terça-feira, 16 de dezembro de 2025


16 de Dezembro de 2025
OUSADIA DO CRIME

OUSADIA DO CRIME

Drone levou pistola que matou líder de facção dentro da cadeia

Investigação esmiuçou estratégia de criminosos para executar rival a tiros no interior da Penitenciária Estadual de Canoas 3, há pouco mais de um ano. Episódio gerou crise no sistema penal gaúcho à época, mas Polícia Civil afirma que não houve culpa por parte dos funcionários da prisão

Leticia Mendes

A pistola usada para executar um líder de facção dentro da Penitenciária Estadual de Canoas 3 (Pecan 3), em 23 de novembro do ano passado, aterrissou na prisão levada por um drone. É o que aponta um inquérito do Departamento de Homicídios e Proteção à Pessoa (DHPP), que aprofundou as investigações sobre o episódio - o qual gerou, à época, uma crise no sistema penal gaúcho.

Um vídeo obtido pela Polícia Civil mostra um objeto sendo entregue pelo drone próximo da cela onde estavam os supostos autores do assassinato. A investigação descartou uma possível facilitação de policiais penais no crime.

A vítima do homicídio foi Jackson Peixoto Rodrigues, 41 anos, o Nego Jackson, que ocupava sozinho a cela 8, na área de isolamento da Pecan 3, local com bloqueadores de celular. Considerado líder de uma facção da Capital, ele sabia que estava em perigo. Chegou a escrever um bilhete à direção da casa prisional, no qual afirmou temer por sua segurança e alertou que drones eram usados para arremessar telefones e rádios para dentro do isolamento.

Do outro lado do corredor, na cela 7, estava um de seus principais rivais: Rafael Telles da Silva, o Sapo, líder de outra facção. Sapo dividia a cela com Luis Felipe de Jesus Brum, suposto integrante do mesmo grupo e preso pelo assalto milionário a um avião pagador no aeroporto de Caxias do Sul, em junho de 2024.

O ataque

Jackson estava deitado, lendo, quando Sapo se aproximou pelo corredor. Do outro lado da porta de ferro, chamou o rival pela portinhola. A porta do cárcere de Sapo havia sido aberta segundos antes por um policial penal, que realizava a contagem de presos, a partir do corredor do andar superior. Sapo deveria ter aparecido no corredor, respondido ao agente e retornado para sua cela. Não foi o que fez.

O preso avançou na direção da porta da cela de Jackson e os dois trocaram algumas palavras - a polícia acredita que Sapo tenha prometido uma trégua e sugerido que apertassem as mãos. Quando Jackson se levantou da cama e se aproximou, uma mão com uma pistola atravessou a portinhola e executou o preso. Conforme a apuração, quem apertou o gatilho teria sido Brum. Depois, os presos retornaram à cela 7, abandonando a arma no corredor.

A execução foi seguida por gritos dos outros presos. Do lado das celas de número par, estavam os companheiros de Jackson, enquanto no oposto, ficavam os inimigos. O único agente no andar superior, que realizava a contagem, tinha pouca visão sobre o que acontecia debaixo de seus pés. Então, correu e pediu apoio aos colegas. Quando eles conseguiram ingressar na área, Jackson já estava morto. _

"Estão se articulando pra apagar ele", alertou agente. Segundo a delegada Graziela Zanelli, da Delegacia de Homicídios de Canoas, constatou-se que o policial penal tinha pouquíssima chance de reagir ao assassinato:

- Ele não tinha certeza de quem estava atirando e havia risco de ricochete. Se concluiu que ele não tinha outra maneira de agir. Tudo foi muito rápido, em cerca de 35 segundos. A delegada também confirmou que rivais ficavam separados por um corredor:

- Em um lado da galeria ficava uma facção e do outro, a rival. Era uma dinâmica para as pessoas que precisavam permanecer sem sinal de celular.

Além do bilhete escrito por Jackson, um áudio obtido pelo Grupo de Investigação da RBS (GDI) em maio revelou que um policial penal alertou a direção da Polícia Penal sobre o plano de assassinato. A mensagem teria sido enviada na véspera do crime.

- Os caras tão se articulando pra pegar e apagar ele (Jackson) - alerta o servidor no áudio.

Conclusões

A polícia afirma que esses relatos também foram levados em conta na investigação, mas que nem mesmo Jackson conseguiu dizer aos familiares e à defesa dele quem seriam as pessoas que poderiam vir a executá-lo.

- Em relação aos servidores, não constatamos nenhum tipo de dolo ou culpa - afirma a delegada Graziela.

Logo após a morte do preso, cinco servidores foram afastados, incluindo o diretor da penitenciária. Uma sindicância foi aberta pela Polícia Penal. Em nota, a corporação afirma que concluiu a fase preliminar, mas não detalhou o resultado.

Já a Secretaria de Sistemas Penal e Socioeducativo diz que todos os procedimentos foram realizados após a chegada do bilhete. Acrescenta que "diariamente, inúmeros informes são recebidos no sistema prisional, na sua quase totalidade falsos, com o intuito de promover desordem. Todos eles, porém, são tratados com seriedade". _

A chegada da arma

Como a pistola entrou na cela 7

1 - O sobrevoo

Na madrugada anterior à execução, um drone desce na direção das celas ímpares do isolamento da Pecan 3. Uma câmera registra o momento. No vídeo, é possível ver que os presos usam uma estratégia para que o piloto do drone saiba onde deixar a encomenda. - Dentro da cela, eles acendiam e apagavam a luz. Isso servia de guia para quem estava do lado de fora, operando o drone - relata o delegado Rafael Pereira, diretor da Divisão de Homicídios da Região Metropolitana.

2 - A "pescaria"

Suspensa por uma linha presa ao drone, a pistola é deixada no pátio, em meio ao lixo que é arremessado pelos presos, e é "pescada" para dentro da cela.

Segundo a apuração, os presos usaram dois cabos de vassoura emendados para alcançar a arma e puxá-la para dentro. A ação foi simulada pela perícia, durante a investigação.

- Os peritos realizam uma tentativa de capturar um objeto, na dimensão do que foi deixado pelo drone. Eles conseguiram afirmar que sim - explica a delegada Graziela Zanelli.

3 - Drible na revista

Após constatarem a aproximação do drone, os agentes decidem revistar as celas do lado ímpar, em busca do que havia sido deixado. Na ocasião, a penitenciária não tinha equipamento antidrone. - Era muito escuro, e os policiais penais não enxergavam o drone. Iriam atirar a esmo. E a sujeira, que os presos deixaram propositalmente, acabou impedindo que esse objeto fosse identificado - diz a delegada.

Ao perceberem que haveria revista, os presos jogam a caixa com a pistola de volta ao pátio, em meio ao lixo. Nas celas, os agentes encontram só porções de drogas e um radiocomunicador. - Essa pode ter sido uma estratégia dos presos, para que os agentes pensassem que tinham localizado o que havia entrado pelo drone - comenta o delegado Pereira.

Depois, os presos puxam a arma novamente para dentro. Ao revistar o lado externo, os agentes já não localizam nada.

Nenhum comentário: