11
de dezembro de 2013 | N° 17641
MARTHA
MEDEIROS
Esporte e
identidade
Em
1994, Nelson Mandela tornou-se presidente de uma ainda problemática África do
Sul. No ano seguinte, 1995, o país sediaria pela primeira vez a Copa Mundial de
Rúgbi, conhecido como um esporte de brancos – tanto que a população negra
sul-africana torcia contra sua própria seleção.
Mandela
percebeu que o evento poderia se tornar um importante aliado no processo de fim
do apartheid e consequente pacificação da nação. Dedicou-se de corpo e alma a
fazer com que a fraca seleção de seu país conquistasse o título, empurrada por
negros e brancos unidos por patriotismo – uma utopia, na época.
O
diretor de cinema Clint Eastwood contou essa história no filme Invictus, com
Morgan Freeman no papel de Mandela. A epopeia teve um final feliz, bem ao gosto
de Hollywood, com a vantagem de ter sido real: a seleção da África do Sul, pela
primeira vez, sagrou-se campeã mundial de rúgbi, e a sabedoria de Mandela
tornou-se ainda mais evidente ao conseguir unificar o país através do grito de
uma torcida finalmente coesa.
Quando
o filme estreou no Brasil, em 2009, Bernardo Buarque de Holanda escreveu uma
resenha em que disse: “Estádios funcionam como uma caixa de ressonância por
intermédio dos quais se exprimem, de alguma maneira ou em algum grau, as
tensões constitutivas da sociedade a que pertencem”. Isso porque o esporte e a
política sempre mantiveram laços.
Muitos
ditadores usaram o esporte para impor a soberania de um povo sobre o outro, de
uma raça sobre a outra, porém Mandela entendeu que o poder do esporte estava
justamente em eliminar diferenças, agregando a população em torno de um único e
salutar propósito. Fundou uma nova identidade nacional, minimizando as tensões
advindas de brigas sem sentido e trocando-as por vidas com sentido.
No
momento em que estamos de luto pela morte desse que foi um dos maiores
humanistas do planeta, lamento que sua mensagem de paz não tenha se expandido
até aqui. A julgar pelas cenas de demência vistas nas arquibancadas do jogo
entre Vasco e Atlético-PR, seria preciso três dúzias de líderes com o poder de
persuasão de Mandela para inibir brutamontes que chegaram a um nível de
estupidez e ignorância alarmante, lesando nossa autoestima.
O
que os leva a agir de forma tão extremada diante de um inimigo imaginário? A
que ponto chega a provocação de uma torcida a outra para que o senso crítico
seja totalmente banido e a selvageria se imponha? E, em termos menos
filosóficos e mais práticos: por que não se resolve de vez a questão do
policiamento nos estádios e não se punem rigorosamente esses animais?
Dias
atrás o tabloide britânico Daily Mail publicou uma reportagem boba em que
demonstrava preocupação com a possibilidade de a seleção inglesa ter que
deparar com jacarés circulando pelas ruas de Manaus. Jacaré não é nada,
gringos.
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