10
de novembro de 2013 | N° 17610
FABRÍCIO
CARPINEJAR
Tenho uma doença incurável
Durante
a paixão, não existe mais nada, a não ser estar com o outro.
Trabalho
perde valor, amigos perdem valor, boemia perde valor, cinema perde valor, assim
como teatro, bebida e futebol, nenhum evento é mais importante do que estar com
o outro.
Contam-se
os minutos, as horas, para o encontro com quem nos arrebatou.
Nosso
foco é somente para uma pessoa. O mundo desaparece, as notícias desbotam,
unicamente se pensa em sexo e em enlouquecer nossa conquista.
É uma
alegria ininterrupta: todo abraço é um camarote, todo beijo é conversa fiada.
O casal
perde o relógio de vista, e fica ainda mais feliz. Não dorme e ri – os bocejos
se tranquilizam em suspiros.
Durante
a paixão, somos admirados, invejados, elogiados, e juramos que nos
transformamos no homem dos sonhos, que os pesadelos dos desentendimentos e das
críticas das relações anteriores são águas passadas e não retornarão com
nenhuma enchente.
Na
paixão, somos lindos, fortes, curiosos. Não é que não enxergamos os defeitos,
desprezamos os defeitos.
Meu
problema é que a paixão passa, mas eu não passo pela paixão.
O
que digo sugere um autoelogio, só que é uma autocrítica. Arco com os efeitos
colaterais da atenção excessiva, de não me distrair da amada.
Continuo
apaixonado dentro do amor, esta é minha principal crise.
A
prioridade permanece sendo minha mulher, acima da carreira e dos negócios, dos
traumas financeiros e do calendário esportivo. Comigo, as coisas não voltam ao
normal.
Não
sossego o ritmo, não acalmo a busca, não diminuo minha disposição, não me isolo
no escritório ou no quarto para fazer as minhas tarefas. Não assumirei a
neutralidade da confiança, a mornidão do conforto.
Realizo
as obrigações do serviço previamente para ostentar descompromisso nos momentos
que partilho com minha esposa. Ela deve pensar que sou um vadio, pois nunca
digo que não posso ou não tenho tempo. Ou deve supor que sou um trambiqueiro,
um corrupto, um traficante, alguém que sonega suas verdadeiras atividades.
Carrego
uma doença incurável: a paixão não vai embora. Ela é uma hóspede que adia sua
despedida e toma para si o quartinho de empregada do meu coração.
Persigo
a leveza, a alegria, a ternura, a entrega integral, o que é inviável. Corro atrás
do inacessível que o apaixonado deseja: garantir a paz sem diminuir a
intensidade, declarar-se diariamente sem jamais se enjoar.
Quero
acordar serelepe, fingir que não estou com sono, dar um jeitinho para chegar
antes ao corpo dela e sair depois, bem depois. Invento folgas, feriados, greve
para desfrutar o máximo possível de sua convivência. Antecipo escalas, levanto
voo de carro, enlouqueço a equipe para arrematar um almoço ou um jantar com ela.
Qualquer fresta é festa surpresa.
Não é
porque terei todo o tempo do mundo no futuro para amá-la que não irei usá-lo
agora. A urgência é de um apaixonado em estado terminal. Meu lema é “já e
sempre”.
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