mal de vida. Quase nenhum tem carro, mas isto é opção pessoal. Todos viajam, curtem bons restaurantes, não se privam de livros nem de arte. Nenhum precisou ser corrupto para chegar onde chegou. Tudo depende de não querer dar passo maior que as pernas. Se eu quiser um iate de luxo, por exemplo, é claro que terei de candidatar-me a deputado ou ministro... ou bicheiro ou traficante. O que dá mais ou menos no mesmo.

Sucesso, assim como hoje se entende, para mim é coisa que não diz nada. As posses que ricos e novos ricos ostentam nada me dizem. Que vale a um Maluf ter bilhões em bancos no Exterior se não pode ir a Paris ou Roma, nem mesmo a Montevidéu? O que vale em um homem, penso, é a cultura. Neste sentido, respeito inclusive o homem rico e culto, que sabe fazer uso inteligente de sua fortuna.

Segundo Pondé, para resistir à corrupção, você tem que ser radical, ou religioso, ou moral ou político. O psicanalista deve estar cercado de muita gente suja. Ora, há muitas pessoas neste mundo que não são radicais religiosos, nem morais ou políticos, e conseguem ser honestas. 

Para ser honesto, não é preciso ter fé nem ideologia. Basta julgar indevido meter a mão no bolso alheio. Disse alguém que o sucesso da Inglaterra era devido ao fato de os homens honestos serem tão audazes quanto os canalhas. 

Isto é o que falta ao Brasil.

FERREIRA GULLAR

"Avenida Brasil"

Pretenderia o autor nos convencer de que quem não se torna bandido é babaca? Seria uma péssima lição

Faz muitos anos que uma novela de televisão não desperta tanto interesse do público noveleiro quanto esta "Avenida Brasil", cujo derradeiro capítulo foi ao ar na noite de sexta-feira, 19 deste mês.

De fato, a novela conquistou não apenas os aficionados do gênero, como muito mais gente, até mesmo quem nunca assiste a novelas. A coisa chegou a tal ponto que, segundo foi noticiado, a presidente Dilma determinou o adiamento do comício pela eleição de Haddad, em São Paulo, que deveria realizar-se na noite daquela sexta-feira, temendo que não fosse quase ninguém.

Outro indício, jamais registrado antes, desse interesse pela novela de João Emanuel Carneiro foi o pique de consumo de energia elétrica, logo após a exibição dos capítulos finais. É que o pessoal deixava de fazer qualquer coisa -desde cozinhar até tomar banho ou ligar o computador- para só fazê-lo após o fim do capítulo. A novela interrompia o curso da vida. Isso foi o que ouvi de um repórter

de televisão.

Qual a razão de tanto sucesso, admito não saber ao certo. Imagino muitas explicações mas, se arrisco uma delas, diria que é o tipo de dramaturgia adotado pelo autor. Uma das características do gênero é a morosidade da ação dramática, que resulta numa série de outras consequências.

A razão disso é que a novela tem que durar meses, o que obriga a um número fantástico de capítulos -esta, de que falamos aqui, teve nada menos que 179, transmitidos durante sete meses.

Defendo a tese de que toda dramaturgia não dura mais que uma hora e meia a duas horas. Essa é a duração de quase todos os filmes e peças teatrais. Não existe dramaturgia para durar sete meses.

Em função disso, os nossos telenovelistas são obrigados a criar histórias paralelas, que se mesclam à história principal, tudo com o propósito de fazer com que a novela dure tanto. Isso, como já disse, faz com que a ação dramática se torne prolixa e lenta.

Essa lentidão não houve na "Avenida Brasil". Pelo contrário, nela, a ação dramática era sempre intensa, e isso se deveu ao fato de que, a cada capítulo, inesperados conflitos surgiam envolvendo os diferentes núcleos e os muitos personagens.

O preço pago pelo autor, por lançar mão de tais recursos, foi a implausibilidade de certas situações e a incoerência de atitude dos personagens, mas que João Emanuel, com sua competência, conseguiu muitas vezes superar, ganhando pelo menos a tolerância do telespectador.

É certo que, apesar dessa originalidade, em comparação com a forma dramatúrgica comumente adotada nas telenovelas, João Emanuel também se valeu de um recurso usado por todos os teledramaturgos desde o sucesso obtido pela vilã Odete Roitman (1988). Não por acaso, a execrável Carminha se tornou a principal agente da ação dramática de "Avenida Brasil".

Neste ponto, esta novela só difere das demais pelo grau de vilania e crueldade que atribuiu à personagem. Aliás, nisto, ela é quase imbatível, já que quase todos os personagens são de uma sordidez sem limites. Com a agravante de que os que escapam disso -que não matam, não traem, não subornam nem se deixam subornar- são idiotas ou tolos, como Tufão, marido de Carminha, o corno manso por excelência.

Para minha surpresa, ouvi num debate de televisão que o êxito de "Avenida Brasil" se deve ao fato de ser ela o retrato verdadeiro da nossa sociedade. Se isso é correto, moro em outro país sem o saber, já que as pessoas com quem convivo e as famílias que conheci ao longo de minha vida -e bota vida nisso- nem de longe se parecem com os personagens criados por nosso brilhante teledramaturgo.

Certamente li nos jornais e ouvi contarem histórias escabrosas, implicando traições, homicídios e falcatruas, mas nunca na escala em que nos mostrou a novela, onde todo mundo é bandido ou babaca. Pretenderia o autor nos convencer de que quem não se torna bandido é babaca? Seria uma péssima lição.

Mas não se trata disso. Novela é ficção, não é a realidade, nem poderia ser. Como se sabe, a arte existe porque a vida não basta. E os bons sentimentos não dão boa dramaturgia. Haja vista o último capítulo da novela.

JOSÉ SIMÃO

Ueba! Quero Limusine Única!

Acorda! Acorda pra cuspir! Na urna! É hoje! UFA! Como grita o Galvão: "CABÔÔÔ! EEERGUE OS BRAÇOS!"

Buemba! Buemba! Macaco Simão Urgente! O esculhambador-geral da República!

Acorda! Acorda pra cuspir! Na urna! É hoje! UFA! Como grita o Galvão: "CABÔÔÔ! EEERGUE OS BRAÇOS!". Essa campanha foi mais comprida que o Carnaval na Bahia!

E o clima tá meio aquele filme "Crepúsculo": o Serra Vampiro e o Haddad, aquele galã que vira lobisomem! Apuração no Hopi Hari.

Noite do Terror! Se o Serra ganhar, não vai ter mais sol em São Paulo. Só noite! E se o Haddad ganhar, a gente ganha mais três prefeitos: Lula, Dilma, Marta. Voto combo: pipoca, Coca-Cola e dor de barriga! E o Serra virou um caixão sem alça!

E mais uma semana de campanha no Brasil ia ter ônibus grátis. Bilhete Eterno! E não tem Limusine Única? Eu quero votar de Limusine! A Limusine te pega na porta de casa e te deixa na porta da zona!

E eu já ensinei como votar no micro-ondas cívico. Se quiser Serra, aperta desencapetar. Porque ele virou evangélico. Se quiser Haddad, aperta descongelar. Porque ele é comida congelada! E faltam três teclas: "Filho duma quenga". "Elvis não morreu" e "F@D*-#&!".

E atenção! Piadas Prontas da semana: "Primeiro time do Garrincha, Pau Grande atrai gringos". Imagina na Copa! Rarará! "Japonês vence leilão de virgindade da brasileira". Vai continuar virgem. E leiloar de novo. Mas ela é fofa: vai doar a grana pra casas populares. Minha Xana, Minha Vida! Rarará!

E o mensonão? O mensalame! O Joaquim Barbosa comeu o salame inteiro! E a pena do Marcos Velório? Dois séculos e meio! Ele vai começar a cumprir a pena no Brasil e vai terminar de cumprir a pena em Umbral, aquela cidade espírita do filme "Nosso Lar". E Zé Dirceu foi indiciado por formação de quadrilha. E o Sarney por formação de família! E os tiozinhos já tão até corcundas. Os morcegos corcundas! E a Globo vai fazer uma minissérie do mensalão!

E eu insisto que o Marcos Velório é inocente. Mineiro não distribui dinheiro. Nem dos outros. E o Kassab devia ganha o Nobel de Química: transformou a cidade num cocô! Rarará! É mole? É mole, mas sobe!

E o Haddad com aquela cara de galã indiano devia ser prefeito de Bollywood! E o Serra Vampiro com Cólica devia ser prefeito da Transilvânia! E num guento mais o Lula gritando com aquela voz de Pato Donald: "Tucanos! Tucanos!".

E o Serra já concorreu a mais eleições que o Michel Teló cantou "Ai, se Eu te Pego!". UFA! Tamo livre! Agora só quero saber do Obama! Rarará! Nóis sofre, mas nóis goza!

Que eu vou pingar o meu colírio alucinógeno!