Publicado em 10 de agosto de 2005 - Versão impressa Elio Gaspari
O filme da pizza queimada
ELIO GASPARI
Márcio Thomaz Bastos é um fantástico criminalista. Seu objetivo é absolver o cliente. Tudo bem. André Cayatte (1909-1989) depois de ter feito carreira como advogado foi um fantástico diretor do cinema francês.
O ministro Thomaz Bastos defende o governo de Lula na melhor técnica da negativa da autoria. Não havia mensalão. A cueca do assessor do irmão de José Genoino tinha a ver com ¿recursos não contabilizados¿. As meninas da Geanne eram sobras de campanha.
E Cayatte? Ele dirigiu um filme chamado Dois são culpados (Le glaive et la balance, 1963). É a história de um seqüestro e assassinato de um garoto. Testemunhas oculares incriminam três homens que vestiam roupas idênticas (Anthony Perkins, Renato Salvatori e Jean-Claude Brialy). Não há espaço para dúvida: dois eram os culpados, mas um era inocente. Qual?
Lula e aquilo que resta do seu comissariado se fortificaram na tese da negativa da autoria. O mensalão é fantasia, alguns companheiros delinqüiram, mas é só. Delúbio, esse ingrato.
Para um jurado do filme de Cayatte, seria difícil acreditar que um sindicalista do PT de barba grisalha e cabelo colorido pudesse ser responsável por tantas traficâncias.
Se Delúbio foi aquilo que se gostaria que tenha sido, o companheiro se tornou caso único na História mundial. Noves fora um carro e uma terrinha para os pais, ninguém o acusa de ter amealhado muito mais que o preço do deslumbramento.
Então foi o José Dirceu. Examinam-se as malas e verifica-se que uma tomou o rumo do Rio Grande do Sul. Outra desceu em Pernambuco, muitas nunca saíram de São Paulo. Cadê a casa de Dirceu numa bonita praia de Alagoas, como a de PC Farias, ou as dos tucanos balneários em Porto de Galinhas e no litoral paulista?
Meia dúzia de comissários e sindicalistas refinados com charutos cubanos e garotas vindas de São Paulo são bodes magros para o esquema de poder praticado por Lula e seu PT. Faz dois anos que o melhor crítico dessa fraude é o professor César Benjamin, e no último domingo publicou na Folha de S.Paulo um artigo intitulado O mito do paraíso perdido.
Nele, diz o seguinte: Lula sempre compartilhou da intimidade do grupo e foi o principal beneficiário de suas ações. Garante, porém, que nada sabia. Respeito quem acredita nisso, assim como respeito quem acredita em duendes.
Quem acredita em duendes (sem ganhar nada com isso) repele a associação. A diferença entre Lula e Eremildo, o Idiota, está no fato de que, por idiota, Eremildo nunca conseguiu apresentar um projeto de seu filho à Telemar.
Aliás, para consolo dos contribuintes (e da Telemar), Eremildo não tem filhos. Também é duvidoso que o PT emprestasse R$ 29 mil a um idiota mas, mesmo admitindo-se que isso tivesse acontecido, ele seria capaz de dizer, imediatamente, como saldou o compromisso.
A tese de negativa da autoria do doutor Márcio é perfeita para um tribunal de júri, mas resulta temerária para uma sociedade. Os advogados de defesa do filme de Cayatte sustentaram que o crime tinha sido cometido pelos outros dois acusados.
Cada um mostrou que seu cliente nada tinha a ver com a história. Os jurados se convenceram disso e entenderam que cada um deles poderia ser inocente. Donde, todos podiam ser inocentes. Absolveram os três.
Cayatte termina seu filme mostrando a trinca enquanto deixava o tribunal, protegida num camburão. A choldra estava na rua. Tacou fogo no carro e assou os três.
Pelo simbolismo e pela qualidade da obra, Lula e o doutor Márcio deveriam procurar uma cópia desse filme.