sexta-feira, 9 de maio de 2008



09 de maio de 2008
N° 15596 - José Pedro Goulart


O homem que não queria ser deus

No futebol, a Nike tem poderes junto aos torcedores semelhantes aos do Vaticano junto aos católicos. Ela não escolhe, canoniza. A cada drible, uma beatificação; a cada gol, uma santificação. Imagine se você ganhar uma Copa do Mundo?

E duas, então? Pense se você for escolhido três vezes o Jogador do Ano? Fotos gigantescas cobrirão as cidades do mundo com a sua imagem. Madri, Paris, Roma, Londres. Suspenso sobre tudo e todos, você.

Diante dessas imagens, sobram os mortais. Os devotos. Os fanáticos. Os que enchem os estádios nos domingos como se fossem templos. A missa é o jogo, o padre é o juiz. Nesses templos, os jogadores se benzem, oram, erguem os braços aos céus.

O ato se propaga nas ruas, toma conta das cidades. As camisetas com seus escudos, cores, lembram as Cruzadas religiosas - em caso de confronto, haverá luta, guerra, sangue: não há acordos em questões de fé.

Ronaldo Nazário provou disso com a deferência dada aos deuses. Provou do amor e do ódio das torcidas (e aqui ódio é uma forma de amor). Aonde fosse, Ronaldo viu esticado um tapete a separar seus pés sagrados dos chãos dos mortais. E o craque provou de tudo que lhe foi oferecido sem fazer cerimônia. Provou, abusou, se lambuzou.

Divinizado, o jogador protagonizou romances celestiais; mulheres lindíssimas, vastas emoções, mas casamentos imperfeitos: é que os deuses como bem sabemos a partir da mitologia grega não se dão bem na comunhão com os humanos.

E as sucessivas lesões? Seriam elas indícios de humanidade? Ora, são os joelhos de Aquiles. "Fenômeno", não menos do que isso - e quem senão um deus pode ser chamado assim?

Mas, afinal, ser deus é bom? Talvez. Mas talvez Ronaldo tenha começado a pôr isso em dúvida. É a tentação da normalidade, do prosaico, do simples, do guisadinho com farofa. É a vocação humana em procurar sentido onde não há sentido. É também o tédio, o fastio, o nojo.

E foi assim, diante de um homem que não era homem - como se fosse esse outro um espectro a lhe assombrar - que Ronaldo buscou pelo resgate da condição humana que havia perdido.

O sexo vulgar o tornaria novamente o que era. O que somos. Vulgarmente humanos. Depois, vieram as desculpas, as explicações, os desmentidos. Mas agora é tarde, a maçã foi mordida. Nunca mais o paraíso. Nunca mais. Nunca mais.

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