10
de novembro de 2013 | N° 17610
CLAUDIA
TAJES
A tal culpa da mulher moderna
Tudo
começou por causa de um frango congelado no supermercado. Estava escrito na
embalagem: para a mulher moderna viver sem culpa. Daí pensei que devia haver
algo de muito errado comigo já que, ao menos em tese, pertenço ao gênero das
mulheres e faço parte desses tempos ditos modernos. Só que seria preciso mais,
muito mais do que um frango congelado para eu viver sem culpa.
E
por que alguém viveria sem culpa por causa de um frango congelado? Tentei
levantar algumas hipóteses:
1) Porque
você, mulher moderna, pode seguir sendo carnívora sem a desagradável tarefa de
abater você mesma o seu frango.
2) Porque
você, mulher moderna, pode ter a sensação de preparar pratos maravilhosos para
a sua família com muito mais praticidade, bastando para isso descongelar o
bicho.
3) Porque
você, mulher moderna, está acostumada a ouvir que todos os produtos e todos os
serviços são feitos para que você viva mais leve, mais bonita, mais
despreocupada, mais segura, mais confiante, com cabelos mais lindos, pele mais
macia, menos celulite e, claro, muito mais prazer sexual.
Não
consultei nenhum pesquisador para conferir o valor (ou a falta de) dos meus
chutes. Mas daqui, do imperfeito mundo das consumidoras, me atrevo a votar no
de número três. Desde que as mulheres passaram a decidir a compra, qualquer
produto anuncia que vai deixá-las ainda mais incríveis. Pode ser batom ou água
sanitária, creme hidratante ou arroz parboilizado, panela ou sapato, carro ou
desodorante para banheiro. Até parece.
Olhando
para a pilha de louça por lavar na pia, concluo que a mulher moderna aqui de
casa se contentaria fácil, fácil com um galináceo que se confessasse de boa
qualidade e sem conservantes em demasia. E se, em lugar de cair na mesmice, a
sua propaganda fosse bem-humorada, melhor ainda. A culpa, essa fica como tarefa
para os psiquiatras. Porque se eles apanham para resolver os dilemas das
mulheres modernas, e dos homens modernos também, não há de ser um frango
congelado que vai conseguir.
Às
vezes o Almanaque Gaúcho, na penúltima página do jornal, publica propagandas
antigas. Copiando a ideia do homem do Almanaque, o Ricardo Chaves, procurei anúncios
da época da Vó do Badanha, dois personagens que ninguém sabe dizer de onde saíram
e para onde foram. Ou do Ariri Pistola, outrora muito citado, mas ignorado pelo
Google. Pois no tempo do Ariri Pistola a publicidade de produtos voltados ao público
feminino era de chorar no cantinho.
Um
executivo na cama de gravata era o suficiente para transformar a mulher pré-moderna
em escrava. Na cama de gravata? Ao encontrar o anúncio de um cigarro onde o
homem sopra a fumaça no rosto da moça e o título diz que, assim, “ela o seguirá
por qualquer lugar”, comecei a simpatizar com o frango congelado que faz a
mulher moderna viver sem culpa. Para ver como tudo, no fim das contas, é uma
questão de perspectiva.
Nenhum comentário:
Postar um comentário