08 DE SETEMBRO DE 2022
CAPA
Viagem pela música de Porto Alegre
Arthur de Faria lança o primeiro volume de sua "biografia musical" da Capital, fruto de mais de três décadas de pesquisa
Porto Alegre teve a segunda gravadora com fábrica própria da América Latina nos anos 1910. Entre 1913 e 1924, a cidade era um polo musical. A Capital teve também quatro revistas que falavam dos artistas locais nos anos 1950. Em 1960, a Rádio Farroupilha teve mais de cem músicos contratados. Essas são apenas algumas das histórias contadas no livro Porto Alegre: Uma Biografia Musical - Vol. 1 (Arquipélago Editorial), lançamento do músico, jornalista e pesquisador Arthur de Faria. Na obra, o autor reconstitui a história da música na Capital, narrando a formação da cidade de uma perspectiva musical e provando que ambas se entrelaçam. O livro já está à venda e terá sessão de autógrafos no dia 14, às 18h, na PocketStore Livraria (Rua Félix da Cunha, 1.167).
- Tem muitas histórias incríveis, histórias individuais mesmo, a trajetória de algumas pessoas - relata o autor.
A obra é resultado de mais de três décadas de pesquisa, durante as quais Faria, 53 anos, vasculhou os mais variados acervos e entrevistou personagens e pesquisadores em busca de relatos, textos, imagens e sons para a reconstrução da memória. Parte do conteúdo foi escrita ainda em meados dos anos 1990, quando o jornalista trabalhava no suplemento ZH Zona Norte e produziu reportagens sobre Elis Regina e o rock do bairro IAPI.
Há alguns anos, percebendo que possuía material suficiente para publicar um livro, foi convencido por Tito Montenegro, editor e sócio da Arquipélago Editorial, a separar o conteúdo em tomos. Deste modo, esta obra inicia uma coleção de sete livros, composta ainda, nesta ordem, por títulos sobre Radamés Gnattali, Lupicínio Rodrigues, Elis Regina (já lançado), o segundo volume de Porto Alegre: Uma Biografia Musical, rock gaúcho e música regionalista. A sensação de finalmente publicar as obras, segundo Faria, é "muito boa".
- Tem frases que eu escrevi 25 anos atrás e que foram sobrevivendo a todas as revisões - destaca.
Apesar de o livro sobre a história da música na Capital ser o primeiro volume da série, foi o segundo a ser lançado - uma tática como a de Star Wars, com lançamentos fora da ordem, optando por alternar os livros com maior e menor viabilidade comercial. Foi assim que Elis: Uma Biografia Musical (Arquipélago, 2015), o quarto da série, foi escolhido como o lançamento inicial, por ser mais viável e ter uma demanda maior a nível nacional - e, atualmente, inclusive na Argentina, no Uruguai e em outros países.
Já Porto Alegre: Uma Biografia Musical, por ter um recorte muito específico, foi posto em espera. Sete anos se passaram e, agora, a obra finalmente foi publicada, após ser retida por alguns meses para coincidir com o aniversário de 250 anos de Porto Alegre, o qual busca homenagear. A edição do livro foi viabilizada por meio de uma campanha de financiamento coletivo que teve o apoio de mais de 300 pessoas dos mais distintos lugares, atingindo 106% da meta estipulada.
Formação
O termo "biografia", apesar de ser empregado para se referir à história da vida de uma pessoa, se amolda perfeitamente à maneira como o livro conta e contextualiza a história da vida da Capital. No primeiro volume, Faria aborda a história da música popular da cidade, desde o início do povoamento até a Era do Rádio, um período compreendido entre 1752 e meados de 1960. O livro passa ainda pelo folclore açoriano, pelos Carnavais, pelas junções de rua, pelo surgimento dos primeiros espaços culturais e pela era do jazz.
Os capítulos, portanto, intercalam a história da cidade com os personagens que marcaram os tempos. Alguns são pouco citados no livro, porque ganharão obras próprias, como Lupi e Radamés. O livro analisa ainda a rápida expansão populacional, a gradual redução da população escravizada e os recortes de raça e classe no acesso aos bens culturais e à visibilidade artística, evidenciando as diferenças para os artistas negros e brancos enquanto explicita o contexto histórico. Apresentada em prosa solta e bem-humorada, a perspectiva musical da formação da cidade é, conforme o autor, indissociável dos acontecimentos políticos e sociais.
- Tudo são relações econômicas, tudo está interligado. Não dá para pensar as coisas separadas do seu contexto - argumenta Faria, citando como exemplo o impacto da Segunda Guerra na música do RS, com o surgimento do 35 CTG como reação à americanização do mundo após os Aliados vencerem a guerra.
O primeiro volume também mostra "muita derrota", conforme o autor. Ele lembra que a cidade é a capital do Estado e está situada geograficamente entre duas cidades importantes, São Paulo e Buenos Aires, adquirindo características de ambas. No entanto, ainda é periférica em relação a outros centros. Assim, muitos tiveram seu momento de glória e depois foram abandonados ou esquecidos - sobretudo a geração que brilhou até a época do rádio.
- Os artistas daqui, os que não vão embora nas épocas de ir embora, acabam, muitos deles, murchando e morrendo, então é uma história por vezes muito triste - pondera.
Para o músico, o livro é um ponto de partida para muitas possibilidades, fornecendo material para outros livros, abrindo janelas na vida real e acadêmica para novas pesquisas e subprodutos.
FERNANDA POLO
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