sexta-feira, 8 de novembro de 2013


08 de novembro de 2013 | N° 17608
DAVID COIMBRA

O Palácio da Alvorada

A biblioteca do Palácio da Alvorada tem exatamente 3.384 livros. Não contei; me contaram – o administrador do Palácio me contou, depois da entrevista exclusiva que fizemos com a presidente Dilma Rousseff, eu, a Rosane de Oliveira, o Cacau Menezes e a Carolina Bahia, quarta passada.

Aliás, presidente. PresidentE. Não gosto de presidentA. É inusual. É artificial. Tanto que, apesar de dizer que prefere presidenta como distinção às mulheres, Dilma volta e meia se distrai e refere-se a si mesma como presidente. Então, presidente.

A biblioteca é o lugar preferido da presidente no Palácio. Ela mora no segundo piso, num apartamento que diz ser grande demais. – O Lula dizia que, quando ia ao banheiro, tinha de ir de patins – brincou.

Nesse apartamento ela tem seus livros pessoais, nos quais faz apontamentos e manuseia sem maiores cuidados. Os da biblioteca, no andar inferior, todos encadernados em couro, com inscrições douradas, esses merecem alguma solenidade. Como o pé-direito da biblioteca é altíssimo, mais de cinco metros, a presidente tem de usar uma escada para acessar as obras encarapitadas na parte mais elevada das estantes. Ela sobe nas escada sem pejo nem medo.

Vi edições preciosíssimas, muitas em primeira edição: Cartas do Brasil, do Padre Manuel da Nóbrega, Cartas Jesuíticas, do Padre Anchieta, A Nova Política do Brasil, de Getúlio Vargas, Moby Dick, de Melville, coleções completas de Stendhall e Machado, os sermões do Padre Vieira, A II Guerra Mundial, de Churchill, e, em inglês, um dos meus historiadores favoritos, Will Durant.

Das paredes de vidro da biblioteca avistam-se os belíssimos jardins do palácio. Os bem-te-vis chilreiam nas árvores e famílias de joões-de-barro constroem seus ninhos nas abas do teto. Dilma se queda a observar os passarinhos, aponta para a casa do joão-de-barro, observa que ele está lá dentro com a companheira e comenta a respeito de duas araras que andam de péssimo humor pelas imediações.

Caminhei pelo palácio, observei cada recanto. Naquele campinho de futebol de gramado perfeito, o ex-presidente Lula bateu bola dentro da sua camisa do Corinthians. Na mesma cama em que Dilma dorme, dormiu Ernesto Geisel. Depois do almoço, ele se retirava para aquela ala, colocava o pijama, descansava por meia hora, levantava-se, tirava o pijama, vestia o terno e descia para continuar a abertura política lenta, segura e gradual. Costa e Silva morreu naquele palácio, ou lá começou a morrer. Será que o espírito de Costa e Silva assombra o Alvorada, como o de Borges assombra o Piratini?

Não duvido que o fantasma retaco de Castelo arraste suas correntes pelo piso de tabuão do Alvorada. Ou talvez lá habite o feroz espectro de Médici, um fantasma de gelados olhos azuis. Ou não foi ali, naquele palácio, que Figueiredo decidiu que prenderia e arrebentaria quem atentasse contra a anistia? Quantas das decisões certas e erradas foram tomadas entre as paredes daquele palácio? Decisões que mudaram a vida de milhões. Quantos daqueles 3.384 livros foram folheados pelas mãos mais poderosas do país?


O poder trescala do Palácio da Alvorada. Essa é a função dos palácios. Para isso foi levantado do chão do Cerrado o Alvorada. Juscelino, ao ver o primeiro projeto de Niemeyer, o rejeitou. Queria algo mais imponente. Niemeyer atendeu. O Alvorada é uma catedral mundana do mando, é um monumento da ascensão de um homem sobre os outros homens. É um templo do poder.

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