sexta-feira, 9 de maio de 2008



09 de maio de 2008 | N° 15596
David Coimbra


Uma pessoa melhor

Quando quero me tornar uma pessoa melhor, faço o seguinte: ligo para uma operadora celular ou de TV a cabo. Um telefonema basta para o grande aprendizado. A começar pelo começo.

A maviosa voz feminina esforçando-se para parecer humana. Lógico que sei que não é. É uma gravação. Transistores insensíveis, fios frios, talvez plástico duro, nada de sangue quente e cordas vocais vibrantes, não, senhor. Mas tenho de reconhecer-lhe o empenho. Ela até faz uma tentativa de ser informal.

- Aaah, estou vendo que você...

Como se tirasse conclusões. O que é impossível. Máquinas não vêem nada, não fazem deduções, ela não me engana. Mas neste ponto tenho de fazer de conta que estamos travando um diálogo, caso contrário não poderei ir adiante. E eis o primeiro ensinamento: para se dar bem na vida, é necessário exercitar a imaginação.

Em seguida, ela pergunta as razões do telefonema.

- Será problema técnico? - questiona-se, toda curiosa. - Ou com a fatura? Ou você quer fazer alguma compra?

Depois de enumerar as possibilidades ela estimula a conversação, como se fosse um psicanalista:

- Então: diga o seu problema!

Não é para apertar um botão. O botão é muito mecânico. A idéia é humanizar o atendimento. O problema é que, mesmo tendo exercitado a minha imaginação, ainda sei que estou lidando com uma máquina. Perco a naturalidade.

Dia desses, estava na rua, ao celular, e tive que falar para a gravação o que desejava. Se fosse uma pessoa, faria uma introdução e tal. Não sendo, peguei-me aos berros, escandindo bem as sílabas:

- Pro-bleee-maaa téc-ni-coooo!

Todo mundo me olhando na calçada.

Por algum motivo, a máquina não ouviu direito.

- Não entendi - disse ela. - É fatura? Diga sim ou não.

Como é que ela foi confundir fatura com problema técnico? Tansa! Eu:

- Nããããão!

- Ainda não estou entendendo - respondeu, para meu desespero. - É sim? Ou não?

- Nããããããããããããão!

As pessoas em volta já meio assustadas. Dei algum vexame. Mas também este caso foi útil e didático: enfraqueci meu senso de ridículo, algo deveras positivo, pois, como se sabe, quanto maior o senso de ridículo, mais a gente se sente ridículo quando passa ridículo.

Depois que a ligação é transferida para uma pessoa de verdade, trespassa-me a ilusão de que tudo será resolvido. Nhé! O atendente pede meu CPF. Recito-lhe o CPF. Ele informa que vai procurar o meu cadastro.

Espero uns 10 minutos até que volte à linha. Enquanto isso, o telefone toca uma musiquinha, lalalá... Outra lição: é necessário testar os limites da paciência e, se for controlado e bem treinado, posso até estendê-los.

Quando finalmente o atendente retorna, diz que transferirá a ligação para o setor competente. Espero. Espero. A musiquinha, lalá. O atendente do setor competente, depois de algum tempo, incrível!, atende. Antes que eu possa falar, enfileira perguntas: qual é o meu CPF? Minha data de nascimento?

O endereço? Respondo direitinho. Aí ele diz que vai procurar o meu cadastro. Mais espera. Musiquinha. Espera. Musiquinha. Estou a ponto de chorar, quando o atendente volta. Oh, que bom! Lutei tanto, sofri tanto, mas consegui! Porém...

Porém...

- Lamento, mas nosso sistema está fora do ar. Ligue mais tarde, por favor.

Contenho-me a custo. Não digo para o atendente o que penso da mãe dele, embora queira muito. Assim, desenvolvi meu grau de civilização. Sou um vencedor. Como é bom ligar para uma operadora de celular ou de TV a cabo!

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