quarta-feira, 17 de dezembro de 2025


RECONHECIMENTO

Docentes da UFSM conquistam prêmio de inovação em saúde

Marli Matiko Anraku de Campos e Vanessa Ramos Kirsten foram premiadas por soluções inovadoras em diagnóstico rápido de tuberculose e vigilância nutricional. Entre as instituições indicadas, a Universidade Federal de Santa Maria foi a única do Rio Grande do Sul reconhecida

Duas professoras da Universidade Federal de Santa Maria (UFSM) venceram o 17º Prêmio de Incentivo em Ciência, Tecnologia e Inovação para o Sistema Único de Saúde (SUS). As indicações foram divulgadas em julho deste ano, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), e a premiação ocorreu no início do mês, em Brasília.

Entre as universidades indicadas, a UFSM foi a única instituição gaúcha premiada.

- Foi muito emocionante ganhar o prêmio, conseguir mostrar o que estamos produzindo no Interior. As pessoas acreditam que somente nas capitais se consegue fazer boas pesquisas, e assim a gente começa a ser mais reconhecido - diz a professora Marli Matiko Anraku de Campos, que leciona no Programa de Pós-Graduação em Ciências Farmacêuticas da UFSM.

Marli venceu na categoria Produtos e Inovação em Saúde com o Teste Molecular Rápido para Tuberculose, contemplada com R$ 70 mil, além de troféu e certificado. Ela espera que a solução que desenvolveu possa alcançar mais pessoas.

Já a professora Vanessa Ramos Kirsten, dos Programas de Pós-Graduação em Saúde e Ruralidade e em Gerontologia, recebeu o terceiro lugar na categoria Experiências Exitosas do Programa Pesquisa para o SUS, levando R$ 30 mil e certificado. Ela ganhou com o trabalho Qualificação da Vigilância Alimentar e Nutricional: uma proposta de educação permanente em saúde para melhoria da qualidade da atenção à saúde nos municípios do RS.

Ambos os projetos foram desenvolvidos com apoio da Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado do RS (Fapergs).

Teste rápido para tuberculose

O exame, chamado Teste Molecular Rápido para Tuberculose, foi criado no Laboratório de Micobacteriologia da UFSM, coordenado pela professora Marli. O objetivo da solução é reduzir o tempo de detecção da doença para até duas horas de espera. Hoje, o diagnóstico pode levar até 60 dias - entre os primeiros sintomas e o início do tratamento.

O procedimento utiliza uma amostra de escarro do paciente, que é misturada a reagentes e aquecida em um equipamento chamado termobloco. Em cerca de uma hora, é possível saber se há presença da bactéria causadora da tuberculose.

- Além de reduzir o tempo de espera, reduz também o custo, porque não dependemos de equipamentos caros. Agora, precisamos registrar na Anvisa para que o teste seja validado e possa ser comercializado. Estamos realizando testes e buscando essa certificação da Anvisa - frisa Marli.

O teste tem assertividade comparável ao teste utilizado atualmente, e custo de cerca de um décimo do exame tradicional. A redução de tempo de diagnóstico impacta na decisão de começo do tratamento, evitando a debilidade do paciente e o risco de óbito em casos de comorbidades.

Coleta de dados

O projeto de Vanessa busca qualificar os profissionais na coleta dos dados de Vigilância Alimentar e Nutricional, tais como peso e altura, para que sejam mais fidedignos. O objetivo é aperfeiçoar os cuidados de pacientes com problemas nutricionais, como obesidade e insegurança alimentar.

- A ideia partiu do intuito de entender quais são as barreiras na organização da Vigilância Alimentar e Nutricional. Analisamos estudos feitos em diferentes territórios e, a partir dessa revisão, publicamos um artigo na revista Ciência & Saúde Coletiva. Como projeto de pesquisa, desenvolvemos também ações de extensão e inovação - explica Vanessa.

Ela destaca que o recebimento do prêmio representa a valorização de uma temática que, muitas vezes, não recebe destaque entre as pesquisas, por não abordar uma doença. 



17 de Dezembro de 2025
MÁRIO CORSO

Ruy Carlos Ostermann

Um dos palestrantes não chegava, o tempo passava, a plateia estava inquieta. Finalmente, alguém trouxe a notícia: Flávio Koutzii adoeceu e não poderia comparecer.

Eu era o responsável pela mesa, mediaria a conversa entre Koutzii e Ruy Carlos Ostermann - o tema era sobre educação. Restava-me anunciar o fato e proceder o encontro com apenas um palestrante. Então o "Professor", como Ostermann também era conhecido, adiantou-se e driblou o problema a sua maneira.

Em reservado, me disse: o Koutzii é um político, não podemos mostrá-lo como doente, isso poderia prejudicá-lo no futuro. Pegou o microfone e anunciou para a plateia que o palestrante não estaria conosco. Com poucas palavras, sem dizer nada objetivo, apenas com a magia das palavras, fez todos acreditarem que seu colega de mesa fora requisitado para uma tarefa maior alhures. Portanto, para o bem da nação, e do universo como um todo, Koutzii não nos deixara em falta, apenas atuava em outra missão no momento.

Para quem não conhece a política da época, lembro que Ruy também era político - duas vezes deputado estadual -, e eles não rezavam pela mesma cartilha. Seu gesto de proteger a imagem do colega, que em algum momento poderia ser oponente, era genuinamente generoso. Conto o episódio porque ele ilustra quem era o Professor e qual o seu dom: tudo que ele narrava ficava melhor do que a realidade. Quanto à questão política, naquele tempo havia adversários, não inimigos.

No tempo da ditadura, cérebros brilhantes habitavam espaços inesperados, só isso justificava o Professor - filósofo de formação - no jornalismo esportivo, um luxo raro de fruir. Lembro de seus comentários nos pós-jogos do Gauchão, alçando partidas normais a enfrentamentos épicos. Melhor do que ganhar o jogo era ouvir a sua versão do embate.

Sua presença nos programas de rádio emprestava elegância aos seus colegas e a aos seus entrevistados. Com calma, sua fala corrigia os passes errados, devolvendo redondas as colocações quadradas. Se fair play fosse uma pessoa, seria ele.

Neste ano, em junho, Ostermann nos deixou, Não queria terminar o ano sem dizer que ficamos menores e mais tristes sem seus comentários sobre o futebol e a vida. _

MÁRIO CORSO

17 de Dezembro de 2025
TEMPO SEVERO

Jovem foi atingida por galho durante temporal

Acidente ocorreu ontem, no centro da Capital. Paloma Fantinel conta que havia recebido alerta da Defesa Civil e atravessava a rua para tentar se proteger

Durante o temporal que afetou Porto Alegre na segunda-feira, a criadora de conteúdo Paloma Fantinel foi atingida pelo galho de uma árvore enquanto procurava abrigo na Rua dos Andradas, no Centro da Capital.

Em entrevista ao Timeline da Rádio Gaúcha, ontem, a jovem conta que recebeu o alerta da Defesa Civil e imediatamente foi procurar por um lugar seguro. Mas não deu tempo:

- Eu tô bem, graças a Deus. Foi um susto, né? Eu estava exatamente indo buscar abrigo, estava atravessando a rua pra entrar na cafeteria que tem na frente, e na hora o galho atingiu minha cabeça e tive uma queda de memória, então desmaiei. Acordei com as pessoas perguntando meu nome, mas estava bem, fiquei consciente, só foi um susto, uma dor horrível - relata.

Antes de ser encaminhada ao Hospital Cristo Redentor, na Zona Norte, Paloma disse que duas mulheres a atenderam no local:

- Casualmente tinha uma socorrista profissional e uma professora de jiu-jitsu, que também tem curso de socorrista. Ambas, na mesma hora. E que bom que elas me auxiliaram.

Até a chegada do Samu, Paloma permaneceu imóvel por cerca de 40 minutos.

Como foi

O acidente ocorreu por volta de 15h20min, próximo à Casa de Cultura Mario Quintana, logo após a Defesa Civil emitir um alerta via cell broadcast, mandando a população procurar abrigo devido à ventania que se aproximava.

- Eu saí do médico, ia chamar o Uber. Aí o Uber estava dando muito caro. Na hora eu liguei para o meu pai, porque eu sabia que ele poderia estar em Porto Alegre, e perguntei onde ele estava, se ele estava próximo para me dar uma carona, e ele falou, "estou próximo sim, só vai demorar por conta do trânsito", e eu falei, "tá, eu vou ficar".

O galho que atingiu Paloma tinha cerca de dois metros e diâmetro considerável. No hospital, ela recebeu quatro pontos no local em que foi atingida. Após ter ficado um período estável sob observação, a jovem recebeu alta.

Limpeza

Devido ao temporal, houve queda de árvores em vários pontos da Capital e residências ficaram sem energia elétrica.

Ontem, equipes da Secretaria Municipal de Serviços Urbanos (SMSUrb) trabalhavam na limpeza das ruas após a chuvarada.  Sobe para 54 o número de municípios impactados pelo vendaval no Estado

Jovana Dullius* 

Subiu para 54 o número de municípios do Rio Grande do Sul que registraram estragos em decorrência do temporal da tarde de segunda-feira. Os dados foram atualizados pela Defesa Civil Estadual na manhã de ontem. Entre os principais problemas relatados estão alagamentos, quedas de postes, falta de energia elétrica e destelhamentos.

Em Cristal, no sul do Estado, 25 pessoas seguiam fora de casa após danos em residências. No município, um telhado de zinco foi arrastado pelo vento até a BR-116.

A força do vento também derrubou uma réplica da Estátua da Liberdade em frente à loja da Havan de Guaíba. A estátua avariada foi removida ontem.

Já em Rio Pardo, no Vale do Rio Pardo, 11 pessoas retornaram para casa após o temporal, enquanto uma seguia abrigada na casa de familiares. Na cidade, cinco casas e duas escolas foram destelhadas em razão do vento.

Até ontem à tarde, 65.380 clientes estavam sem luz no Estado. A maioria dos pontos se concentrava na área de atuação da CEEE Equatorial: 55.880 clientes afetados.

Conforme a concessionária, as cidades mais impactadas são Porto Alegre, Viamão, Guaíba, Alvorada e Charqueadas.

Na área da RGE eram 9,5 mil clientes sem luz até ontem à tarde. Os pontos se concentravam principalmente nas regiões do Vale do Taquari, Vale do Sinos, Vale do Rio Pardo e na Região Metropolitana. _

*Colaborou: Lisielle Zanchettin



17 de Dezembro de 2025
GPS DA ECONOMIA - Marta Sfredo

Mega-acordo torna tarifaço absurdo ao quadrado

Os protestos do final da semana em várias cidades brasileiras dificilmente terão sobre o PL da Dosimetria o mesmo efeito obtido na tentativa de emplacar a PEC da Blindagem em setembro. O acordo para reduzir penas dos envolvidos em tentativa de golpe de Estado cumpriu a ambição de se parecer com o ensaiado no passado "com Supremo, com tudo". O Senado ainda tenta consertar os maiores problemas do texto aprovado na Câmara, mas votações na madrugada estão à espreita.

Teve até luxuosa participação especial de Donald Trump, presidente dos Estados Unidos, que retirou boa parte dos efeitos da Lei Magnitsky sobre o ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Alexandre de Moraes. Existem tantas impressões digitais nessa arquitetura que é difícil nomear todos os seus padrinhos, mas está claro que passou por todos os poderes da República. E isso significa do governo Lula à "feroz" oposição, a maior interessada, passando por quase todas as cores partidárias, com as exceções que confirmam a maioria.

Com anistia envergonhada, cai justificativa

Agora, é impositivo que todos os beneficiados assumam o compromisso de terminar o trabalho, com a retirada da última consequência que afeta empresas e empregos no Brasil: o tarifaço de 50% se tornou ainda mais absurdo agora.

Se a maior alíquota da face da Terra ainda é um problema para o país como um todo, pesa em maior proporção sobre o RS, que sofreu forte queda nas vendas para o mercado americano, mais intensa em cidades específicas.

Se quase todos se deram bem com o mega-acordo, sob o constrangimento de quem acreditava na capacidade de o país aprender com seus erros, não há mais razão para uma parcela relevante da economia seguir pagando uma conta que não é sua. E não existe mais razão para que o Brasil tenha de fazer concessões a Trump.

A justificativa inicial citada na famigerada carta do presidente dos EUA que deu início à cobrança injustificável era o tratamento dado ao ex-presidente Jair Bolsonaro, chamado de "vergonha internacional". Agora, não pode sustentar uma tarifa absurda ao quadrado. _

Com resultado de pesquisa eleitoral e ata do Copom, o dólar subiu 0,73%, para R$ 5,462, e a bolsa tombou 2,4%, para 158 mil pontos. Na consulta, Lula bateu todos os adversários e Tarcísio de Freitas, favorito do mercado, encolheu.

Por que venda da Braskem "agora vai"

O anúncio de acordo entre a atual dona da Braskem, Novonor (ex-Odebrecht), e a gestora IG4 Capital para venda do controle da gigante petroquímica, desta vez, é considerado definitivo. O mercado avalia que a operação está fechada e só depende da conclusão dos processos burocráticos para ser concluída. Isso significa que a maior parte do polo de Triunfo, um dos maiores complexos industriais do Estado, terá novo proprietário até março.

1. O apetite da IG4

Nas tentativas anteriores, os candidatos a compradores eram mais reticentes. Embora tenham feito movimentações de bastidores, não demonstraram com tanta ênfase, por meio de interlocutores, o comprometimento da Novonor - por meio de seu veículo financeiro NSP - com o fechamento definitivo do negócio.

2. A falta de opções da Novonor

A dona da Braskem era a Odebrecht, que consolidou várias operações petroquímicas no país, inclusive no RS, com a compra de unidade de concorrentes. Com a Lava-Jato, a empreiteira da família entrou em recuperação judicial - depois da primeira tentativa fracassada de venda da Braskem - e deu aos bancos credores ações da petroquímica como garantia. A paciência de Itaú Unibanco, Santander, Bradesco, Banco do Brasil e BNDES se esgotou depois do ensaio mais recente de venda, ao empresário Nelson Tanure.

3. A posição da Petrobras

Em nota, a estatal, que tem 36,1% da Braskem, fez o habitual discurso de que vai aguardar a evolução do acerto para decidir sobre seu direito prioritário de compra do controle, estabelecido em acordo de acionistas. Mas antecipou que está "avaliando a celebração de um novo acordo, considerando as tratativas em curso entre Novonor e FIDC" (a compra pela IG4 se dá por meio de um fundo). A atual presidente, Magda Chambriard, já afirmou que deseja mais poder na Braskem, e a futura controladora fala em "cogestão" com a estatal.

4. A crise no segmento

Em condições normais, a Braskem teria condições de não depender de aportes do controlador. Mas a China ampliou muito sua capacidade de produção do mesmo tipo de resinas - base para fabricação de embalagens, peças para carros e até chiclete. No Brasil, há aumento da importação dos EUA, que produz mais barato graças ao gás de xisto (shale gas). Isso tira mercado da gigante petroquímica e provoca níveis de ociosidade muito elevados. A companhia "queima caixa", ou seja, gasta mais do que ganha com a operação.

5. A especialidade da IG4

A IG4 Capital é uma gestora de investimentos criada em 2016. Uma de suas especialidades é chamada de "market dislocations", ou seja, quando o preço do ativo está distante do considerado justo por condições anormais de mercado, como choques econômicos, pânico ou crises de liquidez, caso da Braskem. Um dos fundadores mais conhecidos é Paulo Mattos, que foi diretor-geral da GP Investimentos e vice-presidente de estratégia de negócios da Oi. _

Decisões da semana definem futuro do acordo UE-Mercosul

Esta semana será decisiva para o futuro do acordo entre Mercosul e União Europeia (UE). Antes de eventual assinatura no próximo sábado, duas votações na Europa são necessárias para um avanço efetivo. A primeira ocorreu ontem: o Parlamento Europeu aprovou mecanismos de salvaguarda para importações agrícolas.

Na prática, dá mais proteção comercial aos produtores europeus. Seria uma tentativa de atrair países contrários a aprovar o acerto, mas não teve o efeito esperado. A votação para validar o tratado está marcada para amanhã, quando o Conselho Europeu dará ou não autorização à Comissão Europeia, espécie de Poder Executivo do bloco, para assinar o pacto. Precisa do aval de pelo menos 15 países que representem 65% da população do bloco. A grande dúvida é sobre a posição da Itália, que pode se aliar à França, que, no último domingo, pediu adiamento. Com apoio de outros países contrários, como Polônia e Hungria, a articulação franco- italiana pode bloquear o acordo. Um adiamento, depois de duas décadas e meia, pode representar o fim das negociações. _

Chance de corte

Ex-diretor de política monetária do Banco Central (BC), Fabio Kanczuk diverge das leituras dominantes de que o Comitê de Política Monetária (Copom) não deu sinais de corte no juro em 28 de janeiro de 2026. Na sua avaliação, comunicado e ata mostram um BC "sem amarras" para começar o esperado ciclo de baixa. Prevê redução de 0,25 ponto percentual em janeiro e de 0,5 p.p. em março, para chegar ao final de 2026 com Selic em 11,5%. O profissional, hoje diretor de macroeconomia do ASA, diz que a adição de um termo mudou o sentido da expressão "período bastante prolongado":

- Em reunião pública, o presidente do BC disse que isso não se refere ao futuro. Como ficou um pouco confuso, no comunicado adicionaram o "em curso". O "bastante prolongado" não é a partir de agora, mas do momento em que o juro começou a subir. _

GPS DA ECONOMIA

terça-feira, 16 de dezembro de 2025



16 de Dezembro de 2025
PORTO ALEGRE

PORTO ALEGRE

Votação da revisão da planta do IPTU é transferida para amanhã

Porto Alegre - Júlia Ozorio - Paulo Egídio

A votação do projeto que revisa a planta genérica de valores do IPTU de Porto Alegre foi adiada e deve ocorrer amanhã na Câmara de Vereadores. A proposta, enviada pelo Executivo municipal, era uma pauta prevista para ontem, mas não foi apreciada. O adiamento ocorre em meio a um cenário de resistência dentro da própria base aliada do governo e necessidade de articulações com a oposição para garantir os votos necessários à aprovação.

O projeto precisa do apoio de ao menos 18 dos 35 vereadores. Uma das principais oposições ao texto vem do chamado "bloco da liberdade", formado por vereadores de PL, PP, Novo e Cidadania. São pelo menos 10 parlamentares contrários.

O governo dialoga com partidos de oposição para viabilizar a aprovação ainda neste ano. Parlamentares de PT e PCdoB sinalizaram disposição para avaliar o texto, enquanto o PSOL mantém posição contrária. 


16 de Dezembro de 2025
OUSADIA DO CRIME

OUSADIA DO CRIME

Drone levou pistola que matou líder de facção dentro da cadeia

Investigação esmiuçou estratégia de criminosos para executar rival a tiros no interior da Penitenciária Estadual de Canoas 3, há pouco mais de um ano. Episódio gerou crise no sistema penal gaúcho à época, mas Polícia Civil afirma que não houve culpa por parte dos funcionários da prisão

Leticia Mendes

A pistola usada para executar um líder de facção dentro da Penitenciária Estadual de Canoas 3 (Pecan 3), em 23 de novembro do ano passado, aterrissou na prisão levada por um drone. É o que aponta um inquérito do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que aprofundou as investigações sobre o episódio - o qual gerou, à época, uma crise no sistema penal gaúcho.

Um vídeo obtido pela Polícia Civil mostra um objeto sendo entregue pelo drone próximo da cela onde estavam os supostos autores do assassinato. A investigação descartou uma possível facilitação de policiais penais no crime.

A vítima do homicídio foi Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, o Nego Jackson, que ocupava sozinho a cela 8, na área de isolamento da Pecan 3, local com bloqueadores de celular. Considerado líder de uma facção da Capital, ele sabia que estava em perigo. Chegou a escrever um bilhete à direção da casa prisional, no qual afirmou temer por sua segurança e alertou que drones eram usados para arremessar telefones e rádios para dentro do isolamento.

Do outro lado do corredor, na cela 7, estava um de seus principais rivais: Rafael Telles da Silva, o Sapo, líder de outra facção. Sapo dividia a cela com Luis Felipe de Jesus Brum, suposto integrante do mesmo grupo e preso pelo assalto milionário a um avião pagador no aeroporto de Caxias do Sul, em junho de 2024.

O ataque

Jackson estava deitado, lendo, quando Sapo se aproximou pelo corredor. Do outro lado da porta de ferro, chamou o rival pela portinhola. A porta do cárcere de Sapo havia sido aberta segundos antes por um policial penal, que realizava a contagem de presos, a partir do corredor do andar superior. Sapo deveria ter aparecido no corredor, respondido ao agente e retornado para sua cela. Não foi o que fez.

O preso avançou na direção da porta da cela de Jackson e os dois trocaram algumas palavras - a polícia acredita que Sapo tenha prometido uma trégua e sugerido que apertassem as mãos. Quando Jackson se levantou da cama e se aproximou, uma mão com uma pistola atravessou a portinhola e executou o preso. Conforme a apuração, quem apertou o gatilho teria sido Brum. Depois, os presos retornaram à cela 7, abandonando a arma no corredor.

A execução foi seguida por gritos dos outros presos. Do lado das celas de número par, estavam os companheiros de Jackson, enquanto no oposto, ficavam os inimigos. O único agente no andar superior, que realizava a contagem, tinha pouca visão sobre o que acontecia debaixo de seus pés. Então, correu e pediu apoio aos colegas. Quando eles conseguiram ingressar na área, Jackson já estava morto. _

"Estão se articulando pra apagar ele", alertou agente. Segundo a delegada Graziela Zanelli, da Delegacia de Homicídios de Canoas, constatou-se que o policial penal tinha pouquíssima chance de reagir ao assassinato:

- Ele não tinha certeza de quem estava atirando e havia risco de ricochete. Se concluiu que ele não tinha outra maneira de agir. Tudo foi muito rápido, em cerca de 35 segundos. A delegada também confirmou que rivais ficavam separados por um corredor:

- Em um lado da galeria ficava uma facção e do outro, a rival. Era uma dinâmica para as pessoas que precisavam permanecer sem sinal de celular.

Além do bilhete escrito por Jackson, um áudio obtido pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) em maio revelou que um policial penal alertou a direção da Polícia Penal sobre o plano de assassinato. A mensagem teria sido enviada na véspera do crime.

- Os caras tão se articulando pra pegar e apagar ele (Jackson) - alerta o servidor no áudio.

Conclusões

A polícia afirma que esses relatos também foram levados em conta na investigação, mas que nem mesmo Jackson conseguiu dizer aos familiares e à defesa dele quem seriam as pessoas que poderiam vir a executá-lo.

- Em relação aos servidores, não constatamos nenhum tipo de dolo ou culpa - afirma a delegada Graziela.

Logo após a morte do preso, cinco servidores foram afastados, incluindo o diretor da penitenciária. Uma sindicância foi aberta pela Polícia Penal. Em nota, a corporação afirma que concluiu a fase preliminar, mas não detalhou o resultado.

Já a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo diz que todos os procedimentos foram realizados após a chegada do bilhete. Acrescenta que "diariamente, inúmeros informes são recebidos no sistema prisional, na sua quase totalidade falsos, com o intuito de promover desordem. Todos eles, porém, são tratados com seriedade". _

A chegada da arma

Como a pistola entrou na cela 7

1 - O sobrevoo

Na madrugada anterior à execução, um drone desce na direção das celas ímpares do isolamento da Pecan 3. Uma câmera registra o momento. No vídeo, é possível ver que os presos usam uma estratégia para que o piloto do drone saiba onde deixar a encomenda. - Dentro da cela, eles acendiam e apagavam a luz. Isso servia de guia para quem estava do lado de fora, operando o drone - relata o delegado Rafael Pereira, diretor da Divisão de Homicídios da Região Metropolitana.

2 - A "pescaria"

Suspensa por uma linha presa ao drone, a pistola é deixada no pátio, em meio ao lixo que é arremessado pelos presos, e é "pescada" para dentro da cela.

Segundo a apuração, os presos usaram dois cabos de vassoura emendados para alcançar a arma e puxá-la para dentro. A ação foi simulada pela perícia, durante a investigação.

- Os peritos realizam uma tentativa de capturar um objeto, na dimensão do que foi deixado pelo drone. Eles conseguiram afirmar que sim - explica a delegada Graziela Zanelli.

3 - Drible na revista

Após constatarem a aproximação do drone, os agentes decidem revistar as celas do lado ímpar, em busca do que havia sido deixado. Na ocasião, a penitenciária não tinha equipamento antidrone. - Era muito escuro, e os policiais penais não enxergavam o drone. Iriam atirar a esmo. E a sujeira, que os presos deixaram propositalmente, acabou impedindo que esse objeto fosse identificado - diz a delegada.

Ao perceberem que haveria revista, os presos jogam a caixa com a pistola de volta ao pátio, em meio ao lixo. Nas celas, os agentes encontram só porções de drogas e um radiocomunicador. - Essa pode ter sido uma estratégia dos presos, para que os agentes pensassem que tinham localizado o que havia entrado pelo drone - comenta o delegado Pereira.

Depois, os presos puxam a arma novamente para dentro. Ao revistar o lado externo, os agentes já não localizam nada.



16 de Dezembro de 2025
RECURSOS

Estado vai destinar quase R$ 211 milhões para projetos sociais

Recursos

Investimentos incluem ampliação de programas voltados a gestantes, a jovens aprendizes e a pessoas em situação de vulnerabilidade em 2025

Kathlyn Moreira

O governo do Estado anunciou ontem R$ 210,9 milhões em investimentos na área de assistência social. Os recursos serão para iniciativas destinadas a pessoas em situação de rua e vulnerabilidade social, além de cozinhas comunitárias, programas ligados a jovens aprendizes e a gestantes de comunidades carentes.

Durante a cerimônia, o governador Eduardo Leite destacou a relevância dessas políticas públicas, como uma forma de incentivo à economia gaúcha pelas oportunidades criadas.

- Para aqueles que eventualmente não estejam convencidos ainda disso, é importante lembrar também dos impactos econômicos que isso traz para a nossa sociedade. Por isso que é mais futuro não apenas para as pessoas, que são beneficiadas diretamente, mas para todos nós - afirmou Leite. _

Veja os detalhes do que foi anunciado - Mãe Gaúcha

Para o próximo ano, serão R$ 19 milhões encaminhados para ampliação do projeto Mãe Gaúcha, que entrega itens de enxoval para bebês. Ao todo, a terceira edição da iniciativa distribuirá mais de 31,5 mil bolsas com os produtos para grávidas de 424 municípios.

RS Social Recomeço

Em convênio com prefeituras, o programa atenderá Porto Alegre, Caxias do Sul, Pelotas e Santa Maria, que segundo dados do CadÚnico são os municípios com os maiores números de pessoas em situação de rua. Lançado durante a solenidade, o projeto é inspirado nas Vilas Reencontro, em São Paulo, que são locais provisórios de moradia e assistência para retirada dessa população das ruas. O investimento é de R$ 40 milhões.

Partiu Futuro Reconstrução

A 2ª edição do projeto terá ampliação de 23 para 75 municípios e receberá investimento de R$ 100,8 milhões para oportunidades a jovens aprendizes. A nova fase da iniciativa contemplará 278 mil jovens e tem parceria com as Renapsi e CIEE.

Prato Gaúcho

O Estado lançou um convênio com municípios para apoiar cozinhas comunitárias, que fornecem refeições gratuitas à população em vulnerabilidade social. Serão destinados R$ 20 milhões para implantação e ampliação de 40 cozinhas comunitárias em 40 municípios. Serão atendidas pessoas inscritas no CadÚnico e famílias beneficiárias dos serviços socioassistenciais (CRAS, CREAS e Centros POP).

Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional

Como forma de auxiliar o trabalho dos Pontos Populares de Soberania e Segurança Alimentar e Nutricional (PPSSAN), o governo gaúcho anunciou a aquisição de 1,7 tonelada de alimentos de organizações da agricultura familiar gaúcha, por meio da iniciativa Do Campo ao Prato. O repasse será de R$ 20 milhões, atingindo 110 municípios e até 660 organizações de agricultura familiar.

Avançar Mais - SUAS

São R$ 11,1 milhões para obras de construção ou reforma e para aquisição de equipamentos e veículos para secretarias de Assistência Social, por meio do Fundo de Assistência Social. Serão contempladas 44 cidades.



16 de Dezembro de 2025 
EM FOCO - EM FOCO

Na média, valor pago por itens comuns na celebração deste ano ficou estável, mas carnes e oleaginosas tiveram alta, enquanto batata e arroz ficaram mais baratos, aponta pesquisa. Consumidores buscam as melhores opções disponíveis e não descartam fazer substituições de mercadorias

Driblando os preços altos para garantir a ceia de Natal

Todos os anos, a porto-alegrense Luciana Oliveira, 47 anos, segue o mesmo ritual: logo após os primeiros dias de dezembro, começa a peregrinação a diferentes pontos de compra da cidade em busca dos itens que formarão sua ceia de Natal. Nessa rotina, Luciana percebe e busca driblar as variações nos preços dos ingredientes.

Conforme levantamento realizado em Porto Alegre pelo Núcleo de Pesquisa Econômica Aplicada do Instituto de Estudos e Pesquisas Econômicas (Iepe) da UFRGS com produtos comuns na ceia, a variação média do preço do conjunto de produtos em 2025, em relação ao ano passado, cresceu 0,20%. Embora na média tenha havido certa estabilidade, do grupo de 42 itens pesquisados, 20 apresentaram elevação nos preços, com altas que vão de 3,52% a 40,70%.

- Nos últimos anos, a ceia tem ficado cada vez mais cara. Lá em casa, já trocamos o peru pelo chester, e neste ano talvez a gente escolha alguma ave ainda mais barata. Nozes, castanhas e frutas cristalizadas, que a gente gosta, também estão com preços bem altos - queixa-se Luciana, que na sexta-feira fazia compras no Mercado Público de Porto Alegre.

Os preços das carnes típicas do período subiram, em comparação com o ano passado, mostrou a pesquisa do Iepe. O peru, um dos itens mais consumidos nas ceias, teve elevação média de 7,20%. Bacalhau (4,66%), chester (7,09%), pernil (8,99%), tender (16,26%) e lombo de porco (17,93%) também registraram alta nos preços.

As oleaginosas, de forma geral, estão entre os itens que apresentaram maior elevação de preço neste ano em relação a 2024 na Capital. O produto que registrou maior crescimento foi a castanha-do-pará, com 40,70%, seguida pelas nozes, com 31,63%.

- As oleaginosas, como a castanha-do-pará, foram muito impactadas neste ano pela questão climática, já que secas no norte do país causaram a maior quebra de safra na produção dos últimos 20 anos. Como alternativa, é possível olhar para produtos que tiveram queda nos preços, como a ameixa seca (-9,01%) ou mesmo a azeitona (-8,14%) - aponta o economista Raphael Castro Martins, um dos membros da equipe do Iepe que realiza o estudo.

"Patamar elevado"

A pouca variação média de preços entre o fim de 2024 e este ano não significa que o consumidor não esteja encontrando dificuldades para comprar os itens da ceia. A estabilidade deste ano é precedida de seguidas elevações substanciais.

A média de preço dos itens, segundo a mesma pesquisa do Iepe, teve, em 2024, o crescimento em relação ao ano anterior de 6,56%. Em 2023, foi de 10,75%; em 2022, 16,85%; e em 2021, 13,74%.

- O comportamento do preço dos alimentos no domicílio foi muito positivo neste ano, inclusive foi o que mais ajudou a inflação nacional a ficar no intervalo da meta. Mas este é um fenômeno de 2025, já que nos últimos anos, principalmente desde a pandemia, o crescimento tem sido constante. Segundo os dados do IBGE, de janeiro de 2020 a novembro de 2025, a inflação dos alimentos a domicílio subiu 57%, enquanto a média do IPCA foi de 38%. A estabilização dos preços médios ocorreu neste ano, mas em um patamar que já estava elevado - explica o economista André Braz, coordenador do Índice de Preços ao Consumidor do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getulio Vargas (FGV Ibre).

"Salário não sobe junto"

Essa estabilização em patamar elevado é sentida pelos consumidores da Capital. Andréa Barcellos, 46 anos, moradora da Lomba do Pinheiro, vai trocar alguns itens da ceia deste ano que estão com preços mais altos.

- Os preços sobem, mas o nosso salário não sobe junto. Neste ano, algumas frutas que compramos para compor a ceia, como cereja e romã, estão muito mais caras do que ano passado, então vamos comprar mais uvas - ressalta Andréa.

Os preços da cereja e da romã de fato subiram neste ano, com altas de 22,01% e 12,81%, respectivamente. Já a uva recuou 5,86% no preço médio.

- Quando você fala com o consumidor, ele sente os preços pressionados, sim, por causa dessa sequência de crescimento inflacionário dos últimos anos. Se a inflação dos alimentos no domicílio subiu 57% e o IPCA 38% desde janeiro de 2020, e se o salário é corrigido com base no IPCA, há uma diferença de 19 pontos percentuais no período - reforça Braz. 

segunda-feira, 15 de dezembro de 2025


15 de Dezembro de 2025
CARPINEJAR

Meu querido Adenor

Eu sei que você pode escolher. Você é o melhor técnico brasileiro, campeão do mundo pelo Corinthians - aliás, campeão de tudo (Copa do Brasil, Brasileirão, Libertadores e Sul-Americana), que alcançou incomparáveis 80% de aproveitamento com a seleção brasileira.

De longe, o Inter não é a sua opção financeira mais vantajosa. Não dispomos de vitrine internacional em 2026. Não temos Libertadores, sequer Sul-Americana para atraí-lo.

Escapamos do rebaixamento com o milagre de resultados paralelos, na última rodada. Não devemos nos arriscar novamente. Não suportaríamos repetir a sina.

A realidade que oferecemos não corresponde ao que você merece. Mas o tamanho dos sonhos, sim. Nossos sonhos possuem a sua estatura.

Garanto que você contará aqui com a torcida mais apaixonada, a mais compreensiva, a mais leal e a mais grata. Estamos carentes por sorrisos.

É natural a figura do Tite optar por qualquer equipe de maior aporte nacional ou estrangeiro, com investimentos milionários, mas procuro falar com o caxiense como eu, Adenor, o homem ligado à família e aos valores de nossa terra, que cuidou dos seus pais até o adeus, que superou os imprevistos do destino - como o encerramento precoce da carreira de jogador aos 28 anos, por problemas no joelho - e que se reinventou na casamata, partindo de baixo, sem pistolão, na base do suor, conduzindo o Caxias ao título gaúcho.

Aquilo que você construiu é seu, ninguém facilitou a sua vida. Só Adenor é capaz de aceitar a proposta colorada, de enxergar a estrela no meio do caos, de lapidar o viço da coragem num ambiente opaco de descrédito e desânimo. Você nos levantaria das cinzas, do mesmo modo que você se reergueu do período obscuro da crise de ansiedade e arejou a mente.

Assim como você zelou bravamente pela sua saúde emocional em abril, o clube também precisa de socorro. Também depende de alguém com a sua sensibilidade e método, com a sua experiência e exemplo, que reequilibre o psicológico e devolva a confiança.

Somos você quando percebeu que não dava para continuar daquele jeito. Somos você ontem. Queremos ser você hoje, queremos ser você amanhã. Podemos nos tornar um só agora.

Até porque eu acredito que foi o Adenor que salvou o Tite, o humano dentro do extraordinário, aprendendo os limites e dizendo "basta". Que o Inter volte a ser gigante pelas suas mãos, pela sua regência. Você nos fez jogar bonito em 2008, com a conquista da Sul-Americana. Lembro que bailávamos: transições rápidas, contra-ataques sorrateiros, infiltrações inusitadas.

Havia a muralha defensiva com Bolívar, Álvaro, Índio e Marcão. Edinho ficava à frente do pelotão, Guiñazú e Magrão marcavam de maneira incansável, criando brechas para as triangulações letais entre D?Alessandro, Alex e Nilmar. Transbordavam organização tática e garra. Foram 58 vitórias em 109 partidas, numa das mais vistosas fases do Inter do século.

Desejamos seu retorno por saudade e esperança entrelaçadas. Não pense, sinta. Se raciocinar em excesso, se analisar os prós e contras, se pesar os argumentos racionais e pragmáticos, é provável que decline do convite.

Mas, se apenas sentir, deixar-se levar pelos desígnios insondáveis do coração, observar a expectativa da massa vermelha enlouquecida, de um povo sofrido que busca um recomeço, não existirá maior desafio para a sua criatividade e reconhecimento pela sua presença.

Acolha o nosso imenso respeito e amor por você. Nós o esperamos. Abel já veio, só falta você, meu Adenor.  Desejamos seu retorno por saudade e esperança entrelaçadas. Não pense, sinta.

CARPINEJAR


15 de Dezembro de 2025
CLÁUDIA LAITANO

Parem de nos matar

Os atos do início do mês foram convocados como reação a uma sequência de crimes com repercussão nacional - seja pelo nível de brutalidade, seja porque uma câmera registrou a agressão. Mas, em essência, não há nada de excepcional nos episódios que vieram à tona nas últimas semanas. Trata-se do indigesto pão-nosso de cada dia.

Baseada no podcast Praia dos Ossos (2020), a série conta a história do assassinato que obrigou a sociedade brasileira dos anos 1970 a repensar os chamados "crimes de honra" ou "crimes passionais" - termos que emprestavam uma aura quase romântica ao feminicídio. No Réveillon de 1976, em Búzios, a socialite Ângela Diniz (Marjorie Estiano) foi assassinada pelo namorado, o boa-vida Doca Street (Emílio Dantas). Julgado em 1979, Doca foi condenado a uma pena de 18 meses e saiu livre do tribunal.

A história poderia ter terminado aí, como tantas outras, mas a escandalosa decisão a favor do assassino mobilizou feministas e simpatizantes em todo o país. O slogan do movimento, "quem ama não mata", fazia referência ao argumento, muito comum na época, de que homens traídos, ou abandonados, matavam "por amor". (Dessa praga, parece, nos livramos.) Em 1981, Doca Street foi submetido a um novo julgamento e condenado a 15 anos de prisão. Cumpriu apenas três em regime fechado.

Ângela Diniz tem o padrão de qualidade costumeiro das produções de Andrucha Waddington - direção de arte impecável, reconstituição de época cuidadosa, bons atores. Se ficou aquém do podcast, e essa é a minha impressão, foi porque falhou ao não contar melhor a parte mais importante do caso. A mobilização que resultou no segundo julgamento aparece apenas em flashes, nos últimos minutos da série. 

Uma pena. Se hoje temos a Lei Maria da Penha, a tipificação do feminicídio, a proibição da culpabilização da vítima e grandes manifestações para reivindicar soluções (sai "quem ama não mata" , entra "parem de nos matar"), muito se deve àquelas feministas heróicas que, nadando contra o reacionarismo dominante no Brasil dos anos 1970, decidiram reescrever o final dessa história. 

Cláudia Laitano


15 de Dezembro de 2025
POLÍTICA E PODER - Paulo Egídio

Melo precisa da esquerda  para aprovar revisão do IPTU

Com uma defecção ampla na coluna direita de sua base aliada, o prefeito Sebastião Melo precisará contar com votos da oposição para aprovar o projeto que estabelece uma nova fórmula de cálculo para a revisão da planta do IPTU. O texto está no topo da pauta de votações de hoje na Câmara.

A proposta torna a fórmula de cálculo mais objetiva e divide o mapa da cidade em cerca de 500 regiões para o cálculo do imposto, um recorte mais detalhado do que o atual, em que há apenas três divisões fiscais. A previsão da prefeitura é de que a medida provoque aumento do tributo para 45,8 mil imóveis e redução para outros 173,8 mil. Para a maior parte das propriedades (643 mil), não haverá alterações significativas.

Desde a formulação do texto pela Secretaria da Fazenda, a ala mais à direita no consórcio governista demonstrou resistência à medida nas reuniões fechadas com o prefeito e com técnicos da pasta. A prefeitura chegou a amenizar o teor do projeto, reduzindo o crescimento da arrecadação de R$ 60 milhões para R$ 17 milhões por ano, mas o alívio foi insuficiente para convencer os aliados.

Encampada inicialmente pelo Novo, a resistência arrastou o PL, maior bancada da base e partido da vice-prefeita, Betina Worm, e o PP, além do vice-líder do governo, Marcos Felipi Garcia (Cidadania). O grupo de 10 vereadores divulgou nota anunciando voto contra o projeto e resiste em recuar.

Enquanto isso, o governo recebeu recados de que a oposição estaria aberta a apoiar a proposta, por considerar justo o impacto maior nos imóveis valorizados e o consequente alívio aos de menor valor. Embora o PSOL resista, parlamentares de PT e PCdoB consideram apoiar a medida.

O cálculo político, todavia, é complexo. No núcleo do governo, há receio de criar uma cizânia na base para votações futuras caso se confirme o pacto com a esquerda. Por isso, a orientação é tentar um acerto com os aliados até o último momento. O prefeito recebeu as bancadas rebeldes para conversas em separado, mas não recebeu sinais positivos.

Para que as novas regras sejam consideradas no IPTU de 2026, o projeto precisa ser aprovado ainda neste ano. Se não passar, Melo promete cortar descontos ou isenções direcionados a imóveis do Centro e do 4º Distrito, ao setor hoteleiro e a associações comunitárias.

Impacto detalhado

Em audiência pública na sexta-feira, a Secretaria da Fazenda detalhou o impacto da revisão da planta no valor do IPTU. Conforme a pasta, dos 45,8 mil imóveis que terão aumento do imposto, 88% têm valor superior a R$ 700 mil. Veja detalhes na tabela abaixo. _

Imóveis com aumento

Valor Quantidade Proporção

R$ 85 mil a R$ 400 mil 359 0,8%

R$ 400 mil a R$ 700 mil 5.010 10,9%

Acima de R$ 700 mil 40.491 88,3%

Total 45.860 100%

Imóveis com redução

Valor Quantidade Proporção

R$ 85 mil a R$ 400 mil 123.838 71,2%

R$ 400 mil a R$ 700 mil 26.058 15%

Acima de R$ 700 mil 23.955 13,8%

Total 173.851 100%

Imóveis de até R$ 85 mil são isentos

A prefeitura incluiu no projeto uma trava que limita os aumentos a 10% ao ano Fonte: Secretaria Municipal da Fazenda

mirante

O governo estadual liberou R$ 8,98 milhões do Funrigs, o fundo da reconstrução, ao Tribunal de Contas do Estado, para compensar despesas emergenciais da enchente e bancar projetos de resiliência.

O auditor Marcelo Spilki toma posse hoje na presidência da Agergs, agência reguladora estadual. Spilki é conselheiro da Agergs desde abril do ano passado e substitui Luciana Luso de Carvalho no cargo.

Dose

No comando do PP estadual, a família Covatti planeja eleger dois deputados estaduais em 2026. Além da vereadora de Santa Cruz do Sul Nicole Weber, esposa do deputado federal Covatti Filho, o grupo prepara a candidatura de Sandro Franciscatto, irmão da deputada Silvana Covatti.

Para facilitar a identificação pelos eleitores, o político já adotou, nas redes, a alcunha de "Sandro do Covatti". _

A CPI dos Pedágios criada na Assembleia terá maioria de deputados contrários às concessões do governo Leite. Com isso, o Piratini corre risco de ser derrotado em votações de requerimentos e convocações.

Rumo aos tribunais

O governador Eduardo Leite sancionou lei que prevê a realocação de verbas de fundos administrados pelo Ministério Público, repassando 20% dos recursos do Fundo de Reconstituição dos Bens Lesados (FRBL) ao Fundo de Reaparelhamento do MP, com efeitos retroativos a 2024.

A medida é questionada pelo Ministério Público do Trabalho, que repassou R$ 80 milhões ao FRBL para ações de apoio a vítimas da enchente. O MPT fez apelos pelo veto de Leite e deve entrar na Justiça contra a retroatividade.

Em ofício ao órgão, Leite indicou que quase todos os recursos doados já foram aplicados. _

Paralisia legislativa

Junto do pagamento do IPVA, motoristas gaúchos terão de quitar novamente a taxa de licenciamento, de R$ 109,27. Desde 2020, o Certificado de Registro de Licenciamento de Veículos (CRLV) foi digitalizado e não é mais entregue em papel.

O deputado Rodrigo Lorenzoni (PP) apresentou projeto para acabar com a taxa, mas o texto está travado na Comissão de Constituição e Justiça na Assembleia desde março de 2024, por cancelamentos de reuniões, pedidos de vista e ausências de relatores.

Em Santa Catarina, o fim da taxa foi aprovado na semana passada pelos deputados. _

Para ser a pioneira

Líder do PT na Câmara de Porto Alegre, a vereadora Natasha Ferreira vai concorrer à Assembleia em 2026. Natasha tornou pública a pré-candidatura ontem, no protesto contra a anistia, do qual participou ao lado da deputada estadual Laura Sito e do presidente estadual do PT, Valdeci Oliveira.

Natasha, que almeja ser a primeira deputada trans eleita no Estado, formalizou a intenção de concorrer em carta enviada ao diretório estadual.

A decisão da vereadora foi tomada após Laura se lançar a deputada federal. Ambas fazem parte da corrente Socialismo em Construção, a mesma de Valdeci e do deputado Paulo Pimenta, que disputará o Senado. 

Cadeira vazia

A Secretaria Estadual de Desenvolvimento Urbano e Metropolitano (Sedur) completou um mês sem titular após a saída de Marcelo Caumo, alvo de operação da Polícia Federal.

Desde então, o adjunto Fernando Classmann responde interinamente pela pasta. 

Aulas de tradiçã

O governo estadual anuncia nos próximos dias o programa CTG na Escola. O plano é firmar convênios com entidades tradicionalistas para ministrar oficinas culturais aos estudantes.

O programa receberá mais de R$ 3 milhões e será feito em parceria com o MTG. _

POLÍTICA E PODER


15 de Dezembro de 2025
INFORME ESPECIAL - Rodrigo Lopes

Com Kast, direita reequilibra a balança de poder na América do Sul

O candidato José Antonio Kast foi eleito ontem o novo presidente do Chile, em um processo eleitoral que marca o retorno da direita ao poder no país sul-americano, depois de quatro anos de Gabriel Boric no Palacio de la Moneda. O pleito também significou uma contundente derrota da esquerda no país sul-americano.

Sua vitória reequilibra a balança ideológica de poder na América do Sul, que, até este domingo, pendia para a esquerda e centro-esquerda.

Kast (Partido Republicano), que muitas vezes foi considerado o "Jair Bolsonaro chileno", chega à presidência em sua terceira tentativa. No segundo turno, realizado ontem, ele derrotou Jeannette Jara, do Partido Comunista, com 58,2% dos votos contra 41,8% da líder de esquerda, que exerceu o cargo de ministra do Trabalho do governo de Boric.

Foi uma eleição marcada não apenas pela polarização direita-esquerda, mas também pelo forte apelo por uma agenda de segurança. Essa é uma das principais preocupações da população, depois dos protestos que sacudiram o país, iniciados em razão da elevação dos preços do transporte público de Santiago e que se tornaram um grito contra as políticas neoliberais.

O governo Boric, o presidente mais jovem a chegar ao La Moneda, em 2021, também encerra seu mandato com forte rejeição: mais de 60%. Ele enfrentou ainda uma acusação de assédio sexual contra uma mulher, que teria ocorrido em 2013, mas que o presidente nega categoricamente.

Esse também foi um pleito marcado por fantasmas do passado recente e mais antigo do Chile. Fissuras da ditadura de Augusto Pinochet seguem presentes, como o apoio de Kast a próceres do regime, assim como as promessas não cumpridas de uma nova Constituição pós-estallido social e pós-Pinochet por parte de Boric.

Kast é advogado, tem 59 anos, e consolidou sua agenda em torno da promessa de um governo de emergência contra a criminalidade e a imigração ilegal. "O Chile voltará a ser um país seguro" é um dos slogans de sua campanha.

Com a vitória de Kast, a direita contabilizará seis presidentes na América do Sul. Atualmente, comanda o Paraguai (Santiago Peña), o Equador (Daniel Noboa), a Argentina (Javier Milei), a Bolívia (Rodrigo Paz Pereira) e o Peru (Dino Baluarte).

A esquerda governa no Brasil (Lula), na Venezuela (Nicolás Maduro), na Guiana (Irfaan Ali), no Suriname (Jennifer Geerlings-Simons) e no Uruguai (Yamandú Orsi). _

Atacar judeus em celebrações religiosas não é por acaso

Não há lugar seguro para judeus - nem em Israel, como ficou evidenciado no massacre de 7 de outubro de 2023. Vitaminado por discursos de ódio e instrumentalizado politicamente, o antissemitismo tem transitado rapidamente de declarações retóricas, pichações em muros e cartazes aparentemente inofensivos para atos mortíferos, durante celebrações religiosas em diferentes quadrantes.

O massacre de dois anos atrás em Israel ocorreu durante o Simchat Torá. Ontem, na Austrália, foi no Chanuká, a festa das luzes, que marca a vitória dos macabeus contra o rei Antíoco IV e a reconquista do segundo Templo de Jerusalém, no século 2 a.C. É emblemática justamente por simbolizar a luta pela liberdade religiosa.

Atacar judeus em momentos de celebração de sua fé, como ontem, não é por acaso. É uma tentativa de impor o medo.

O conflito entre Israel e o grupo terrorista Hamas contribuiu para o aumento do antissemitismo pelo mundo. Os relatórios em diferentes países documentam essa realidade. Confunde-se as condenáveis ações do governo do primeiro-ministro israelense, Benjamin Netanyahu, em Gaza, com o direito do povo judeu de existir e viver em paz, algo inalienável.

Condenar e criticar manobras militares, ataques a civis e decisões políticas é uma coisa. Desejar o extermínio de um povo é outra. Antissemitismo é racismo.

A série de ataques que matou ontem pelo menos 15 pessoas na praia de Bondi, em Sydney, ocorreu em um dos países mais seguros do mundo, inclusive com restrições severas a armas que dificultaram, desde 1996 (o último grande ataque do tipo), massacres. Mas não é um ato isolado. No último dia 3, o principal documento sobre antissemitismo na Austrália, o relatório ECAJ Report on Anti-Jewish Incidents in Australia 2025, salientou que incidentes contra judeus mantiveram-se em patamares historicamente altos, com picos sustentados após 7 de outubro de 2023.

Dados indicam que o volume foi, em média, quase cinco vezes maior que o usual em anos anteriores, sinalizando mudança estrutural no ambiente de segurança para judeus no país. O relatório agrupa os atos em duas categorias: vandalismo, agressões, ameaças, interrupções em eventos e distribuição de propaganda neonazista; e discurso público, como declarações hostis online e off-line e campanhas de deslegitimação.

Ações coordenadas das autoridades, como maior investigação e inteligência policial, prevenção online, proteção de locais sensíveis e políticas públicas, são fundamentais. Mas não se vence o antissemitismo sem declarações públicas de condenação, como boa parte dos governos, inclusive do Irã, o fez em relação ao atentado em Bondi. O Brasil, em nota, repudiou o ataque e o ódio aos judeus. Agiu, dessa vez, rápido. 

Os integrantes da CPI dos Pedágios

A CPI dos Pedágios, que deve ser instalada amanhã na Assembleia Legislativa, já está composta. O grupo, que terá como presidente o proponente, deputado Paparico Bacchi (PL), se propõe a analisar as concessões de rodovias estaduais à iniciativa privada.

Contou com a assinatura de 20 deputados - de esquerda e de direita. Seus membros serão, além do presidente, os seguintes parlamentares: Miguel Rossetto (Federação PT/PCdoB), Sofia Cavedon (Federação PT/PCdoB), Haley Lino (Federação PT/PCdoB), Frederico Antunes (PP), Guilherme Pasin (PP), Rafael Braga (MDB), Capitão Martim (Republicanos), Professor Bonatto (PSDB), Tiago Cadó (PDT), Aloisio Classmann (União) e Felipe Camozzato (Novo). _

premiação

Aos 30 anos, a Capacità Eventos fecha 2025 com muito a comemorar. Realizou o gerenciamento dos pavilhões dos países na BlueZone, na COP30, operou a AgriZone, e os serviços no estande do Sebrae da Green Zone. A empresa gaúcha ganhou, ainda, quatro troféus Jacaré no Prêmio Caio 2025, a principal do setor.

INFORME ESPECIAL

sábado, 13 de dezembro de 2025


13 de Dezembro de 2025
COM A PALAVRA

Vanessa Soares Maurente - Professora do Programa de Pós-Graduação em Psicologia Social e Institucional da UFRGS

"A maioria das IAs que se usa hoje não tem reconhecimento científico"

A inteligência artificial (IA) está em diversas áreas e não é diferente na saúde mental. Isso pode trazer muitos riscos, conforme alerta a professora Vanessa Soares Maurente. Em entrevista a Zero Hora, ela explica como ferramentas de IA vêm sendo incorporadas na rotina de profissionais da psicologia e quais os potenciais impactos dessa prática.

Sofia Lungui - Como a tecnologia vem transformando os cuidados com a saúde mental?

A tecnologia vem produzindo subjetividade, formas de viver e pensar e políticas cognitivas. Elas não são só ferramentas que a gente usa no nosso cotidiano, são ferramentas que modificam a nossa forma de ser sujeito. E, nesse sentido, elas modificam a nossa forma de se relacionar com o mundo. Estamos vendo o surgimento de inúmeros aplicativos de saúde mental, assim como IAs terapeutas e de diagnóstico, por exemplo. 

A gente teve, após a pandemia, aumento de 400% nas consultas psicológicas online. A partir disso, o Conselho Federal de Psicologia precisou repensar as relações com as tecnologias. Na minha pesquisa, estudo as relações entre sujeitos e tecnologia, e como as tecnologias produzem subjetividade. A gente estuda como a tecnologia produz padrões e reproduz discursos hegemônicos, e como isso produz modos de viver e de sofrimento.

Como você estuda esses processos?

A gente tem trabalhado em dois projetos dentro do Núcleo de Ecologias e Políticas Cognitivas, Tecnopolíticas dos Afetos e Digitalização das Práticas Psis, que é justamente para entender esse uso de plataformas digitais, tanto pra consultas online com terapeutas humanos, quanto a multiplicação de aplicativos de saúde mental.

De que modo a IA vem sendo usada no que tange a saúde mental?

Podemos citar cinco tipos de IAs que se propõem a atuar no campo da saúde mental. Temos a IA de apoio no diagnóstico, por exemplo. Através de APIs (interfaces de programação de aplicações) associadas a aplicativos no celular, essas ferramentas fazem o rastreio de tom de voz, mudanças em padrões de mensagens, mudanças em publicações de redes sociais. 

Ela analisa se você diminui a frequência de ligações, se tem feito compras demais, se você tem ficado mais isolado, por exemplo, tudo pelo celular do paciente. E, a partir disso, pode identificar padrões e auxiliar no diagnóstico. E tem as IAs terapeutas, que é o uso mais frequente, por meio de chatbots que costumam ter como justificativa atender pacientes crônicos, que estão há muito tempo internados em um hospital e não têm acesso à psicoterapia. A principal delas era a Woebot, é a única que teve validação científica, mas foi descontinuada. Uma terceira forma seria o acompanhamento do paciente entre as sessões. 

Além de ser terapeuta, a IA pode acompanhar um paciente com alguma fobia, por exemplo. Tem também a questão da realidade virtual associada à IA. Nesse caso, a IA é usada para expor o paciente a situações e cenários controlados, como uma fobia específica, como pacientes com estresse pós-traumático, sempre acompanhado por um humano. E, por último, a IA pode ser usada em contextos corporativos como um benefício. Assim como tem plano odontológico, plano de saúde, algumas empresas dão acesso a IAs terapeutas para os colaboradores.

Como você enxerga esses usos das ferramentas de IA na saúde mental?

A maioria das pesquisas sobre isso demonstram que, em situações controladas, as IAs voltadas para a saúde mental têm resultados satisfatórios, mas em situações reais esse resultado não é tão satisfatório. Alguns artigos também falam na necessidade de validação desses instrumentos, porque são modelos que são feitos fora do nosso contexto, por pessoas brancas, privilegiadas, do norte global.

Por que fora de contexto?

Elas não são treinadas a partir do nosso contexto, e isso torna as ferramentas muito limitadas. Tem outro estudo que analisou 54 plataformas de IA focadas em saúde mental que mostra que 89% delas vendiam os dados de saúde mental dos usuários para outras empresas por até US$ 15. Outra pesquisa mostrou que apenas 23% das IAs usadas em saúde mental passaram por ensaio clínico randomizado. Então, a maioria das IAs que se usa hoje não tem reconhecimento científico. 

E oferecer isso como um benefício no ambiente corporativo demonstra que, no nosso tempo, a saúde mental virou um luxo, virou uma meta. É o ápice do individualismo e imediatismo. O sujeito pode comprar a saúde mental se quiser, e não custa caro. Os modelos de IA correspondem muito às expectativas do nosso tempo, de ter alguém disponível a qualquer momento, de poder levar o terapeuta no bolso, de não precisar entrar nessa relação terapêutica, que é muito mais difícil de se constituir do que conversar com um chatbot.

Quais riscos e impactos isso pode trazer à saúde mental das pessoas?

Existem muitos riscos em relação a isso. O primeiro deles é a simplificação e automatização da relação terapêutica. A relação do paciente com o terapeuta é uma relação de vínculo, de responsabilidades compartilhadas. O paciente precisa imaginar quem é esse terapeuta, ele precisa imaginar a vida do terapeuta, precisa decidir se vai ou não na terapia naquele dia. E o terapeuta precisa poder silenciar, que é algo que a IA não faz. O segundo risco é em relação ao uso de dados privados, dados sensíveis. Além disso, as IAs correm o risco de produzir uma sociedade individualista, com sujeitos que compreendam que a causa do sofrimento deles é individual.

Pode dar um exemplo?

Podemos pegar o exemplo do racismo. Muitas vezes, as IAs deixam de detectar depressão em homens negros, por exemplo, porque elas são treinadas com base em uma população branca privilegiada e colocam a causa da depressão em situações pessoais do sujeito, e não compreendem as razões do sofrimento psíquico de pessoas negras. A IA não identifica o sofrimento produzido por uma sociedade racista. Tivemos outras questões graves já conhecidas, como chatbots que contribuíram em casos de suicídio.

A tecnologia pode ser uma aliada? Como seria um uso responsável da IA nessa área?

Eu acredito que a tecnologia tem muito potencial, mas não da forma como está sendo produzida. O que eu acho complicado é a gente pensar que esses modelos estão preocupados com a nossa saúde mental. Eles estão preocupados com lucro, com extração de dados. Não podemos achar que a IA vai substituir um psicólogo, ou um psiquiatra, a IA não pode substituir as relações humanas. Podemos pensar em uma IA que seja treinada com diferentes saberes, como ferramentas que possam ajudar a contar outras histórias. Mas, para isso, teríamos que criar IAs com software livre, de código aberto, abordando conhecimentos locais. Teria que ter toda uma construção responsável, de modo a produzir relações menos violentas na nossa sociedade.